Mudo em 2017, sonoro em 2020

O Governo de João Lourenço adjudicou a concessão, por 20 anos, do Terminal Multiusos (TMU) do Porto de Luanda à multinacional DP World Limited, considerando que a proposta desta empresa é a que melhor serve o interesse público.

Segundo um comunicado de imprensa, o Ministério dos Transportes aprovou o relatório final do concurso público internacional, lançado em Dezembro de 2019, para a concessão do Terminal Multiusos do Porto de Luanda, submetido pela respectiva Comissão de Avaliação, que classificou a proposta apresentada pela concorrente DP World Ltd como a que “globalmente mais satisfaz o interesse público”.

Na proposta apresentada pela DP World Ltd, a multinacional apresenta como vantagem, sobre as demais concorrentes, pagamentos que ao longo do período de concessão irão representar um valor de pagamentos superior a 1.000 milhões de dólares (819,2 milhões de euros, dos quais 150 milhões de dólares (122,8 milhões de euros) serão pagos na data de assinatura do contrato.

Além disso, outra característica da proposta é um “valor actual (VA) de pagamentos à concedente superior a quatrocentos milhões de dólares norte-americanos (USD 440.000.000,00 [360 milhões de euros]), com referência ano de 2020”.

Outra vantagem ainda é a execução de um plano de investimentos num valor acima de 190 milhões de dólares (155,6 milhões de euros) a realizar ao longo dos 20 anos de concessão, dos quais mais de 70% serão efectuados com recurso à incorporação nacional.

O documento refere que o plano de investimento prevê a reabilitação da infra-estrutura física do cais do TMU, a realização de obras civis necessárias para implementar um novo plano de planta do TMU, sendo ainda uma vantagem a manutenção de postos de trabalho do pessoal afecto ao terminal.

No relatório final, a comissão de avaliação inclui também entre as vantagens a proposta de reabilitação e aquisição de equipamentos, que permitirão a transição da operação do TMU para uma operação alicerçada em grua RTG, em linha com as melhores práticas internacionais, bem como a criação de uma plataforma logística externa, para permitir atingir um volume de tráfego objectivo de 700.000 TEUS/ano, suportado por um moderno sistema de gestão portuário.

O TMU do Porto de Luanda é uma infra-estrutura portuária que se dedica à operação simultânea de carga geral e contentores, possuindo um cais de 610 metros, com uma profundidade de 12,5 metros, tendo uma área de 181.070 metros quadrados com capacidade para movimentação de 2,6 milhões de toneladas anuais.

Em Outubro de2019 o Governo formalizou a abertura de um novo concurso internacional para adjudicar a concessão do terminal multiusos do Porto de Luanda, segundo um despacho presidencial publicado no Diário da República. O dossier ficou então nas mãos do Ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu.

De acordo com o despacho assinado por João Lourenço, o Governo decidiu abrir novo concurso, aberto a empresas estrangeiras, “por ter sido operada rescisão unilateral pela concedente” do contrato de concessão para exploração daquele terminal, em regime de serviço público.

O despacho delegou competência para a prática dos actos subsequentes correspondentes ao procedimento concursal até à adjudicação do contrato de concessão ao Ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu.

Em finais de Julho, o Serviço de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou a recuperação dos terminais dos portos de Luanda e do Lobito, que estavam sob gestão da empresa Soportos – Transporte e Descarga, SA, a cargo do general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e família.

A Soportos geria o terminal multiuso do Porto de Luanda, infra-estrutura portuária com uma área de 181 mil e 70 metros quadrados e com capacidade para movimentar anualmente 2.670.761 toneladas.

Além do equipamento para movimentar carga diversa, o terminal, que foi concessionado por um período de 20 anos à Soportos, possui um cais de 610 metros e uma profundidade de 12,5 metros.

Segundo o Jornal de Angola, o general “Kopelipa” teria feito a entrega dos bens depois de ser pressionado com um processo de peculato.

“Kopelipa” garantiu, no entanto, não ter qualquer ligação com a Soportos, a empresa portuária que explorava terminais nos portos de Luanda e Lobito.

Numa nota enviada ao Jornal de Angola, o ex-chefe da Casa de Segurança do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, esclareceu, no início de Agosto, que “actuou apenas como representante legal do accionista da Soportos, José Mário Cordeiro dos Santos, seu familiar, que se encontra ausente do país por motivos de saúde”.

De acordo com a mesma nota, as posições que a Soportos entregou ao Ministério dos Transportes decorreram de negociações entre as partes.

No caso do terminal do Porto de Luanda, a entrega deveu-se a um entendimento com a administração portuária e Ministério dos Transportes sobre a cessação do contrato de exploração que estava em vigor e que passa pelo pagamento de uma indemnização à Soportos, que ainda está a ser avaliada.

Manuel Vieira Dias “Kopelipa” sustenta que a Soportos vendeu a sua quota-parte (90%) na sociedade que mantinha com o grupo GEMA na exploração do terminal de segunda linha do Porto de Luanda, referia o Jornal de Angola.

“Em momento algum a cessação da exploração dos terminais portuários teve a ver com quaisquer eventuais processos sob investigação ou em instrução levados a cabos pela PGR”, afirmava a nota, sublinhando que o general “Kopelipa” “actuou apenas como mero procurador do accionista da Soportos e nunca como proprietário ou representante da sua esposa”.

O actual porto de Luanda, o maior do país e construído no período colonial português em pleno centro da capital angolana, é propriedade do Estado, mas a operação dos seus terminais estava entregue a oito empresas privadas.

O porto de Luanda movimenta aproximadamente 5,4 milhões de toneladas de carga por ano e recebeu obras de modernização de 130 milhões de dólares, concluídas em 2014. Antes disso, segundo o Governo, o porto de Luanda “estava altamente congestionado”, com um tempo médio de espera superior a 10 dias.

A ordem para parar o processo de construção do novo porto, na Barra do Dande, surgiu publicamente em Janeiro de 2018, pela voz do Presidente João Lourenço: “Vamos procurar rever todo o processo no sentido de, enquanto é tempo, e porque o projecto não começou ainda a ser executado, corrigirmos aquilo que nos parece ferir a transparência, na medida em que um projecto de tão grande dimensão quanto este, que envolve biliões, com garantia soberana do Estado, não pode ser entregue de bandeja, como se diz, a um empresário, sem concurso público”.

Recorde-se que foi noticiado em 29 de Setembro de 2017 que o Governo deveria emitir uma garantia de Estado de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) a favor da construção, por privados, do novo porto da Barra do Dande, face ao esgotamento da capacidade do porto de Luanda.

De acordo com um decreto presidencial do mesmo mês, assinado por José Eduardo dos Santos e publicado seis dias antes de João Lourenço chegar ao poder, aprovando o projecto, o novo porto seria construído a cerca de 60 quilómetros para norte de Luanda, em regime de concessão por 30 anos, pela sociedade privada angolana Atlantic Ventures, a qual contaria com uma participação de até 40% pela empresa pública que geria o Porto de Luanda.

“O Governo pretende criar as condições necessárias para que a província de Luanda tenha um novo porto de dimensão nacional e internacional com capacidade de abastecimento para todo o país e que, estrategicamente, possa ser, também, um entreposto internacional de mercadores”, lê-se nesse mesmo decreto.

Referia ainda que o Porto de Luanda, “de acordo com a evolução registada nos últimos anos nas operações portuárias” e face às “projecções de tráfego realizadas, não logrará, a curto prazo, satisfazer as necessidades de estiva e movimentação de cargas e descargas exigidas pelo comércio nacional e internacional”.

Para o efeito, foi definido pelo Governo, segundo o mesmo documento, o objectivo estratégico para instalação, na nova cidade do Dande (já na província vizinha do Bengo) do novo porto da capital, serviços associados e uma Zona Económica Especial, reservando para o efeito uma área total de 197,2 quilómetros quadrados e um perímetro de 76,4 quilómetros.

“O Governo considera a construção, a exploração e a manutenção do porto da Barra do Dande um empreendimento prioritário, de interesse nacional e público, considerando ainda que o empreendimento deve ser realizado com recurso a financiamento privado, de acordo com os princípios da eficiência da distribuição, partilha e gestão do risco pela parte que melhor o sabe gerir”, lê-se ainda no referido decreto.

Ficou ainda previsto que a concessão do futuro porto à sociedade Atlantic Ventures seria por um período de 30 anos, incluindo a tarefa de licenciamento, concepção, financiamento, projecto, desenvolvimento técnico e sua construção, “em associação com a autoridade do porto de Luanda”.

O sim, o não, o talvez (o antes pelo contrário) de João Lourenço

A empresa Atlantic Ventures garantiu no dia 16 de Julho de 2018 que a concessão para construção e operação do porto da Barra do Dande, atribuída em 2017 pelo então Presidente, foi feita com “total transparência” e sem violar a lei.

Apesar disso, o novo substituto (na Presidência da República, no Governo e no MPLA) de José Eduardo dos Santos pensa (ou quer que se pense que ele pensa) que alguém chamar-se Isabel dos Santos é sinónimo de crime.

Em comunicado, a empresa reagia à decisão constante do decreto presidencial assinado por João Lourenço, de final de Junho, revogando por sua vez o decreto presidencial 207/17, de 20 de Setembro, assinado por José Eduardo dos Santos, já após as “eleições” de Agosto de 2017, alegando incumprimento da legislação dos Contratos Públicos.

A empresa, associada à empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, refere que a concessão do porto da Barra do Dande “insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias”.

“Ou seja, a adjudicação da referida concessão cumpriu todos os requisitos legais à qual estava obrigada, ao abrigo da lei aplicável e respeitou escrupulosamente as leis vigentes em Angola, em todas as etapas do processo. A lei aplicável a este projecto é a lei das concessões portuárias e foi correctamente aplicada pelo anterior Executivo neste processo. A lei dos Contratos Públicos – que poderia ditar a realização de concurso público – não se aplica a contratos de concessões portuárias, ao contrário do que agora assume o actual Executivo”, lê-se no comunicado.

Ainda antes de revogar a concessão e abrir concurso público para o projecto, o Presidente João Lourenço já tinha criticado directamente a forma como este processo foi conduzido.

Já a Atlantic Ventures salienta que, “uma vez que o valor do investimento não é pago pelo Estado”, sendo assumido pelos investidores, “não existe colateral ou garantia financeira do Estado e, por se tratar de uma concessão, a amortização do custo da obra” seria paga “com a rentabilidade da sua operação portuária, ao longo do tempo”, sem contribuir “para o agravar da dívida pública do país”.

“A lei das concessões portuárias é uma lei específica, com um procedimento próprio, que foi escrupulosamente cumprido, e, ao abrigo da mesma, foi realizada uma negociação entre o Estado e as partes que se propuseram investir, na qual foram discutidos e acordados os termos do investimento, bem como as condições que os investidores devem cumprir e o que devem pagar pela concessão ao Estado. Foi, assim, cumprido o objectivo de chegar a um resultado final que seja equitativo e equilibrado para todas as partes envolvidas”, sublinhou ainda a Atlantic Ventures.

Para a empresa, esta concessão, entretanto revogada, “cumpriu todos os requisitos legais aos quais estava obrigada”, garantindo que “nenhum aspecto da lei de concessões portuárias foi violada e, por isso, todos os trabalhos desenvolvidos tiveram uma base legítima e legal”.

Recorda que o projecto do porto da Barra do Dande foi analisado e aprovado em reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, em 2017, na qual esteve presente João Lourenço, então ministro da Defesa Nacional, e que não mereceu dele a mínima dúvida ou objecção.

Para sustentar a surpresa da decisão de revogar este processo, a empresa recordou que nos últimos foram realizadas reuniões de apresentação com os administradores de todos os portos de Angola pela equipa projectista e líder mundial Royal HaskoningDHV Engineering, em representação dos investidores privados, além de outras duas reuniões técnicas com as restantes entidades envolvidas.

Foram igualmente realizadas reuniões com operadores portuários, um ‘roadshow’ para captar investimento internacional, executados projectos de engenharia, adjudicado o contrato de impacto ambiental à empresa angolana Holisticos e realizados os levantamentos dos dados oceanográficos pela empresa angolana Geosurveys.

“De realçar que, para o país, esta concessão significa ter um porto construído em 24 meses sem recurso ao Orçamento Geral do Estado, com operadores portuários a funcionar de forma eficiente, diminuindo assim os custos portuários e contribuindo directamente para reduzir os custos da importação e exportação”, concluiu a Atlantic Ventures, assumindo ainda, com desenvolvimento do novo porto e área adjacente, a criação de 5.000 novos empregos nos próximos anos.

Folha 8 com Lusa

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