GATO ESCONDIDO COM O CORPO DE FORA!

Seja porque chegou a Luanda o corpo de José Eduardo dos Santos, seja porque João Lourenço tem uma bitacaia no pé esquerdo, seja porque Marcelo Rebelo de Sousa vai estar presente no funeral do ex-presidente de Angola, seja porque as bissapas deixaram de produzir loengos, quase todos os supostos jornalistas portugueses que se deslocaram a Angola para cobrir as eleições limitam-se a fazer a cobertura das acções do MPLA. Será que não sabem que há outros partidos a concorrer?

A poucos dias das eleições em Angola, a melhor forma de fazer propaganda indirecta ao partido no Poder há 47 anos, o MPLA, é fazer o que a Lusa faz, dando espaço a analistas que, no caso, defendem uma revisão da Constituição. Nada mais oportuno…

Assim, escreve a Agência de Notícias de Portugal, os angolanos Herlânder Napoleão e Eugénio Costa Almeida defendem uma revisão da Constituição angolana, para permitir, entre outras questões, o fim da eleição do Presidente da República por via indirecta, como sucede desde a revisão de 2010. Tem tudo a ver, é claro, com a actualidade política de Angola.

Desde que entrou em vigor a nova Constituição, feita à medida do ex-presidente José Eduardo dos Santos, que não se realizam eleições presidenciais. Ainda bem que a Lusa o diz. É que ninguém ainda tinha reparado nisso.

O chefe de Estado e o vice-presidente de Angola – cargo criado na revisão de 2010 -, são os dois primeiros nomes da lista do partido mais votado no círculo nacional para a eleição do Parlamento.

A questão da actual eleição indirecta do Presidente da República foi abordada pelo líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, na campanha em curso para as eleições de quarta-feira, que prometeu em caso de vitória iniciar o processo de revisão constitucional.

E o Partido da Renovação Social, com uma base de apoio suportada essencialmente nas Lundas Norte e Sul, províncias do nordeste de Angola, quer que a Constituição passe a estabelecer Angola como uma república federal.

Mas é a questão da eleição indirecta do Presidente, e do excesso de poderes que este acumula (é, para além de líder do MPLA, Titular do Poder Executivo), que leva o analista político Herlânder Napoleão, que deu aulas na Universidade Lusíada de Angola depois de se formar em Ciência Política em Londres, a defender a alteração daquele preceito constitucional.

“Temos um regime que confere muitos poderes ao Presidente da República (…) Veja-se o ponto a que isto chegou: em Angola somos governados com base no poder central, por Luanda. Quer dizer, um indivíduo, se quiser por exemplo tapar um buraco em Benguela, no Uíge ou no Huambo terá de pedir autorização de verba para Luanda”, detalha.

Por sua vez o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Eugénio Costa Almeida, defende que as eleições de 24 de Agosto deviam ser também servir para elaborar uma nova Constituição.

“Estas eleições deviam ser constituintes, porque principalmente agora, depois do falecimento do seu mentor – José Eduardo dos Santos -, a Constituição precisa de uma revisão profunda, até para ser mais adequada às realidades actuais”, sustenta.

O investigador defende designadamente a separação do papel de Presidente da República do de líder partidário.

“Há situações que têm de ser alteradas (…) Um Presidente da República é o Presidente de todos os angolanos, e sendo de todos os angolanos não pode ser presidente de um partido”, diz. E para Eugénio Costa Almeida também “não se justifica a existência de um vice-presidente”.

“Na minha opinião, o sistema angolano devia adoptar um pouco o chamado semipresidencialismo, que está entre o sistema francês e o português. Isso implica haver uma alteração constitucional” e, referindo-se a Cabinda, considera que deve ter “um estatuto específico próprio, como a Madeira e os Açores em Portugal, ou o caso das Canárias em Espanha”, frisa.

Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro e mais de dois milhões de mortos, estão habilitados a votar em 24 de Agosto, na que será a quinta eleição da história de Angola.

Os 220 membros da Assembleia Nacional angolana são eleitos por dois métodos: 130 membros de forma proporcional pelo chamado círculo nacional, e os restantes 90 assentos estão reservados para cada uma das 18 províncias de Angola, usando o método de Hondt e em que cada uma elege cinco parlamentares.

Desde que entrou em vigor a Constituição de 2010 que não se realizam eleições presidenciais, sendo o Presidente e o vice-presidente de Angola os dois primeiros nomes da lista do partido mais votado no círculo nacional.

No anterior acto eleitoral, em 2017, o MPLA obteve a maioria com 61,07% dos votos e elegeu 150 deputados, e a UNITA conquistou 26,67% e 51 deputados.

Seguiram-se a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), com 9,44% e 16 deputados, o Partido de Renovação Social (PRS), com 1,35% e dois deputados, e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), com 0,93% e um deputado. A Aliança Patriótica Nacional (APN) alcançou 0,51%, mas não elegeu qualquer deputado.

Além destas formações políticas, na eleição em 24 de Agosto estão ainda o Partido Humanista (PH) e o Partido Nacionalista da Justiça em Angola (P-Njango).

João Lourenço, líder do MPLA, partido no poder em Angola há 47 anos, e igualmente Presidente da República (não nominalmente eleito) e Titular do Poder Executivo, critica os adversários políticos de estarem a levar a cabo “uma campanha interna e externa de descredibilização das eleições, mesmo antes de elas se realizarem”, situação que considerou inédita. Esqueceu-se, obviamente, de reconhecer que, nas “eleições” anteriores, antes da votação já o MPLA sabia o resultado.

“Os nossos adversários, mesmo sendo parte da organização das eleições, porque estão na Assembleia Nacional (onde o MPLA tem uma acéfala maioria de sipaios) onde se aprovam as leis, incluindo as leis eleitorais, mesmo estando na Comissão Nacional Eleitoral (sucursal do MPLA), onde têm comissários a todos os níveis, sendo, portanto, parte das deliberações tomadas a estes níveis, estão a levar a cabo uma campanha interna e externa de descredibilização das eleições mesmo antes de elas se realizarem”, referiu João Lourenço.

O líder do MPLA considerou “inédito na história das eleições no mundo” o posicionamento dos seus opositores “uma vez que o contencioso eleitoral só pode surgir após a realização das eleições e nos termos definidos na lei”.

João Lourenço tem razão. O MPLA quer consumar a sua a vitória e depois sugerir que os derrotados se queixem às sua sucursais, nomeadamente ao Tribunal Constitucional. Nada de novo, portanto. Medidas profilácticas? Não. Nem pensar. Morram primeiro e queixem-se depois, aconselha o “querido líder”.

O presidente do partido no poder em Angola há 47 anos realçou que a Constituição da República estabelece que as eleições gerais se realizam de cinco em cinco anos, e define que nesse ano eleitoral tenham lugar necessariamente no mês de Agosto, “não sendo por isso uma questão de opção de qualquer entidade, mas uma obrigação legal plasmada, não numa lei ordinária, mas sim na Constituição”, disse.

“Algumas formações políticas estão a dar sinais evidentes de não estarem preparadas para disputar estas eleições, porque perderam tempo a promover e organizar actividades de desestabilização social, de vandalismo, que atentaram mesmo contra a segurança pública e o património público que a todos nós pertence”, expressou.

O também chefe de Estado afirmou que os actos de massas do partido “têm sido um sucesso, graças ao alto nível de organização, planificação e execução que os comités do partido a diferentes níveis têm sabido imprimir”. Tudo, é claro, à custa do dinheiro do Estado que, reconheça-se, é normal numa organização que diz que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA.

“As vibrantes enchentes nos nossos comícios, nas passeatas e em outros actos públicos de massas, com as imagens deslumbrantes das nossas cores, o vermelho, preto e amarelo, são um importante barómetro para medir a popularidade e grau de aceitação de que o nosso partido goza junto do povo e da sociedade angolana”, garantiu o candidato que, apesar de ter sido uma escolha e imposição de José Eduardo dos Santos, não se inibiu de o apunhar pelas costas.

De acordo com o líder do MPLA, este trabalho, que reputou de “importante, mas não suficiente”, vai continuar a ser realizado, seguido de um outro “talvez mais importante, o trabalho de proximidade dos comités de acção do partido”.

“Que nos vai garantir que no dia das eleições os eleitores vão realmente comparecer nas assembleias de voto e votar de forma correcta”, disse.

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