Ao mesmo tempo em que dirigiram (como o Folha 8 ontem revelou) uma Carta Aberta ao Presidente da República, João Lourenço, pedindo a exoneração dos Ministros Luísa Grilo e Rui Falcão por declarações discriminatórias e atentatórias à dignidade dos angolanos na diáspora, cidadãos angolanos endereçaram nova carta, desta vez à Assembleia Nacional, Procuradoria-Geral da República, Ministério da Educação, Ministério da Juventude e Desportos, Ordem dos Advogados, instituições de Direitos humanos nacionais e organizações da sociedade civil.
Eis, na íntegra, o conteúdo desta Carta Aberta:
«A sociedade civil angolana, dentro e fora do território nacional, vem por este meio manifestar publicamente o seu repúdio às recentes declarações da Ministra da Educação, Luísa Grilo, e do Ministro da Juventude e Desportos, Rui Falcão, que atentam contra a dignidade dos angolanos que residem na diáspora, colocando-os como cidadãos de menor valor, desprovidos de legitimidade para opinar, criticar ou contribuir para o desenvolvimento de Angola.
Essas declarações violam, de forma directa, os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, estabelecidos na Constituição da República de Angola (CRA), bem como diversos instrumentos jurídicos internacionais ratificados pelo Estado angolano.
I. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. Constituição da República de Angola (CRA)
• Artigo 23º (Princípio da Igualdade):
“Todos são iguais perante a Constituição e a lei. Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de origem, raça, etnia, cor, sexo, língua, local de nascimento, religião, ideologia, instrução, condição económica ou social.”
As declarações dos ministros, ao desvalorizarem os angolanos que vivem fora do país, violam este princípio, criando uma distinção inaceitável entre “bons jovens que ficam” e os que saem — estes últimos tratados como descartáveis ou desnecessários para a Nação.
• Artigo 26º (Âmbito da Aplicação dos Direitos Fundamentais):
“As normas constitucionais e legais relativas aos direitos fundamentais são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas.”
• Artigo 77º (Juventude):
“O Estado promove e apoia a política nacional de juventude, criando condições para o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a sua formação integral e a sua inserção na vida activa.”
O desprezo pelo sofrimento dos jovens que deixam o país por falta de oportunidades ou perseguições é uma clara violação do dever constitucional do Estado de os proteger e criar condições para o seu desenvolvimento.
2. Direito Internacional dos Direitos Humanos
• Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):
• Artigo 13º, nº 2: “Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a ele regressar.”
• Artigo 19º: “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão.”
• Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966):
• Artigo 12º: “Toda pessoa tem o direito de sair de qualquer país, inclusive o seu, e de regressar ao seu país.”
• Artigo 25º: “Todo cidadão deve ter o direito de participar na condução dos assuntos públicos.”
• Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta de Banjul, 1981):
• Artigo 12º: “Todo indivíduo terá o direito de deixar qualquer país, incluindo o seu, e de regressar ao seu país.”
• Artigo 9º: “Todo indivíduo terá o direito de expressar e difundir as suas opiniões.”
Angola é signatária destes instrumentos, pelo que os seus princípios têm força vinculativa e devem orientar a actuação dos governantes. A retórica excludente adoptada pelos ministros viola claramente tais compromissos internacionais assumidos pelo Estado angolano.
II. DO PEDIDO DA SOCIEDADE CIVIL
Com base no exposto, e por força da legalidade constitucional e internacional, a sociedade civil angolana exige:
1. A demissão imediata da Ministra da Educação, Luísa Grilo, pelas suas declarações discriminatórias, desumanas e contrárias ao dever de promover a inclusão, igualdade e valorização de todos os cidadãos angolanos, independentemente de onde se encontrem.
2. A demissão imediata do Ministro da Juventude e Desportos, Rui Falcão, por demonstrar publicamente desprezo pela juventude que reside no exterior, tratando com desdém cidadãos que continuam a contribuir económica, social e culturalmente para Angola.
3. A emissão de um pedido formal de desculpas à diáspora angolana, reconhecendo o seu papel fundamental no fortalecimento do tecido social, económico e político do país.
4. A criação de mecanismos formais de participação da diáspora nas decisões políticas nacionais, como forma de corrigir décadas de exclusão e marginalização institucional.
III. CONCLUSÃO
A Ministra Grilo e o Ministro Falcão não falaram apenas como indivíduos. Falaram como representantes de instituições do Estado angolano. Por isso, o que disseram tem peso institucional e consequências políticas. O seu afastamento dos cargos que ocupam não é apenas uma exigência moral e política — é uma necessidade jurídica e constitucional, em nome da dignidade, da justiça e da unidade nacional.
Ninguém é menos angolano por viver fora. E ninguém perde o direito à pátria por buscar segurança, paz ou oportunidades. A Constituição protege-nos. O Direito Internacional defende-nos. E o povo angolano, onde quer que esteja, não se cala.»