O ministro da Economia e Planeamento de Angola, Pedro Luís da Fonseca, afirmou hoje que o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022 tem como “eixo nuclear o desenvolvimento do homem e o seu bem-estar”. O velho Jeremias, sentado num adobe à porta da sua cubata, numa sanzala do Huambo, sorriu. Já não consegue chorar.
O posicionamento oficial foi expresso durante a cerimónia de apresentação pública do documento, que constitui (como centenas de outros que a propaganda nos impingiu ao das últimas décadas) o principal instrumento de governação do executivo angolano nesse período, e que suporta igualmente mais sete eixos ditos de “fulcrais” de desenvolvimento.
“Importa aqui relevar um dos eixos, por sinal o eixo nuclear, que é o do desenvolvimento humano e bem-estar, porque o PDN 2018-2022 está focado no homem angolano por se constituir o objecto e o sujeito do desenvolvimento”, disse o ministro.
De acordo com o governante, o desenvolvimento humano e o bem-estar “é o eixo primordial” do plano porque nele “convergem as restantes macropolíticas de desenvolvimento neste período de cinco anos”.
“Para esse eixo concorrem outros eixos, como o do desenvolvimento económico, sustentável e inclusivo e das infra-estruturas necessárias para o crescimento económico. São eixos tão importantes focados no homem devido ao seu conjunto de necessidades que preconizamos satisfazê-las”, apontou.
Pedro Luís da Fonseca admitiu, na sua intervenção, a necessidade de criação de condições de financiamento para dar corpo ao PDN 2018-2022, sobretudo para a satisfação das necessidades das populações.
Necessidades das populações? Que necessidades? Estando o MPLA no governo desde 1975, ninguém acredita que as populações tenham necessidades. Desde logo porque, sejamos sérios, os nossos 20 milhões de pobres não integram a população angolana, a mortalidade infantil não é um problemas dos angolanos… do MPLA, a corrupção não é igualmente um problema angolano.
Para tal, acrescentou o ministro, o “Governo angolano vai prestar uma atenção particular ao sector da economia não petrolífera, por ser aquela que mais empregos garante”, e por isso o “que pode vir a reduzir a pobreza”.
Economia não petrolífera? Mas isso não foi já garantido há dezenas de anos pelo “escolhido de Deus”? Será preciso dizer sempre que se vai fazer o que já foi feito? O MPLA/Estado bem poderia ser mais modesto, não querendo fazer sempre mais e melhor. Descansem um pouco. Cometam alguns erros para parecerem humanos.
“De forma sustentável pela via de emprego é este sector que vamos prestar mais atenção”, assegurou Pedro Luís da Fonseca, murmurando baixinho algo quase imperceptível que os mais cépticos traduziram por: “Olhai para o que dizemos e não para o que fazemos”.
Os fundamentos, objectivos e projecções do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) de Angola 2018-2022, aprovado a 26 de Abril pelo conselho de ministros, foram apresentados no encontro pelo Secretário de Estado para o Planeamento, Manuel Neto Costa.
Membros da organização sociedade civil, estudantes, docentes universitários, quadros do Ministério da Economia e Planeamento e deputados à Assembleia Nacional participaram deste encontro que decorreu, em Luanda, na sede do Instituto Nacional de Estatística (INE).
João Lourenço manda e eles repetem
O Executivo vai dotar o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação de um mecanismo de financiamento para que as instituições e actores singulares possam candidatar-se à execução de projectos, acções e actividades de suporte ao Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, anunciou o Presidente da República em Fevereiro.
João Lourenço adiantou que a falta deste mecanismo de financiamento tem sido um dos maiores constrangimentos da prática da investigação científica em Angola, onde se verifica uma falta gritante de quadros altamente qualificados e com experiência comprovada.
Fica bem, de vez em quando, ser também o Titular do Poder Executivo a “inventar” a pólvora. E para constatar o óbvio não é necessária muita investigação científica. Basta olhar para o que o MPLA prometeu ao longo de dezenas de anos e nunca cumpriu.
Recém-chegado ao poder (só lá está há quase… 43 anos) o MPLA descobriu agora (entre outras pérolas) que Angola precisa de mais qualidade nas instituições universitárias. Quem o disse foi, no caso, o (ainda) vice-presidente do MPLA, João Lourenço.
Estávamos em Outubro de 2016. Segundo o boletim oficial do partido, Jornal de Angola (JA), João Lourenço fez este alerta na abertura da reunião com a comunidade académica de Luanda e Bengo, lembrando que o país “continua a exportar as suas riquezas em estado bruto para o exterior” (exportar para o exterior não está mal, não senhor), para depois comprar de volta os produtos transformados a preços exorbitantes. Além disso, sublinhou, a atitude contribui para dar emprego aos operários de outros países em detrimento dos angolanos.
Diante de milhares de académicos, segundo as contas do JA, João Lourenço pediu atenção à qualidade do ensino superior, numa altura em que existiam 24 instituições de ensino superior públicas e 40 privadas, surgidas num espaço de 14 anos. Até 2002, Angola tinha apenas uma única universidade pública, a Universidade Agostinho Neto, e duas privadas que, no total, formaram no mesmo período 62.407 quadros.
“Precisamos de encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessidade da formação massiva de quadros que o país precisa e o rigor na qualidade desses mesmos quadros superiores”, disse João Lourenço, para acrescentar: “Devemos encorajar e promover a cultura de premiar o mérito no ensino, o mérito no trabalho e em tudo o que fazemos”.
Ou seja, João Lourenço disse que os angolanos devem olhar para o que o MPLA diz mas não, é claro, para o que faz. Isto porque se no regime existisse de facto a cultura do mérito, muitos dos seus quadros, ditos superiores, estariam a apanhar minhocas.
O (ainda) vice-presidente do MPLA disse na altura, continuamos a citar o boletim oficial, que o crescimento que o país vive na construção de estradas, caminhos-de-ferro, barragens hidroeléctricas, fábricas, portos e aeroportos, hospitais e fazendas agrícolas, deve ser acompanhado de formação de quadros que possam garantir a continuidade e manutenção dos projectos. “Apesar da maior necessidade que o país tem na formação de quadros é necessário assegurar a sua qualidade a todos os níveis de ensino”, disse João Lourenço.
João Lourenço recordou (numa manifesta passagem de um atestado de matumbez aos angolanos) que o MPLA sempre estabeleceu como prioridade a educação e o ensino nos seus programas de governação, através de atribuição de bolsas de estudo para países como Cuba, Rússia, Portugal, França, Reino Unido, Itália, EUA, Nigéria e Marrocos.
“Foram milhares os quadros angolanos superiores formados em diferentes áreas do saber nesses países e que hoje contribuem para o desenvolvimento do nosso país”, disse.
Não se pode querer tudo
Nenhuma instituição angolana consta da lista das 100 melhores universidades de África, ao passo que Moçambique e Cabo Verde, que têm a mesma idade política, aparecem entre as melhores do continente.
É verdade. Em contrapartida, Angola é um dos países mais corruptos do mundo, é um dos países com piores práticas democráticas, é um país com enormes assimetrias sociais, é o país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo. Não se pode querer tudo, não é?
Que a maior parte dos supostos quadros superiores são, afinal, quadros inferiores, todos sabemos. Tal como sabemos que são esses que o MPLA chama para funções públicas. E chama porque, sabendo eles que nada sabem, prestam-se a todos os fretes e fazem da fidelidade canina e do culto ao chefe o seu principal doutoramento.
Neste contexto, o então secretário do MPLA para a política Económica e Social, Manuel Nunes Júnior, afirmou que Angola tinha de vencer o atraso científico e tecnológico, sendo isso uma condição crucial para o progresso económico e social e que uma das principais implicações da globalização é a facilidade com que a tecnologia e as ideias fluam entre países.
Ao apresentar as principais orientações da Moção de Estratégia do presidente do MPLA, o guia supremo, querido líder, “escolhido de Deus”, José Eduardo dos Santos, para a formação de quadros, Manuel Nunes Júnior afirmou que a política do seu partido sobre o ensino superior assenta no conhecimento e na criação de novas ideias. A chave do crescimento e prosperidade das nações, disse o político e professor universitário, são as ideias e o conhecimento e não são os objectos. Os objectos, referiu, desgastam-se com o tempo e perdem o valor.
O economista disse que a capacidade humana de produzir novas ideias e novos conhecimentos é infinita. “Muitos países não conseguiram tirar vantagem da revolução industrial e não prosperaram. Torna-se agora imprescindível tirar os benefícios da sociedade do conhecimento que caracteriza o presente processo de globalização”, disse.
Manuel Nunes Júnior lembrou que a diferença entre países ricos e pobres e em termos do desenvolvimento são fenómenos recentes. Os países que conseguiram tirar vantagens da revolução prosperaram e os outros ficaram para trás em termos de crescimento económico e de prosperidade.
“Estamos a viver uma nova revolução em que a sociedade industrial está a dar lugar à sociedade do conhecimento e Angola não pode ficar fora dessa sociedade do conhecimento. Deve dela tirar todas as vantagens”, disse este especialista.
O velho Jeremias continua sentado num adobe à porta da sua cubata, numa sanzala do Huambo, e a sorrir. Já não consegue chorar…