URGE LIVRARMO-NOS DA “CULTURA DO MEDO”

A activista social Graça Machel defendeu hoje que a “sociedade moçambicana deve livrar-se da cultura do medo”, considerando que só a união do povo pode “libertar” o espaço cívico, quando se multiplicam queixas de limitações às liberdades. Aplica-se “ipsis verbis” a Angola.

Graça Machel afirmou, sem meias palavras: “O actual Presidente moçambicano [Filipe Nyusi] disse durante a sua tomada de posse no seu primeiro mandato que o seu patrão era o povo. Então nós temos de lembrar a estes que estão agora a oprimir o povo que nós somos o patrão. Isso deve ser feito de uma maneira ordeira, organizada e respeitosa para com as instituições, mas nós temos de desmantelar o medo neste país”.

A activista falava, em Maputo, durante um debate sobre a construção do Estado de Direito Democrático em Moçambique, reagindo a uma pergunta colocada pela plateia sobre os episódios de 18 de Março, quando a polícia moçambicana reprimiu marchas pacíficas em homenagem ao ‘rapper’ de intervenção social Azagaia, que morreu em 9 de Março.

Para a antiga mulher do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, que morreu em 1986, num acidente aéreo, a responsabilidade de travar limitações ao exercício da cidadania está no povo, que se deve juntar em movimentos para, dentro da lei, exigir que a repressão não se torne frequente em Moçambique.

“Nós temos de desmantelar o medo no país. Aqueles que oprimem o cidadão é que devem ter medo de nós”, declarou a activista, lembrando, no entanto, que “não são todos os polícias que oprimem o povo”.

Os episódios de 18 Março mereceram a condenação de várias entidades que alertaram para a violência policial injustificada face a grupos pacíficos e desarmados, classificando-os como um dos sinais mais visíveis das limitações à liberdade de expressão e de manifestação em Moçambique.

A repressão policial, que ocorreu sobretudo em Maputo, Beira e Nampula, deixou vários feridos, tendo posteriormente os organizadores das marchas submetido recursos às autoridades nacionais e estrangeiras para responsabilização face ao que classificam como força desproporcionada exercida por aquela corporação.

O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, anunciou averiguações à acção policial nas marchas, considerando, no entanto, que as autoridades tinham informações de que existiam “infiltrados” que queriam atingir “outros intentos” com a homenagem ao ‘rapper’ Azagaia e lamentando os distúrbios ocorridos.

Recorde-se que no dia 14 de Setembro de 2016, Graça Machel defendeu em Maputo que se Moçambique tivesse persistido na postura dialogante do antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, o país teria conseguido manter a paz.

“Se nós tivéssemos persistido nos princípios e na maneira dialogante que caracterizou a liderança do Presidente Chissano provavelmente não teríamos este actual conflito”, afirmou Graça Machel, falando durante um seminário organizado pelo Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) em Maputo.

Graça Machel disse que o conflito político e militar que opunha o Governo moçambicano (Frelimo) e a Renamo, tem origem na adopção de uma postura pouco tolerante e fechada, que marcou a governação de Armando Guebuza, que, em 2005, sucedeu a Joaquim Chissano na chefia do Estado moçambicano.

“O problema está aí e agora a ‘batata quente’ passou para as mãos de alguém que é quase da vossa geração [Filipe Nyusi, actual Presidente moçambicano],”, declarou, acrescentando que a crise política em Moçambique só pode ser ultrapassada quando as lideranças políticas ganharem “coragem de fazer o impensável”.

Para Graça Machel, Moçambique precisava já nessa época de reinventar os seus próprios modelos, respeitando a dinâmica e as exigências de novos tempos, dentro de clima de tolerância e transparência para garantir o futuro dos moçambicanos.

“Precisamos de sonhos comuns”, afirmou, observando que o discurso da luta contra a pobreza como objectivo comum dos moçambicanos está esgotado e não pode ser assumido como uma utopia comum.

Folha 8 com Lusa

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