A miragem (mais uma) da repatriação de capitais

A Lei de Repatriamento de capitais, aprovada mais como uma visão unipessoal do Presidente da República, João Lourenço do que uma linha programática de compromisso entre todos os actores políticos, renovada no segundo semestre deste ano, concede aos poucos angolanos, ideologicamente, identificados, no partido do regime, detentores de fortunas que tenham bens ou activos não declarados no exterior a oportunidade de regularizar essa situação.

Por William Tonet

É uma moratória, mas fundamentalmente, a institucionalização da lavagem de dinheiro, evitando aos dirigentes do MPLA responsabilização pelos crimes de evasão de divisas, contra a ordem tributária e saúde financeira do Estado.

Muitos aspectos de uma norma, que deveria assentar no viés jurídico e não no político têm sido aflorados, levianamente, por visões partidocratas de juristas e articulistas, sem que o essencial, nela esteja vinculada: a legalidade e a ilegalidade.

O que visa e pretende a lei repatriar, fica confuso no entendimento da maioria dos cidadãos, porquanto alguns agentes particulares como públicos, têm capitais aplicados no exterior de forma lícita, fruto de riqueza acumulada, baseada nos princípios de transparência económica, que não deveriam estar a ser confundidos, com aqueles contra quem recai a suspeição de ilicitude na riqueza, milionariamente, alojado no exterior.

Portanto, o objectivo da lei deveria ser o de explicar ao que veio, situando-se acima de uma visão política, para unir, do ponto de vista jurídico e republicano, o carácter de uma lei, cujos contornos, pela sua sensibilidade deveria ter o condão de indicar cautelas e precauções para aqueles que pensam em aderir ao Programa de repatriamento de capitais oferecido pela “Lei João Lourenço” de capitais, aprovada pela bancada maioritária, indiferente ao clamor do povo, mas sempre subjugada a voz do detentor do poder absoluto, que a lidera.

Em primeiro lugar, o que declarar, nos marcos desta lei?

A adesão ao programa deveria clarificar, exigindo aos detentores de fortunas construídas ilegalmente, com base na delapidação financeira do erário público, a confirmação de todos os valores, materiais ou imateriais, capitais e direitos, na sua esfera, já previamente escrutinados, pelo levantamento precário do Tribunal de Contas, Procuradoria-Geral da República e Banco Central, que “sejam ou tenham sido” ilicitamente transferidos do país para o exterior, antes de 11 de Novembro de 2015.

Isto por existir uma norma, blindada juridicamente em escudo constitucional, que é a Lei 11/2016 de 20 de Julho, que amnistiou todos os crimes económicos e financeiros ilícitos, até aí praticados, pela tribo partidocrata no poder. Ora assim sendo e partindo do princípio que de 2015 a esta parte não mais se transferiram, dolosamente, dinheiros públicos, importa clarificar o quanto saiu, ilicitamente do país, neste período (2016 a 2018), para se desvanecer a ideia ao povo e menos letrados, que o dinheiro em causa, se regressado, será a solução de todos os problemas de tesouraria vividos pelo Estado.

Acredita-se que os activos disponíveis, os adquiridos e os investidos, no exterior, onde os bancos têm supervisão, na posse ou titularidade do selectivo grupo de visados, baseado nos artifícios legais construídos, os salvaguardam de não atender a actual Lei de Repatriamento de Capitais, principalmente, quando quem pretende não tem noção dos valores em contas correntes, aplicadas, encerradas ou transferidos para trusts.

E é aqui que a porca torce o rabo, porque, para nossa desgraça colectiva, o repatriamento do capital ilícito, não declarado, depende da boa vontade dos detentores dessas fortunas e património não declarado que caracterizou o crime de evasão de divisas, que lesaram os contribuintes, quantas vezes carente de medicamentos, educação, pão, água e sal, mas previamente amnistiado, pela bancada maioritária do MPLA, na Assembleia Nacional e que, caricatamente, agora, num acto de pura perversão, pretende demonstrar ser possível inverter o quadro, com uma nova lei.

Em segundo lugar, a lei é omissa quanto à forma de se demonstrar a licitude da riqueza acumulada no exterior, por gente honesta.

A lei confunde tudo e todos, como se fosse possível as raposas viverem, pacificamente, com as galinhas no galinheiro, quando uns têm declaração de bens de origem lícita e a lei os coage, como se de larápios se tratassem.

A lei, ao que parece, está-se nas tintas com a demonstração documental da licitude da riqueza, dos empreendedores honestos, uma vez parte significativa desses valores, não se poder confundir com o tráfico financeiro, protagonizado por agentes públicos e conexos, a partir das entranhas dos órgãos públicos, que sendo-lhes difícil provar a forma como têm essa riqueza no exterior e qual a sua origem, abrigam-se debaixo da sombrinha da amnistia.

Porém, o contribuinte impávido, sereno e impotente com o volume de informação deturpada, uma lei inócua e muita dose de populismo, acredita que no virar da esquina, regressarão os milhões e milhões de dólares desviados, sem nunca ter existido uma plataforma onde tenham sido prestadas informações sobre a titularidade e origem dos bens, bem como a indicação da forma de aquisição das fortunas.

A esperada regulamentação da lei de repatriamento de capitais deve dispor de mais detalhes sobre o real conteúdo, para que a sociedade possa estar atenta às declarações falsas, para que os falsários possam estar excluídos do benefício da Lei, fazendo, aqui sim, incidir a coercibilidade, com a aplicação de avultadas multas, juros incidentes, confisco sem prejuízo de outras penalizações cíveis, administrativas e criminais.

A questão mais intrigante é a lei ser omissa, na imposição de um elemento fundamental, para a eficácia do repatriamento de capitais, que é o conhecimento, ainda que superficial, dos montantes na esfera de cada agente ilícito.

Não sabendo os montantes em causa, individual e colectivamente, impera o livre arbítrio, ficando o Estado refém da discricionariedade dos lesadores, que na maior das impunidades, apresentam declarações de bens e activos no exterior, desde que manifestem, ainda que cinicamente, vontade de os repatriar.

Vale notar que diferente de outras realidades, a lei de repatriamento de capitais de Angola, não exige o rigor e fiscalidade de um órgão, que deveria ser criado, como “Autoridade de Controlo de Fuga e Repatriamento de Capitais”, autorizada a funcionar e analisar as operações num tipo de sistema próximo de “compliance”, para controlo de indícios ou suspeita de lavagem de dinheiro.

É de relevância extrema o “dead line” legal (26.12.18), para a aplicação de coercibilidade, aos prevaricadores, sem que se aponte, o que é tipificado como crime, depois da lei de amnistia 11/2016 de 20 de Julho.

A lei de amnistia exclui qualquer penalização, por crimes praticados até 11 de Novembro de 2015, contra todos aqueles se aboletaram ilicitamente de dinheiro do erário público, em acções penais por evasão de divisas e falsidade, mas caricatamente, a nova lei, também tem uma cereja no cimo do bolo, que é a legalização da lavagem de dinheiro, oriundo de crimes de peculato e corrupção.

Por outro lado, é grave que esta lei de repatriamento descure, os antecedentes dos agentes, mandando às urtigas condenações, por falsidade ideológica, sonegação fiscal ou ainda sejam criminosos ligados as máfias da droga, terrorismo, pois permite-lhes entrar no capital de empresas públicas, semi-públicas ou mesmo privadas, onde, com este toque de mágica, poderá regularizar os seus bens.

A corrupção, o descaminho, a gestão fraudulenta e outros crimes, mesmo praticados entre 2016 e 2018, podem aderir a este pacote sem qualquer restrição, numa aberrante incoerência e incongruência, na lógica do crime compensar, sempre que o criminoso tenha uma paixão ideológica de poder, apoiado por uma quadrilha, com capacidade de trafegar os corredores do poder, onde tem capacidade de influenciar a alteração da norma jurídico-constitucional.

Essa (norma) ao invés de proibir, ex-agentes públicos, condenados com trânsito em julgado, a retornar ao exercício de funções no aparelho do Estado, estimula-os a regressar e continuar, agora, mais refinadamente, em cargos públicos, sabendo estar, contra eles, a verdadeira punibilidade e os seus bens e familiares nunca puderem vir a a sofrer consequências.

Finalmente, enquanto para uns poucos a lei oferece uma oportunidade importante para os membros do governo que se aboletaram ilicitamente de bens públicos, verem compensado o crime de ladroagem, outros, a maioria, não acredita que a forma como está feita a presente lei e as declarações dos principais rostos do novo regime, muito dificilmente haverá eficácia, segurança e retorno de dinheiro, capaz de contribuir, no esforço de relançar a economia e moralizar a prática e actuação ética dos agentes públicos.

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