“SOMOS A SELECÇÃO NACIONAL”

Muitos milhares de apoiantes da UNITA encheram hoje o antigo recinto da Filda, no Cazenga, Luanda, para o comício final da “selecção nacional” da oposição contra o regime de partido do Estado. “Os portugueses diziam: ‘Ou vai ou racha!'” gritou Abel Chivukuvuku, líder do PRA-JA Servir Angola, que será o candidato a vice-presidente, atrás de Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA.

“Somos a selecção nacional”, gritou Abel Chivukuvuku, um antigo dissidente da UNITA, que fundou e liderava o terceiro maior partido parlamentar e agora fez as pazes com o partido, numa frente alargada e unida dos opositores.

A lista inclui ainda independentes e elementos associados ao Bloco Democrático (quarto maior partido, que decidiu não concorrer em nome da unidade da oposição).

“E na selecção nacional, quem é o nosso capitão? O nosso Lionel Messi?”, perguntou Abel Chivukuvuku, obtendo a resposta uníssona: “ACJ”.

As cores sobre o pó do recinto eram o verde e amarelo da UNITA mas, aqui e a ali, apareciam outros símbolos. Rui tinha uma camisola da campanha “A Hora é Agora” da UNITA, mas o chapéu era do Bloco Democrático.

“Sou do Bloco, não sou da UNITA. É a primeira vez que estou aqui [no comício do partido], mas temos de estar juntos”, disse. “Estamos juntos, mas contra o M”, despede-se, com a saudação tradicional angolana e o diminutivo do MPLA (partido no poder desde a independência).

João Santos tem uma ‘t-shirt’ da UPA [União dos Povos de Angola], já rasgada de 50 anos. Era a ‘t-shirt’ do seu pai que lutou contra os portugueses e votou sempre na Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA). Hoje, João Santos tem um chapéu da UNITA e ajuda na organização do comício.

“Hoje só há uma solução [para Angola], é a UNITA”, apontou. “Primeiro temos de ter democracia e depois vamos todos escolher as nossas coisas livremente”, respondeu, confrontado com o uso de um símbolo de um partido que já acabou.

O líder do Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, também discursou e prometeu a união da oposição na tentativa de destronar o MPLA nas urnas. “Temos a independência nacional há 47 anos, mas ainda não temos a libertação nacional”, referiu. “Votávamos na nossa cabaça e depois punham o nosso voto noutra cabaça”, recordou Vieira Lopes.

Ana Fátima, 17 anos, não pode votar, mas não quis faltar ao comício. “Não voto, mas grito e ajudo”, afirmou, no intervalo do barulho que se ouvia desde o final da manhã na zona.

“Com fraude ou sem fraude, nós ganhamos”, “o nosso galo chegou” ou “UNITA iéé” foram algumas das frases mais repetidas, a par do “Votou, sentou, porque o bumbum é meu”, uma expressão que se tem repetido em todo o lado onde vai a UNITA.

A campanha “Votou, Sentou” é uma tendência africana que tem levado os partidos da oposição a exigirem transparência do processo eleitoral. Os eleitores são convidados a ficarem nas zonas das assembleias de voto para controlar a publicação das atas dos resultados. Recorde-se que a filial eleitoral do MPLA (CNE) começou por dizer que tal atitude era ilegal e prometendo (exorbitando os seus poderes legais) acções punitivas, mas acabou por reconhecer que é “apenas imoral”.

Entre os apoiantes da UNITA, mas também de muitos observadores, há muitos que temem que os votos não sejam devidamente contabilizados e que o governo depois reprima eventuais manifestações, à semelhança do que sucedeu recentemente nas eleições do Quénia. Este temor só não é notado pelos supostos observadores portugueses que o MPLA convidou, bem como pela maioria dos supostos jornalistas lusos que por cá andam.

Confiante na vitória, Abel Chivukuvuku dirigiu-se às autoridades: “Peço solenemente aos militares do nosso país, aos militares e à segurança nacional. Dia 24, 25 e 26 e seguintes, nós confiamos em vocês e vocês também confiem em Adalberto da Costa Júnior”.

O exemplo de Cabo Verde

O líder da UNITA também apelou hoje aos eleitores que sigam o exemplo de Cabo Verde, onde existe “alternância democrática” e “uma verdadeira democracia”, ao contrário do que diz – e que é verdade – suceder em Angola.

No seu comício de encerramento da campanha eleitoral, Adalberto da Costa Júnior pediu às forças de segurança e de defesa para se manterem equidistantes, prometeu combater a corrupção e criticou a falta de transparência e independência do processo eleitoral, em favor do MPLA cujo candidato, general João Lourenço, para além de ser presidente do partido é também Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas.

Quando o ex-presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, subiu ao palco na qualidade de líder da missão de observadores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Adalberto da Costa Júnior saudou-o e elogiou a democracia cabo-verdiana.

“Nada melhor que o exemplo de Cabo Verde para nos inspirar no que queremos” para Angola. “Naquele país, as eleições proporcionaram a alternância várias vezes e a democracia em Cabo Verde é robusta e com maturidade”. É “um bom exemplo para nós”, afirmou Adalberto da Costa Júnior.

Jorge Carlos Fonseca foi eleito Presidente em 2011 e contou com o apoio do Movimento para a Democracia (MpD), o partido que quebrou a hegemonia na década de 1990 do então partido único de Cabo Verde nas eleições multipartidárias, à semelhança do que Adalberto da Costa Júnior quer fazer em Angola, 25 anos depois das primeiras eleições democráticas, derrotando o MPLA, no poder desde 1975.

“Dia 24 estaremos a acabar com o partido único no poder”, prometeu Adalberto da Costa Júnior aos milhares de militantes, recordando que a UNITA federa a maior parte das figuras da oposição, numa “ampla frente para a alternância”, que significa “uma nova relação entre a sociedade e o Estado”.

No seu discurso, o líder da UNITA classificou de “pais da nação”: Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi, sendo que apenas o último teve aplausos e também o antigo presidente José Eduardo dos Santos. Relembre-se que Agostinho Neto é o único herói nacional reconhecido pelo MPLA, apesar de ser o assassino que mandou matar milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.

José Eduardo dos Santos e Savimbi, disse, “deram continuidade à necessidade de conciliar este grande país, mas o trabalho não foi acabado” e “os últimos cinco anos pouco acrescentaram aos aspectos formais da reconciliação nacional”.

Hoje, Adalberto da Costa Júnior diz ter a “absoluta necessidade de tranquilizar os compatriotas que formataram a governação ao longo dos 47 anos”, dirigindo-se aos membros do MPLA: “Não tenham medo da alternância. Não há democracia sem a alternância do poder”, até porque “a continuidade do partido único do poder corresponde ao adiamento do desenvolvimento de Angola”.

Afirmando que a UNITA é defensora da “continuidade do Estado”, Adalberto da Costa Júnior agradeceu à Polícia a protecção durante a campanha e criticou a “grande diferença salarial entre as forças de segurança e de defesa angolanas”.

“Iludam-se aqueles todos que pensam que a alternância é atentar contra a segurança do Estado” ou que possam actuar contra quem ganhe as eleições. “As forças de defesa e de segurança estão com maturidade e respeitam a lei”, disse, a dois dias da votação.

Sobre o processo eleitoral, Adalberto da Costa Júnior recordou que “hoje mesmo entrou mais um processo no Tribunal Constitucional e outra chamada de atenção à CNE [Comissão Nacional Eleitoral]” para “apelar ao respeito pela lei”.

Em causa está a ausência de uma auditoria, a não publicação dos cadernos eleitorais e a retirada dos mortos das listas de eleitores, entre outras questões elencadas.

“Fizemos todas as pressões”, mas “nada foi feito” e segundo a UNITA, permanecem 2,5 milhões de mortos numa lista de 14 milhões de eleitores, um número que poderá ser decisivo caso sejam descarregados como votantes noutro partido.

No país, vários dirigentes apelam ao movimento “Votou, sentou”, em que os eleitores são desafiados a ficar junto às assembleias para vigiar a contagem até ao momento da publicação das actas de cada assembleia.

Sem nunca se associar ao grito “Votou, sentou”, uma acção primeiramente considerada ilegal pela CNE/MPLA mas depois reconhecida – recorde-se – apenas como imoral, Adalberto da Costa Júnior recomendou: “Nós todos temos de duplicar o nosso poder de fiscalização. E não há nenhuma lei no nosso país que proíba o cidadão de ir votar e ficar cá fora. Não há nenhuma violação se todos votarem e depois todos defenderem a segurança do seu voto”.

No combate à corrupção, o líder da UNITA criticou a contratação pública directa, uma prática que diz ser generalizada no país. “A corrupção promove-se sempre que um contrato simplificado é assinado no nosso país”, sem concurso público, apontou.

No discurso final, Adalberto da Costa Júnior pediu “uma maioria em Luanda para as listas da UNITA”, assegurando, que caso vença as eleições, os representantes do partido do Galo Negro não virão daqui a cinco anos “fazer promessas no fim do mandato” ou “vender ilusões do que não fizeram”.

Europeus (mas não só) avisam os seus cidadãos

Além do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, as embaixadas da França e China também alertaram os seus cidadãos para eventuais manifestações durante as eleições em Angola.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal recomendou esta segunda-feira aos portugueses em Angola que adoptem uma “postura vigilante” e desaconselhou a presença “junto de grandes aglomerados de pessoas” devido à proximidade das eleições gerais de quarta-feira.

“Angola realiza as suas quintas eleições gerais no dia 24 de Agosto, tendo sido decretado tolerância de ponto em todo o território nacional; recomenda-se a adopção de uma postura vigilante, desaconselhando-se a presença junto de grandes aglomerados de pessoas”, lê-se no aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros aos portugueses.

De acordo com a página do Portal das Comunidades Portuguesas, os portugueses devem manter-se informados e seguir “as instruções que venham a ser definidas pelas autoridades locais neste período”.

Também a congénere francesa recomendou atenção aos seus emigrantes em Angola, salientando numa nota que “dado o risco de incidentes, aconselha-se a exercer vigilância extrema, a ficar longe de qualquer aglomeração e, se possível, evitar viagens desnecessárias”.

Como os resultados só serão divulgados até 8 de Setembro, na página da secção consular de França em Angola diz-se que, “neste contexto, é provável que comícios ou manifestações espontâneos ou organizados de dimensões variadas ocorram antes, durante ou depois das eleições, em vários lugares da capital e/ou do país”.

Também a China alertou os seus compatriotas sobre o efeito da potencial instabilidade eleitoral nos seus cidadãos, aconselhando-os a reduzirem “as actividades no exterior” devido à “crescente instabilidade e incerteza da situação de segurança” causada pela campanha para as eleições gerais.

Segundo o jornal HojeMacau, a embaixada alertou os chineses através da rede social WeChat, recomendando-lhes que tenham “muita atenção à situação de segurança local antes e depois das eleições, além de reforçarem a protecção e a vigilância”.

O comunicado sugeriu ainda aos chineses residentes em Angola que “evitem deslocar-se a locais sensíveis ou com muita gente”, assim como realizar todo o tipo de eventos ou participar em acções eleitorais.

Folha 8 com Lusa

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