Seja bem-vinda Senhora Ministra!

A ministra da Justiça de Portugal é esperada na quarta-feira em Luanda para uma visita de trabalho de três dias a Angola, regressando Francisca Van Dúnem ao país onde nasceu em 1955, agora como governante portuguesa.

A confirmação desta visita foi feita a 10 de Fevereiro, também em Luanda, pelo chefe da Diplomacia portuguesa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, prevendo-se reuniões de Francisca Van Dúnem com membros do Governo angolano e responsáveis do sistema judicial.

Além disso, na quinta-feira, a ministra deverá participar em Luanda num fórum sobre os serviços de Justiça.

Esta visita acontece uma semana depois de o Ministério Público português ter acusado o procurador Orlando Figueira e o vice-Presidente de Angola (e ex-presidente da Sonangol) Manuel Vicente, no âmbito da “Operação Fizz”, relacionada com corrupção e branqueamento de capitais.

Até ao momento, nenhum elemento da cúpula do Governo angolano em Luanda ou do MPLA (são uma e a mesma coisa) comentou esta acusação.

Francisca Van Dúnem, escolhida em Novembro de 2015 por António Costa para ministra da Justiça, foi procuradora-geral distrital de Lisboa durante oito anos e fez toda a carreira profissional como magistrada no Ministério Público.

Nasceu em Luanda a 5 de Novembro de 1955, no seio de famílias conhecidas de Angola – Vieira Dias, pelo lado materno e Van Dúnem pelo paterno.

Francisca Van Dúnem chegou a Portugal com 18 anos, para estudar Direito, mas a revolução do 25 de Abril de 1974 apanhou-a no segundo ano do curso, tendo regressado temporariamente a Angola.

A ministra portuguesa é irmã de José Van Dúnem, do sector ortodoxo e de obediência soviética do MPLA, partido no poder desde 1975, e cunhada da militante comunista Sita Valles, ambos mortos na sequência dos massacres de 27 de Maio de 1977, levados a cabo pelos radicais do MPLA, liderados por Agostinho Neto, alegando uma tentativa de golpe de Estado por parte de Nito Alves.

O vice-procurador-geral da República de Angola, general Hélder Pitta-Groz, considerou na altura em Francisca Van Dúnem foi escolhida para o Governo português, que Portugal quebrou um “tabu” com a escolha de uma mulher negra para ocupar o cargo de ministra da Justiça.

“Numa sociedade como a de Portugal não seria fácil, não foi fácil de certeza absoluta, que uma mulher negra chegasse a fazer parte de um Governo”, afirmou Hélder Pitta-Groz.

Francisca Van Dúnem é a segunda magistrada a ocupar a pasta da Justiça em Portugal, depois de Laborinho Lúcio.

“Também foi quebrar um bocado esse tabu que havia em Portugal: mulher negra não”, disse o vice-procurador-geral da República de Angola, assumindo-se como amigo da família da ministra da Justiça de Portugal.

“Se o PS e os seus parceiros a escolheram é porque reconhecem as suas competências e as suas capacidades”, apontou ainda, naquela que foi a primeira reacção de elementos próximos do Governo de Angola a esta nomeação.

O XXI Governo português, na linha do que o XIX e primeiro governo de Pedro Passos Coelho, tem na pasta da Justiça mais uma mulher originária de Angola. A anterior foi Paula Teixeira da Cruz que nasceu no Huambo.

Enquanto Paula Teixeira da Cruz não mostrou qualquer evidência quanto à sua naturalidade, ou pelo menos, poucas pessoas saberiam da sua proveniência, Francisca Van Dúnem já, até pela sua tez antropológica, é mais associada à proveniência que nunca negou.

Por outro lado Paula Teixeira de Cruz era advogada e Francisca Van Dúnem era magistrada e até agora Procuradora-Geral adjunta.

Acresce que, ao contrário do que se já leu em alguns apontamentos nas páginas-sociais, tal como não se verificou com Paula Teixeira da Cruz, também não esperem da nova ministra qualquer maior facilidades e aberturas jurídicas nas relações luso-angolanas, principalmente, nos casos mais delicados.

Além disso, e apesar da sua verticalidade e probidade jurídica, Francisca Van Dúnem poderá ter como óbice – ainda que não da parte dela, mas de terceiros e externos – o facto de ser uma das vítimas do nunca esclarecido e sanado massacre do 27 de Maio.

Ao contrário de outros países e lusofonamente bem próximos, caso de Angola, em Portugal, o poder judicial é totalmente separada do poder governativo. Prova disso os inúmeros casos de ex-governantes e altos membros das finanças portugueses que se encontra sob alçada da Justiça, quer através de arguição quer, mesmo, pela condenação.

Os casos mais paradigmático são o do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, e o do ministro da Administração Interna do XIX governo, Miguel Macedo, que foi constituído arguido devido a possíveis casos de favorecimento no processo “Vistos Gold”.

Portugal, país secular, com marcas de colonização em África mas com inúmeros fantasmas preconceituosos, quanto à ascensão de pretos na sua estrutura política, quebrou de facto mais essa barreira.

A escolha de Francisca Van Dúnem não se enquadrou em políticas de quotas ou de favores, mas nos marcos da competência académica, enquanto profissional de Direito, que com discrição vinha palmilhando os carreiros da magistratura do Ministério Público português, onde exercia as funções de vice-procuradora adjunta da República, para a área metropolitana da Grande Lisboa, até saltar para as luzes da ribalta, como ministra da Justiça.

O mérito é pessoal e deve orgulhar antes de mais, todos quanto acreditando na formação académica, lutam contra todas as formas de discriminação e perseguição em muitas latitudes geográficas, não claudicando a tentação de subverter a ciência a bajulação ideológica.

Francisca Van Dúnem é uma vencedora e deve, partilhar esta alegria, com familiares, verdadeiros amigos e compatriotas portugueses, em primeiro lugar, que através do “jus solis” lhe concederam âncoras de assumida cidadania.

Francisca Van Dúnem é orgulho de Portugal e não de Angola, que nada fez, para a cadenciada ascensão, pelo contrário, se estivesse, em terras angolanas, pela força das ideias e convicções técnico-profissionais, seria, seguramente, perseguida, presa, torturada e quiçá assassinada, como o foram e são tantos outros quadros, por ousarem ser, exclusivamente, pese o “jus sanguis”, escravos da academia.

Na altura da escolha os angolanos (alguns) sentiram um grande alívio. Gritaram, pularam, choraram por ver o romper das grilhetas, que amarram brilhantes e ofuscados quadros africanos e angolanos, por políticas e políticos ditadores nos respectivos países, que se comportam, piores que os antigos colonizadores.

A nomeação de Francisca Van Dúnem foi um hino à persistência, à crença na “cidadania do conhecimento científico”, passaporte para a afirmação em qualquer fronteira global.

“Chorei, porque lá onde está, o meu camarada José Van-Dúnem (conhecemo-nos, primeiro, na cadeia de São Nicolau) como irmão mais velho, orgulhoso de ver a irmã Chica, chegar, aos 60 anos, a mais alta magistratura da Justiça portuguesa, não por bajular um partido ou um medíocre líder político, mas pelo rigor, disciplina, seriedade e competência profissional”, escreveu aqui o nosso director, William Tonet, em 28 de Novembro de 2015.

Recorde-se ter sido este ícone da juventude de Angola (Zé Van-Dúnem) a par de Nito Alves, barbaramente assassinado, com a mulher, Sitta Valles, por António Agostinho Neto e o MPLA, em 1977 (o actual Presidente da República, José Eduardo dos Santos foi coordenador da Comissão de Inquérito e nada fez para ouvir os acusados, sendo por esta e outras razões, amiúde, considerado cúmplice de tão hediondo massacre, que vitimou, cerca de 80.000 angolanos, caricatamente, a maioria do próprio MPLA).

“Foi um golpe terrível. Não se trata só de perder o meu irmão e a minha cunhada, trata-se de perder uma parte significativa das pessoas com quem eu passei a minha juventude. A lógica deles era matar todos os universitários e estudantes. Os intelectuais. Mas pronto, não se vai ressuscitar ninguém”, disse Francisca numa entrevista ao Semanário Expresso de Portugal. Na sequência da morte do irmão e cunhada, acolheu o sobrinho e educou-o como um filho.

Daí que só por mero cinismo e ofensa à memória de Zé Van-Dúnem, o regime do Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, ouse chamar à colação, a nomeação desta profissional, ao facto de ter nascido em Angola, que nunca antes a reconheceu competência e profissionalismo.

É mero oportunismo político, que Francisca Van Dúnem terá de estar habituada, mas não pode, a eles, subjugar-se, quando, sub-repticiamente, muitos, a querem bajular, agora, com a ladainha de “família”, prima, amiga e compatriota, tudo para que ela, nas funções de ministra da Justiça de Portugal, branqueie falcatruas financeiras de uma série de governantes angolanas, que desviando dinheiro do erário público, na banda, o coloquem em Portugal.

Francisca Van-Dúnem, manda a honestidade intelectual, não, não é jurista angolana, mas sim portuguesa! Nasceu em Angola, sim, mas foi Portugal que lhe blindou uma cidadania desde que, com 17 anos de idade desembarcou, para estudar Direito.

Carregou lágrimas e dor, no exílio partilhado com a maioria dos irmãos sobreviventes, a que esteve sujeita, face à perseguição impiedosa e ao luto, causado pelo partido no poder, em Angola, à sua família.

Recorde-se, também, outro irmão o jornalista João Van-Dúnem, que trabalhou em Portugal e na BBC, em Londres e falecido em Luanda, em 2013, quando exercia funções na Administração do Grupo Media Nova, ligado à Presidência da República e que integra a TVZimbo, Rádio Mais, entre outros meios.

Folha 8 com Lusa

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