PENAFIEL (TAMBÉM) BRANQUEIA ASSASSINOS

Em Outubro de 2018, a Câmara Municipal de Penafiel (Portugal) “transformou-se na cidade de Pepetela, autor angolano, dando assim, um especial enfoque à lusofonia” através do evento “Escritaria”. Segundo o Presidente da Câmara, Antonino Sousa, em Março ou Abril, as cidades angolanas de Luanda, Huambo e Benguela receberão o Escritaria, replicando a homenagem que o festival português organizou ao escritor Pepetela.

Por Orlando Castro

Só falta fazer uma homenagem ao “poeta” assassino, Agostinho Neto, responsável pelo massacre de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977 (com a colaboração de Pepetela). E, quem sabe, um dia será a vez de Hitler…

O escritor angolano Pepetela (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos) fez parte da máquina assassina que engendrou o genocídio de 80 mil angolanos, nos massacres de 27 de Maio de 1977, ordenado pelo herói nacional do MPLA, Agostinho Neto.

O escritor pertenceu a uma Comissão do MPLA “com mais de uma dezena de pessoas, que tinha o objectivo de seleccionar os depoimentos dos detidos na altura do levantamento de 27 de Maio”.

Pepetela recebeu vários prémios literários, entre os quais o dstangola/Camões que recebeu das mãos do primeiro-ministro português, António Costa, numa cerimónia no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, que assinalou o Dia Mundial da Língua Portuguesa, 5 de Maio.

O Ministério da Defesa de Angola, onde Pepetela trabalhou na selecção de depoimentos era, na altura, uma das câmaras de tortura de muitos jovens acusados de fraccionismo com o regime do partido único. Lá, a vida ou morte de milhares de angolanos foi decidida. Terá sido depois desse estágio que, como outros (caso de Manuel Rui Monteiro), foi abençoado pela inspiração da escrita, tal como foi o assassino Agostinho Neto de quem ousam dizer que foi… poeta.

Mas há muitos outros que “prestigiaram” Pepetela com a sua dedicada acção em prol do genocídio: Luandino Vieira, Iko Carreira, Henrique dos Santos, Lúcio Lara, Onambwé, Costa Andrade “Ndunduma” etc. etc. Tudo boas pessoas.

“(…) Para o efeito, ou talvez não, foi criado um “tribunal”, ao qual despudoradamente um dos seus jurados apelidou de «comissão da lágrima no olho» pela moleza com que nos afiança ter “julgado”. Tal comissão actuou à revelia dos mais singelos paradigmas da justiça. Abusou física e moralmente dos acusados, acabou por mandar muitos deles para a morte, sem lhes dar a mais pequena hipótese de defesa e tão-pouco lhes fazer justiça. Três dos seus “jurados” eram Fernando Costa Andrade, Manuel Rui Monteiro e Artur Pestana (vulgo Pepetela) (…)”, recorda José Reis, autor do livro “ Angola – o 27 de Maio – Memórias de um sobrevivente”.

Em 26 de Dezembro e 2005, o Historiador angolano Carlos Pacheco publicou no jornal português Público o texto que se segue sobre Pepetela:

«(…) o que você publicou o mês passado a justificar o seu papel na tragédia do 27 de Maio de 1977 é um documento tão cheio de omissões em relação aos factos que refere que eu não posso deixar de tomar uma posição crítica. Ao protestar a sua inocência em relação aos horrores e à exterminação generalizada de militantes do MPLA nesse período, diz ter-se limitado a desempenhar funções dentro de uma Comissão nomeada pelo Bureau Político, cuja tarefa era “[…] seleccionar entre os depoimentos dos detidos […] os que seriam mais elucidativos para serem transmitidos pelos órgãos de informação”.

«E deixa subentendido que qualquer outra responsabilidade que se lhe queira assacar, de participação na repressão ou em algum tribunal, é uma acusação desprovida de verosimilhança, fruto simplesmente de uma grande confusão com outras pessoas e entidades que funcionaram também no Ministério da Defesa em Luanda [onde se centralizaram as questões respeitantes ao 27 de Maio]; visto o seu trabalho jamais se ter confundido com o que se passava e decidia noutros espaços. E termina por desejar que as instâncias superiores do MPLA venham em sua defesa e o ilibem de qualquer suspeita.

«Repare bem: eu não estou aqui para o incriminar ou julgar, não é essa a minha atribuição. O que somente me move é derramar luz sobre os factos do passado de maneira a poder descrever e explicar a história com mais rigor. Se alguém tiver que julgar alguém, essa faculdade é pertença exclusiva da sociedade e das suas instituições no pleno gozo da soberania. Se devo perdoá-lo pelo esquecimento, na esteira do que pregava o escritor argentino Jorge Luís Borges (1899-1986) nos seus Fragmentos de um Evangelho Apócrifo, sinceramente respondo que tal gesto me ultrapassa.

«Não por incapacidade de o fazer a título individual, mas por deferência para com a sombra nua de milhares de desaparecidos ou por compromisso com os seus fragmentos de sangue que reclamam por justiça. Como a justiça ainda não chegou, não faz sentido falar em perdão. Por esta ordem de razões, só me posso permitir uma atitude: confrontá-lo com algumas dúvidas que a sua declaração me suscitou na esperança de que V. venha a esclarecer qual foi concretamente o seu desempenho institucional naqueles tempos negros de barbárie.

«Mas antes de prosseguir, deixe-me fazer-lhe uma advertência. Não se iluda, ilustre concidadão, pensando que o MPLA por solidariedade ou por consideração à sua leal e desinteressada prestação de serviços à revolução o venha a coonestar dos estigmas de que se queixa. Lembre-se das personagens de George Orwell [autor de 1984] que se humilharam ao Grande Irmão [o Partido] e lhe entregaram as suas existências, persuadidas de que ele representava a chave dos desígnios superiores da História e nunca as abandonaria. Ainda por analogia, veja o que sucedeu com o desmoronamento da União Soviética e com as pessoas que durante uma vida inteira se dedicaram ao Partido. Postas de parte e deixadas entregues a si próprias, não souberam o que fazer com as suas crenças, enquanto outras – por crimes que o Partido as induziu a cometer – carregam solitárias o peso de terríveis fantasmas.

«Reconheço que os seus livros são admirados pela beleza e pela “transcendência espiritual” das estórias que conta. Porém, preferiria vê-lo doutra forma. Não como um escriba sentado e submisso que sempre cortejou o príncipe e a sua corte; que sempre se acomodou aos servilismos culturais do MPLA e aos fetichismos do seu regime político; ou que sempre se calou diante das monstruosidades criminais e totalitárias do Estado, e sempre fingiu ignorar os abusos contra o pensamento e a liberdade de expressão. Ao interpelá-lo agora com esta carta, conto um dia vê-lo como um escriba de pé que se libertou da passividade de outrora, que colocou um ponto final no seu silêncio e, finalmente, resgatou a “verticalidade do verbo”, de que fala o poeta uruguaio Saúl Ibargoyen.

«Não me interprete mal. Não estou a querer cingir na sua lapela o botão de dissidente, nem a sugerir que o deva ser, o que estou a propor é que tenha o “hábito altamente incómodo” de falar a verdade – como declarava o novelista e intelectual russo Yevgeny Zamyatin (1884-1937) -, ao invés de se contentar em ser aplaudido como um tartufo. É isso que muita gente espera de si depois de ler o seu documento.

«Com efeito, esperam-se mais explicações, especialmente sobre a tal Comissão em que V. trabalhou. Para as pessoas menos avisadas [ou desinformadas] fica a impressão que os membros dessa Comissão, do princípio ao fim, se pautaram por um espírito de equanimidade. No entanto, não foi essa a percepção nem a experiência que colhi quando V. e outros [entre os quais ministros e altos responsáveis do MPLA] me “interrogaram” na tarde do dia 4 de Junho de 1977.

«O que ali se passou [recorda-se?] foi tudo menos uma investigação ditada pelo rigor e pela observância de normas jurídicas, e menos ainda pelo respeito a regras de humanidade, e sim uma longa e delirante sessão de tortura psicológica, temperada por gritos de achincalhamento, por ameaças físicas e todo o tipo de bestialidades. No tempo em que durou aquele inferno inquisitorial tive por vezes a sensação de estar na antecâmara da morte. Aliás, o que essa Comissão fez comigo, fê-lo também com muitas outras vítimas, totalmente desprotegidas.

«Pergunto-lhe pois, caro conterrâneo, o que representa para si um acto destes? É ou não um acto de repressão, de selvajaria institucional, quando V. alega não ter participado de tais práticas? É ou não algo de comparável aos famigerados processos de Moscovo e Pequim onde, afinal, prevaleceu o sádico prazer de punir e destruir moral e fisicamente pessoas cujo delito era pensarem diferente?

«Outra explicação que se lhe pede tem a ver com a sua postura moral ante a avalanche de actos hediondos que decapitaram uma parcela importante da juventude angolana, a melhor talvez do MPLA.

«Até hoje V. não emitiu uma palavra a respeito, o que é estranho. O facto de ter trabalhado no Ministério da Defesa deu-lhe ocasião para ver de perto a onda de canibalização e histeria sanguinária em que o país soçobrou. Se não foi um sujeito ausente, pelo menos esteve bem dentro desse clima de terror e força. Que adianta afirmar não ter sujado as mãos de sangue e não participar de sentenças de morte? Acaso não lhe ocorre que, tendo estado no lugar em que esteve [e indo até ao fim], acabou por se tornar cúmplice de toda essa irracionalidade?

«A sua posição moral, na verdade, é bastante controversa, sem esquecer outras situações não menos delicadas que, julgo, lhe ficará bem elucidar. Como, por exemplo, o seu papel, na campanha de intoxicação ideológica, muito antes do 27 de Maio, com artigos na imprensa oficial, nos quais – por recurso ao símbolo da serpente – se aviltaram figuras políticas de elevado escalão na hierarquia do Estado e do Partido, além de terem servido para desumanizar o processo político e empurrar uma boa parte dos militantes do MPLA para o ostracismo. Quem lhe encomendou este papel de protector especial das instituições?»

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