COMO É QUE SE CONSOLIDA O QUE NÃO EXISTE?

O Executivo do MPA reitera, segundo o seu órgão oficial (Jornal de Angola) a aposta na criação de condições humanas e materiais, para que a consolidação do Estado de Direito seja uma realidade sentida e reconhecida por todos os cidadãos. É uma inovação. Consolidar o que não existe – o Estado de Direito.

O tese eleitoralista do MPLA (no poder há 46 anos) foi manifestada pelo ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, na Conferência Internacional sobre a consolidação do Estado de Direito nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste, que teve lugar em Luanda.

“Em representação do Presidente da República, João Lourenço, sublinhou que decorridos pouco mais de cinco anos, desde 2016, quando se deram os primeiros passos na execução das actividades, a Conferência formaliza a conclusão de uma jornada de concretizações conducentes ao empoderamento das instituições na prevenção e combate à corrupção, branqueamento de capitais e crime organizado, através de acções formativas, escreve o JA.

Adão de Almeida apontou que a estabilidade das instituições e o reforço permanente da sua capacidade institucional e a credibilização são cruciais para a afirmação dos princípios fundamentais da democracia. “A nossa opção pelo Estado de Direito é consciente e consequente”, disse.

Adão de Almeida reiterou, também, o compromisso de Angola com o processo de consolidação do Estado de Direito e do reforço institucional e humano das organizações vocacionadas para a prossecução da justiça, da segurança e do desenvolvimento sócio-económico.

À luz dos instrumentos políticos directores do país, como o Programa de Governação e o Plano de Desenvolvimento Nacional – PDN para o quinquénio 2017-2022, disse que o Executivo encara o presente desafio com responsabilidade e considera o fortalecimento do sistema de justiça um factor de desenvolvimento sócio-económico, capaz de contribuir para a robustez das instituições do Estado.

Por sua vez, o presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, considerou imperioso que os tribunais sejam instalados o mais próximo possível dos cidadãos, tornando-os de fácil acesso, quer do ponto de vista geográfico quer processual. Só assim, acrescentou, estes conseguirão conhecer em tempo útil as questões que lhes forem submetidas.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) considera fundamental a cooperação institucional interna no combate à corrupção, devendo os organismos públicos “esbaterem no ambiente de competitividade e promoverem o espírito de entre ajuda dos intervenientes”.

À imprensa, o procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, disse que desde que foi hasteada a bandeira do combate à corrupção muita coisa mudou e o sentimento de impunidade já não é o mesmo.

Brincar aos países e aumentar o número de escravos

As partes a vermelho são transcrições “ipsis verbis” do discurso proferido em Dezembro de 2020, em Luanda, pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, no acto comemorativo do que disseram, falsamente, ser o 64º aniversário do partido que há 45 anos está no Poder em Angola. A negro (cor que também significa desgraça e infortúnio) estão os nossos comentários.

«O nosso glorioso partido, MPLA, completa hoje 64 anos da sua existência e, por esta razão, merecia que nós, seus militantes, simpatizantes e amigos, organizássemos uma jornada comemorativa à altura desta data, mas sobretudo da grandeza deste partido, que hoje é uma referência em Angola e no Mundo.»

É mentira. O MPLA não nasceu, não foi constituído em 10 de Dezembro de 1956! Se é verdade, onde foram enterradas as suas “secundinas”? Onde nasceu, de concreto? Quem é a sua “mãe”? E o “pai”? Quem fez o parto? Quem apadrinhou tão sublime acto (ou feito) a ter existido? Para todas estas questões não existem respostas factuais.

No entanto, é verdade que seja uma referência em Angola e no Mundo. Ao longo dos 45 anos em que se tornou proprietário do reino conseguiu não criar riqueza mas tornar-se o partido mais rico do Mundo, ser o que tem mais corruptos por metro quadrado, ter como seu único herói Agostinho Neto, um genocida responsável pelo assassinato de 80 mil angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.

«Ao longo da sua existência, o MPLA sempre se pautou pela defesa dos mais inalienáveis direitos dos angolanos, com destaque para o direito à vida».

Monstruosa mentira. Para além de massacres generalizados em todo o país, deve somar (para além dos de 27 de Maio) os de 1992 em que fuzilou mais de 50 mil cidadãos Ovimbundus e Bakongos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.

«A história do MPLA é bastante rica e está associada aos grandes acontecimentos relevantes da história de Angola e da região Austral de África, como a proclamação da Independência Nacional pelo Presidente António Agostinho Neto aos 11 de Novembro de 1975, a derrota militar e consequente queda do regime do Apartheid da África do Sul e a Independência da Namíbia».

Verdade incompleta. Foi o MPLA que enfrenou de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados internos; que derrubou o regime de “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionado e só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos; foi graças ao MPLA que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar. Por isso é que o MPLA se tornou uma referência política mundial, pelo menos desde que Diogo Cão por cá andou. Aliás Nelson Mandela e Martin Luther King inspiraram-se no MPLA.

«Os grandes acontecimentos ocorridos no país, como a implantação do multipartidarismo, a economia de mercado, a paz alcançada aos 4 de Abril de 2002 e a reconciliação nacional, não podem ficar dissociados do papel dirigente e condutor que o MPLA sempre assumiu com grande sentido patriótico».

Reconciliação que levou o MPLA, no que é de “per si” um paradigma de um Estado de Direito, a decretar a prisão e a nacionalização dos restos mortais de Jonas Savimbi, só os libertando quando obteve a garantia de que não ressuscitaria. Apesar disso, ainda hoje os dirigentes do MPLA têm dúvidas, temores e insónias.

«Apesar disso, não pretendemos de forma alguma ter sozinhos os louros dessas conquistas até aqui alcançadas. É, contudo, justo reconhecer que foi crucial o papel dos líderes do partido, António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, assim como das Igrejas, das Organizações-Não-Governamentais, da Sociedade Civil e, de uma forma geral, dos cidadãos angolanos, independentemente das suas opções partidárias, género ou região de origem.»

Se a lata, a desfaçatez e a falta de vergonha fossem condições “sine qua non” para ganhar o Prémio Nobel, o MPLA tinha-os todos.

«É neste quadro que o Executivo saído das eleições gerais de 2017 vem trabalhando pelo desenvolvimento económico e social do país, pela criação de um melhor ambiente de negócios que estimule e atraia o investimento privado, que diversifique a economia, que aumente a produção nacional de bens essenciais e de serviços, que reduza as importações e aumente as exportações, que aumente a arrecadação de divisas e crie emprego para os angolanos.»

A resposta a esta aldrabice e manipulação é dada pela simples constatação de que com uma população de cerca de 33 milhões de pessoas, Angola tem 20 milhões de… pobres.

«Não obstante os constrangimentos encontrados como a crise económica de 2014, derivada da baixa significativa das receitas da exportação do petróleo devido à baixa dos preços desta commodity, do alto nível de endividamento externo e mais recentemente do surgimento inesperado da pandemia da Covid-19, mantemo-nos firmes na necessidade de, com maior ou menor dificuldade, continuarmos a lutar pelo bem-estar dos angolanos.»

Há 45 anos que o MPLA repete o discurso. Há 45 anos que os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem prematuramente com… fome. Fome que, aliás, o Presidente do MPLA diz que não existe em Angola.

«No entanto, os desafios não ficam por aqui. O conflito armado terminou há 18 anos e, com isso, pôs-se fim ao principal constrangimento ao desenvolvimento económico e social do país, tendo-se dado início ao processo de reconstrução nacional.»

Foi a 24 de Fevereiro de 2002 que alguém disse: «Sekulu wafa, kalye wendi k’ondalatu! v’ukanoli o café k’imbo lyamale!». Ou seja, morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados. E assim foi. E assim é. Milhões de angolanos continuam a ter nos caixotes do lixo o seu “self-service”…

«Paradoxalmente, com o pretexto da acumulação primitiva de capital em pleno século XXI, deixamos nascer e se desenvolver um outro constrangimento tão prejudicial para o país quanto a guerra, que tomou de assalto os cofres do Estado e os principais ramos da nossa economia: refiro-me à corrupção.»

Quem foi que disse que viu roubar, participou no roubo, beneficiou do roubo mas – chegado ao Poder – determinou que, apesar disso, não é ladrão?

«O país precisa de ter uma classe empresarial forte, com empresas sólidas que geram riqueza para o país e proporcionem emprego para os angolanos; o país também precisa e merece ter pessoas ricas desde que seja à custa do seu trabalho, da sua capacidade de empreender, de investir em projectos com viabilidade, trabalhando com ética e respeito à Lei.»

É por isso que o MPLA está a privatizar tudo o que dá dinheiro, eventualmente o próprio país, apostando forte na tese de que uns entram com o dinheiro e o MPLA com a experiência, sendo que no fim o MPLA (os dirigentes) fica com o dinheiro e os outros com a experiência…

«Hoje melhor do que há três anos, o país tem uma melhor apreciação da gravidade, da seriedade e da profundidade do abismo cavado pela corrupção em Angola. Com recursos públicos, foram realizados grandes investimentos privados a favor de alguns servidores públicos e não só, em praticamente todos os ramos da economia, dentro e fora de Angola. Esses recursos do Estado nas mãos de uma dúzia de cidadãos dariam para se fazer mais investimentos públicos em estradas, pontes, água potável, energia eléctrica, saneamento básico, estabelecimentos escolares e hospitalares, habitação social, transporte público para servir melhor as necessidades sociais dos angolanos.»

E por falar nisso. Os angolanos gostariam de conhecer a declaração de rendimentos de João Lourenço, bem como do seu património, incluindo rendimentos brutos, descrição dos elementos do seu activo patrimonial, existentes no país ou no estrangeiro, designadamente do património imobiliário, de quotas, acções ou outras partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, carteiras de títulos, contas bancárias a prazo, aplicações financeiras equivalentes. Gostariam de conhecer a descrição do seu passivo, designadamente em relação ao Estado, a instituições de crédito e a quaisquer empresas, públicas ou privadas, no país ou no estrangeiro. Gostariam de conhecer a declaração de cargos sociais que exerce ou tenha exercido no país ou no estrangeiro, em empresas, fundações ou associações de direito público.

«Felizmente, é o próprio partido que no passado consentiu por omissão e inacção o crescimento desse monstro, que orientou o Executivo a colocar nas prioridades da sua agenda a luta contra a corrupção, coisa que procuramos fazer com a maior isenção possível, com os competentes órgãos da Justiça e a Sociedade Civil.»

O país de todos nós, e não apenas o dos angolanos de primeira (os do MPLA), ganharia se fossem divulgadas as muitas actas produzidas, no tempo do ex-vice presidente da Assembleia Nacional, João Lourenço, espelhando o seu inconformismo contra a corrupção, peculato e nepotismo praticados, unicamente, por José Eduardo dos Santos favorecendo os filhos, família e excluindo camaradas do seu partido, que são miseráveis, rotos e esfarrapados, como os vinte milhões de pobres. O problema está que nesses 38 anos, todos os “joões lourenços” do MPLA eram consciente e milionariamente surdos, cegos e mudos. Tal como acontece hoje.

«Embora seja justo reconhecer ter havido sempre algumas vozes discordantes da Sociedade Civil, que com muita coragem condenavam a corrupção que crescia descaradamente aos olhos de todos, o mérito do MPLA consiste no facto de, enquanto partido governante, ter orientado o Executivo a encetar esta cruzada de luta contra a corrupção, mesmo sabendo do presumível envolvimento de militantes e dirigentes seus nos mais diferentes escalões da hierarquia partidária.»

Corrupção que João Lourenço não tem coragem de dizer que é “made in MPLA”, que está no ADN do MPLA e que o MPLA é o partido com mais corruptos por metro quadrado. Também não diz que acabar com a corrupção seria acabar com o MPLA.

«Querem nos levar a pensar que a sociedade angolana e o mundo não sabem o que se passou em Angola em matéria de corrupção e impunidade, e que nós é que estamos a destapar algo que estava guardado a sete chaves porque só os do MPLA sabiam, segundo eles. Nada mais falso e enganador. Não existem partidos políticos corruptos, existem pessoas corruptas e essas pessoas podem estar em qualquer partido político, ou serem simplesmente sem partido.»

Sim. Podem estar em qualquer partido. Mas, por falta de sorte, todos os que se conhecem estão no MPLA. E não começa no porteiro do MPLA. Não é assim senhor general, ex-vice-presidente do MPLA, ex-ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos, deputado entre 1984 e 1992, presidente do Grupo parlamentar do MPLA entre 1993 e 1998, 1.º vice-presidente da Assembleia Nacional entre 2003 e 2014, João Lourenço?

«O MPLA não tem de quê se envergonhar, antes pelo contrário, com esta nossa postura de coragem e de total transparência, só temos de nos orgulhar e andar de cabeça cada vez mais levantada, demonstrando que só o MPLA tem essa estatura moral e capacidade de sairmos desta luta cada vez mais fortalecidos, coesos e galvanizados para vencer todos os desafios que se avizinham.»

Nisto João Lourenço tem razão. Quanto mais levantada estiver a cabeça, mais improvável é verem o que se passa no país real, nos caixotes de lixo que – repita-se – são o “self-service” de milhões de angolanos.

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