Militares exortam governo a deixar de ser… vigarista

A Associação dos Oficiais Generais Superiores, Capitães, Subalternos Reformados (que conta com 2.525 membros) ameaça sair à rua nos dias 17 e 18 deste mês, caso o Estado angolano não liquide a dívida de 130 mil milhões de kwanzas (169,5 milhões de euros).

A informação foi hoje avançada pelo presidente desta associação, Alberto Nelson “Limukeno”, que pede ao Estado para pagar, pelo menos, sete dos 13 anos dessa dívida, deixando o restante para trás, “tendo em conta os argumentos da crise financeira”.

“O Estado angolano, o seu executivo, que nos pague a nossa pensão por grau militar, que pague a dívida contraída desde agosto de 2009 até à presente data. A dívida já completou 130 mil milhões de kwanzas (…) até pedimos para pagarem só metade, que nos paguem só sete anos e os seis anos ficam no esquecimento”, referiu.

Segundo Limukeno, brigadeiro e antigo combatente, desde a última promessa do Estado, em Fevereiro deste ano, não houve mais respostas e a reforma nunca foi paga.

Em Fevereiro a associação de ex-combatentes suspendeu uma manifestação depois de o governo ter prometido atender às reivindicações e pagar metade da dívida.

“Estamos a reclamar que nos paguem a nossa pensão de acordo com a patente, capitão como capitão, major como major, brigadeiro como brigadeiro e deixem-nos com o tal dinheiro. Isso está a penalizar-nos e a criar pobreza extrema, estamos a morrer com fome”, frisou.

De acordo com o líder associativo, todos os oficiais generais, superiores e subalternos a nível do país estão a sofrer com os cortes na reforma, aplicado com base no artigo 28.º do tempo de serviço nas Forças Armadas Angolanas (FAA), que estabelece que quem não completou 30 anos não pode receber a totalidade da pensão.

“Mas as FAA só existem há 28 anos, fruto dos Acordos de Bicesse entre o MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder desde a independência] e a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola, partido da oposição]”, observou.

“Não tem nada a ver connosco, nós somos antigos combatentes e veteranos da pátria, somos provenientes das ex-FAPLA, FALA, ELNA, FLEC, não temos nada a ver com as FAA (…), nós enfrentámos as batalhas de Kifangondo, Kuito Kuanavale, Ebo, Cangamba e outras batalhas, transformando Angola numa potência a nível da África e do mundo”, disse.

“Esses descontos são muito elevados, eu tenho 66 anos e não tenho direito a nada, cortaram a pensão por patente e o subsídio que eu vinha recebendo referente ao subsídio das empregadas domésticas, alegando que o país está em crise desde Agosto de 2009”, lamentou.

Limukeno disse que o actual ministro da Defesa foi o único nesse período que chamou os antigos combatentes para manter um diálogo.

“Foi no ano passado, disse: ‘vamos dialogar, porque com o diálogo resolvem-se os problemas’. Foi assim que ele fez chegar a preocupação ao executivo, ao Presidente da República, para resolver esse problema, mas até agora nem água vai e nem água vem”, reclamou.

De lá para cá, prosseguiu, o único subsídio reposto foi o referente às empregadas domésticas, a partir de Novembro de 2020. Para os generais, que tinham direito a três empregadas foi retirada uma, enquanto os oficiais superiores, de major a coronel, têm direito a uma, variando o montante entre 74 mil kwanzas (96,5 euros) e 150 mil kwanzas (195,6 euros).

O presidente da associação alega que, em 2015, o ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos tinha dado ordem ao Ministério das Finanças para se pagar a dívida, salientando que o actual Procurador-Geral da República tinha assinado um compromisso, em nome do Estado angolano, segundo o qual o dinheiro seria pago em 2015, “infalivelmente, logo que houvesse disponibilidade financeira”.

“Estamos no ano 2021 nem água vai e nem água vem, estamos todos mergulhados em pobreza extrema, a pobreza está a tomar proporções alarmantes. Nós marcámos a manifestação para 17 e 18 deste mês, caso o Estado não resolva o nosso problema com urgência. Vamos sair mesmo à rua, porque a paciência esgotou, estamos todos agastados, frustrados, descontentes e humilhados porcamente”, expressou.

No dia 21 de Janeiro, recorde-se, oficiais generais e subalternos reformados das Forças Armadas de Angola pediram a intervenção do Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, e ex-ministro da Defesa, general João Lourenço, para liquidar a dívida do Estado, admitindo manifestarem-se “nus” até ao Palácio Presidencial.

A “indignação” dos ex-oficiais angolanos na reforma, viúvas e órfãos foi apresentada hoje à imprensa numa denúncia pública onde espelham o quadro “crítico e dramático” em que se encontram os mais de 1.600 membros associados.

Mais de 300 pessoas, entre oficiais reformados, viúvas e órfãos, “agastados com a situação”, participaram no encontro, que decorreu nas instalações da antiga Feira Popular de Luanda.

O presidente da Associação dos Oficiais Generais, Superiores, Capitães e Subalternos Reformados de Angola pediu “encarecidamente”, na ocasião, a intervenção do Presidente para a liquidação da dívida por grau de patente.

“Os descontos que nos são feitos são incalculáveis e mergulhámos todos em pobreza extrema por não termos 30 anos das FAA, que foram fundadas em Outubro de 1992. Elas [as FAA] não têm nada ver connosco por que já éramos militares antes das FAA”, disse.

“É triste e vergonhoso, essa pensão de reforma que nos cortaram está a criar um descontentamento de grande envergadura, estamos todos agastados, a pobreza está a tomar conta de todos”, lamentou.

“Estamos a andar a pé todos os dias, não temos direito a meios de transporte, casa, alimentação… Há colegas nossos que estão no contentor de lixo à procura de comida, o sofrimento é demais, está a tomar contornos altamente complicados”, frisou.

“Pedimos encarecidamente ao Presidente João Lourenço, comandante-em-chefe das FAA, que ordene ao executivo para pagar o nosso dinheiro de acordo com a patente de cada um para podemos sobreviver com dignidade”, sublinhou.

“Várias manifestações” de protesto foram suspensas nos últimos anos, inclusive a última, agendada para 7 de Novembro de 2020, sob “promessa das autoridades” de pagarem a dívida, mas tal não foi cumprido.

A “situação dramática” porque passam os oficiais generais na reforma em Angola foi também reiterada por Bernardo Miguel, brigadeiro reformado, que atribui “culpas” ao Presidente angolano, João Loureço, pela penúria a que dizem estar submetidos.

Isabel Luís, viúva de um ex-coronel, pediu também a “benevolência” do Presidente para a resolução das suas inquietações, referindo que está com os filhos fora do sistema de ensino e o “lixo, muitas vezes, é o recurso dos pequenos para a alimentação”.

“Só pedimos pelo menos para que estas pobres viúvas possam ser atendidas e, caso não nos atenderem, vamos até ao Palácio sem roupa, com sacos amarrados ou mesmo nuas”, referiu.

Um pagamento parcial da dívida também é defendido pelos oficiais generais, superiores, capitães e subalternos na reforma, que não aceitam o “argumento da crise internacional ou da Covid-19” para a solução dos seus problemas.

Recorde-se que, em Abril de 2020, o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente, general Pedro Sebastião, pediu atenção à Caixa de Segurança Social das Forças Armadas na adequação permanente das condições de assistência aos oficiais reformados e pensionistas.

Em Junho de 2018, o Governo anunciou que iria permitir, excepcionalmente, até 2023, a reforma dos militares com pelo menos 45 anos de idade e 25 de serviço, segundo a proposta de lei de Bases das Carreiras dos Militares das Forças Armadas Angolanas. A proposta estava integrada num pacote legislativo de reforma das Forças Armadas Angolanas que aguardava por uma decisão há, na altura, quase 20 anos.

De acordo com a proposta de lei do Governo, que conta com 148 artigos e que revoga toda a legislação anterior, durante um período de cinco anos, contados a partir da data de entrada em vigor deste diploma, será “facultada a passagem à situação de reforma ao militar” que “cumulativamente” preencha ou venha a preencher, durante aquele período, duas condições.

Especificamente, poderá ser reformado a partir dos 45 anos de idade, desde que possua pelo menos 25 anos ao serviço de um dos ramos das Forças Armadas Angolanas. Após esse período, esta nova legislação prevê a reforma de oficiais entre os 50 e os 59 anos, e de sargentos entre os 55 e os 59 anos. Os generais podem reformar-se aos 65 anos ou atingido os 40 anos de serviço.

A legislação prevê a distribuição das Forças Armadas pelo Serviço Militar Obrigatório (dois a três anos), Quadro Miliciano (até oito anos) e Quadro Permanente, nos três casos para oficiais, sargentos e praças. O tempo de serviço militar durante o período da guerra anticolonial é contado para efeitos de reforma, nesta proposta de lei.

Nos três ramos das Forças Armadas, Angola conta actualmente com cerca de 150.000 efectivos militares, segundo dados do Governo.

Folha 8 com Lusa

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