Mais vale parecer do que… ser

O Presidente da República, João Lourenço, enviou a Lei de Revisão da Constituição, aprovada recentemente pela Assembleia Nacional, para apreciação preventiva do Tribunal Constitucional (TC), noticiou a agência de notícias angolana, ANGOP. Até parece que Angola é um Estado de Direito, não parece? E se parece, isso basta!

O envio do diploma dá resposta a um imperativo legal, formal, para matumbo ver e a comunidade internacional ter um orgasmo, segundo o qual as alterações à Constituição da República de Angola estão sujeitas à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.

Na nota, enviada ao Venerando Juiz Conselheiro Manuel Miguel da Costa Aragão, Presidente do TC, e citada pela ANGOP, João Lourenço solicita que “a apreciação seja feita em regime de urgência”.

Recorde-se que o Presidente da República (não nominalmente eleito) é também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo e que o Tribunal Constitucional é uma honorável e impoluta sucursal do MPLA.

A Assembleia Nacional (AN) aprovou, a 22 Junho último, com 152 votos a favor, nenhum contra e 56 abstenções, a primeira revisão parcial da Constituição, 11 anos após a sua entrada em vigor. Com esta revisão, a Constituição passa a ter 249 artigos contra os actuais 244, tendo sido alterados 44 artigos e incluídos sete novos.

Quando o Tribunal Constitucional viola a.. Constituição

Setembro de 2017. Os dois maiores partidos políticos da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, UNITA e CASA CE, concorrentes às eleições gerais de 23 de Agosto, face ao comportamento marginal da CNE, ao publicar resultados provisórios, no dia 25, fora dos marcos legais, decidiram recorrer junto do Tribunal Constitucional, para impugnar o acto da Comissão Nacional Eleitoral.

Em causa o facto dos partidos políticos com assento no órgão, através dos comissários, não terem sido notificados de acto tão transcendente (publicação de dados provisórios, por Júlia Ferreira), na vida dos concorrentes às eleições, o que contrariava a norma jurídica, o que está em causa e não os actos jurídicos.

Pese os autores não terem respeitado todos os carreiros normativos-constitucionais, o acórdão do Tribunal Constitucional, de 30 de Agosto, falseou a verdade dos factos, ao concluir justeza no procedimento da CNE: “os procedimentos legais e regulamentares devidos para a divulgação dos resultados eleitorais provisórios”.

Não é verdade e foi comprometedor o Constitucional não divisar as figuras das “leis medida” ou “leis-providência”, causando com isso um flagrante desrespeito pelas regras constitucionais.

Desde logo os partidos políticos argumentam com o facto de nenhum dos seus mandatários ter assistido ao apuramento e escrutínio e nem receberem cópia das actas-síntese e das actas das operações (estas credibilizadoras, por serem assinadas pelos membros da Assembleia de Voto e todos os delegados de lista dos partidos concorrentes) como determina a lei.

Em defesa a CNE alega terem os resultados provisórios publicados origem nas actas-síntese das assembleias de voto e que estas “seguiram todas as normas e procedimentos definidos para a sua digitação, compilação e processamento, tendo-se observado todos os requisitos consignados na lei”.

Apreciando, o Tribunal Constitucional considerou não colher o pedido de impugnação baseado no facto de nenhum mandatário da oposição ter assistido ao apuramento, o escrutínio e recebido cópia das actas produzidas, porquanto as normas da LOEG (Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais), “não são suficientemente esclarecedoras do procedimento necessário, sobretudo porque o artigo 135.º em momento de regulação do apuramento definitivo fala, impropriamente, de ‘resultados gerais provisórios”.

Esta visão barroca não é o que se pede, mas em adiantado o Constitucional diz: “Entretanto, o procedimento devido para o apuramento provisório vem claramente regulamentado na Directiva nº 8/17, de 18 de Agosto e publicada em Diário da República, n.º 142, I Série”, lê-se no acórdão.

E é aqui que a porca torce o rabo. O Tribunal Constitucional mete a cabeça na areia e abana o rabo, pois o que os reclamantes pediam, pese os partidos da oposição não o terem aflorado, não se esgota na omissão da lei e directiva atrás citada, mas no quadro do Habeas data, art.º 69.º CRA (Constituição da República de Angola), que alavanca a propositura dos reclamantes.

Art.º 69.º
(Habeas data)
“1. Todos têm o direito de recorrer à providência de habeas data para assegurar o conhecimento das informações sobre si constantes de ficheiros, arquivos ou registos informáticos, de ser informados sobre o fim a que se destinam, bem como de exigir a rectificação ou actualização dos mesmos, nos termos da lei e salvaguardados o segredo de Estado e o segredo de justiça”.

Como se pode depreender do n.º1 do art.º 69.º CRA, o estipulado contraria o vertido no acórdão do Tribunal Constitucional de “assim, o n.º 1 do artigo 135.º e o artigo 123.º da LOEG, conjugados com o artigo 13.º da Directiva supramencionada vem clarificar que a CNE, tendo em sua posse as actas-síntese das assembleias de voto enviadas pelas CME’s (Comissões Municipais Eleitorais), procede à apresentação pública dos resultados eleitorais provisórios, conforme ocorreu nos dias imediatamente posteriores à realização das eleições gerais de 2017”, diz o acórdão.

Uma visão que atenta contra a norma constitucional, que impõe a exigência de informação sobre os ficheiros, arquivos ou registos informáticos, obrigatoriedade incontornável, que não pode descambar na ligeireza interpretativa formal do Tribunal Constitucional, de os resultados eleitorais provisórios serem apurados pela compilação dos dados obtidos em cada mesa de voto e recebidos por fax pelas CPE [Comissão Provincial Eleitoral] e pela CNE, não sendo necessária a sua prévia contagem pela CPE.

Não era em todo verdade, porquanto todos devem ser informados, por ser constitucional e de lei, uma vez interessados, na lisura, transparência do objecto comum, resultante do exercício da soberania popular, enquanto partidos políticos, que podem recorrer a um remédio processual urgente para defesa de direitos consagrados, a que o Constitucional, não poderia descurar, sob a ladainha de “a divulgação dos resultados nacionais é apenas possível à medida que a CNE for recebendo os dados fornecidos pelas CPE’s”, assevera, acrescentando que a reclamação ou recurso apenas ser “verdadeira somente para os resultados definitivos”, assegura o acórdão, em contramão da propositura constitucional.

Isto por a acção dos partidos da oposição, no rigor, do Direito Processual Constitucional se poder enquadrar no instituto do “Habeas Corpus Eleitoral”, que ocorre quando alguém está a ser ameaçado, discriminado, ludibriado ou a sofrer coacção moral, no caso concreto, político eleitoral, processando, o enquadramento na forma do código de Processo Penal e dos regimentos do Tribunal Constitucional, cujo trâmite é sumário, principalmente, por o objecto da reclamação ter sido de Direito Eleitoral.

Pode parecer um caso novo ou mesmo distante do direito vigente, mas, na realidade as demais leis devem conformar-se e o Tribunal Constitucional vincular-se, ao estipulado na al.ª c) do art.º 180.º e art.º 69.º, ambos da CRA, como institutos de recurso do Direito Eleitoral, quando em causa estiver o lançamento e processamentos electrónicos de dados, mormente nos casos de contabilidade, apuramento eleitoral e suas alterações, capazes de eventualmente, alterar ou adulterarem o banco de dados sobre resultados de eleições, onde haja informações saídas da sarjeta da suspeição e fraude.

Assim, na realidade, assistimos mais uma vez à ausência de órgãos de Estado e soberania independentes, capazes de se alcandorarem em nome da verdade jurídica e não de uma verdade castrense, que amordaça a “toga e mente dos juízes”.

E tudo por uma simples equação, que ilustra bem, o actual sistema de ensino, que não conta os números arimeticamente, mas ideologicamente. Porquê? Simples. A maioria dos juízes do Tribunal Constitucional exerce funções desde 2008, incluindo o presidente, em clara contravenção ao n.º4 do art.º 180.º da Constituição:

“Os juízes do Tribunal Constitucional são designados para um mandato de sete anos não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos juízes dos restantes Tribunais”.

E é aqui que a porca volta a torcer o rabo. Os números não se sucedem e mentem, partidocratamente, se não vejamos, as contas do regime: 2008 – 2017 = 5, logo nestas contas de acordo com o art.º 180.º da CRA, o MPLA e os juízes consideram ainda estarem dentro dos prazos.

Já para o senso comum, 2008 – 2017 = 9 anos, significando estar-se diante de uma aberrante e clara violação constitucional, praticada por um órgão cujos titulares deveriam dar o exemplo de serem escravos da Constituição.

No caso concreto, muitos dos actos do Tribunal Constitucional são materialmente insanáveis e, podem, numa boa impugnação anular todos os actos praticados em torno do processo eleitoral, por estar ferido de legitimidade constitucional, para validar, pronunciar-se sobre recursos, impugnações e tomada de posse presidencial.

Como se pode verificar, aqui reside o grande handicap, o órgão a quem compete verificar das violações a norma constitucional é ele mesmo violador grosseiro da Constituição, que actua com a maior desfaçatez, dada a cumplicidade do partido no poder e a conivência, por desconhecimento ou descaso dos partidos da oposição.

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