O que falta à nossa Justiça?

O conceito de justiça é de difícil aferição, desde, os percursores do conceito até actualidade. Fala-se teoricamente em dois (2) tipos de justiça: comutativa e distributiva.

Por Pedro Ventura (*)

Em Angola, a concretização deste elemento “justiça”, até aqui comporta suas mais sérias dificuldades, começando pelas estruturas para a sua administração, aos órgãos que os administram etc. alguma coisa tem sido feita mas, muito ainda está para ser feito, a reforma no sistema judicial já há muito teria passado de reforma à eficácia e eficiência dos tribunais no que toca à aplicação da justiça nos casos concretos, atendendo aos 40 anos de Independência que o país vive.

É necessário acompanhar o dinamismo social, o crescente índice populacional no país, quanto a isso, não devemos contornar o caminho passando adiante ou deixando a justiça em “águas de bacalhau” na expressão popular de Portugal, a “época-projecto” “já era” o sistema judicial agora clama diariamente pela efectividade, inovação, quer deixar de ter nome, passando a ser generalista e abstracto, quer ser mais humano e visto como amigo fiável e garante dos interesses privados e públicos; quer deixar de ser uma justiça idêntica ao que Kafka descreve no seu romance cujo título é, “O processo de Kafka” quer estar mais diante dos cidadãos, e, é isso que se espera dos sistemas judiciais dos Estados Democráticos, e a Constituição da República de Angola é categórica nesse aspecto, afirmando no seu art. 2º, Angola é um Estado Democrático.

A justiça de proximidade, vista na vertente histórica e duma forma concreta em Angola, tem a sua génese com as autoridades tradicionais quando resolviam os seus conflitos com base aos aspectos culturais e tradicionais da aldeia em causa, no cerne destas formas de resolução de conflitos que envolviam partes estava assente alguns princípios que hoje norteia os Julgados princípios: o princípio da Informalidade, simplicidade, oralidade e, como é evidente a ciência integrou mais alguns como: economia processual e o da adequação, o princípio da simplicidade está indissociavelmente ligado à informalidade, oralidade e economia processual, que por sua vez permite uma maior celeridade.

Permite que os factos não sejam articulados de acordo com as regras do processo civil, que obrigam a uma certa lógica sequencial entre os factos, causa de pedir e pedido, o que, por vezes, dificulta a tarefa do Juiz de Paz mas, por outro lado, se articula com a agilidade do eventual aperfeiçoamento a fazer na audiência de julgamento, onde a proximidade volta a estar em evidência, na medida em que permite às partes explicitar, de viva voz, as suas razões.

O facto dos Julgados de Paz não fazerem parte sistemática das categorias dos tribunais, não quer dizer que não sejam instrumentos eficazes de resolução de litígios, nos termos em que tal vier a ser regulado por legislação ordinária (art. 197º, nº 1, da CRA) no seu exercício ou para melhor executar as suas decisões o aplicador da lei recorrer no meu entender à equidade.

Os Julgados de Paz no meu entender tem sua origem nos modelos tradicionais de resolução de conflito em que as autoridades tradicionais, (Soba, Dembo) procuravam estabilizar a paz social mediante acordo das partes “demandante e demandado” fazendo-se justiça naquele mesmo instante, entendo estar ali assente a base desse instrumento.

É urgente o funcionamento dos Julgados de Paz no país, segundo Dr. Rufino Ribeiro um ilustre Advogado, aos julgados de paz não deve ser endereçado única e simplesmente conflitos de natureza civil mas, também aquelas matérias de pena criminalidade como: difamação, roubo não qualificado, ofensa a integridade física simples, ameaças, injúria, condução sob efeito de álcool, aconselha os procuradores que “invistam” e escolham preferencialmente o processo sumaríssimo, levando as partes à um eventual acordo antes destes mesmos processos chegarem à instancia judicial.

Florar o funcionamento dos Julgados de Paz, que na maioria das vezes ou mesmo em todos os processos julga mais com base a equidade do que ao direito, torna-se necessário e como não deveria deixar de ser apostar na formação constante dos mediadores, aspecto importante no meu entender traduz-se na fiscalização dos Julgados de Paz, à mercê do poder jurisdicional.

Pergunto-me diariamente o que nos falta? Será oportunidade? Quadros qualificados?

Às questões levantadas remeti-me em dois conceitos, que no fundo falta-nos equacionar: pensar e agir, para os detentores de poder estes conceitos andam opostos, tudo não passa de projecto, não pode ser, como mote afirmo que a justiça é séria de mais para ser entregue somente aos formados em direito, é necessário a junção de vários saberes para que se tenha uma justiça mais humana, eficaz e eficiente, a justiça é um dos elementos que não deve ser jogada à “sorte”, o que se quer com ela é que os nossos direitos sejam realmente garantidos, os de Julgados de Paz previsto na CRA, são órgãos ou meios alternativos ou extrajudiciais de resolução de conflitos tal como estabelece o art. 2º nº 1, da Lei dos Julgados de Paz, os custos são reduzidos estes meios de resolução de conflito está regulada pela lei fundamental, se o que se quer é administrar justiça e dirimir conflito então os Julgados de Paz deve abarcar o território nacional, falando mais concretamente as 18 províncias, com o funcionamento dos Julgados de Paz, muitos tribunais são salvos dos elevados números de processos que por estes podem ser resolvidos de forma célere e com baixos custos.

No que concerne à dimensão geografia do país, atendo o índice populacional de cada município, não deve descartar-se a possibilidade de conexão entre eles, quer através do numero populacional, quer a traves da relação de proximidade, na eventualidade de instalação de Julgados de Paz, fica adstrito ao outro mais próximo daquele, quanto aos funcionários dois a três colaboradores entende-se ser suficientes para auxiliar o Juiz de direito, que não é necessário ser mais de “um” Juiz em cada Julgados.

É urgente também rever a política judiciária, o Ministério da Justiça deve preocupar-se com isso porque não está para menos, atendendo a seriedade que a justiça exige esses Julgados de Paz devem fornecer garantias e confiança aos cidadãos, a celeridade processual é uma garantia prevista nos diplomas de carris internacional e a sua não verificação constitui uma violação aos direitos humanos arts. 7º, nº 1, al. d) da Carta Africana.

Contudo na justiça de proximidade tem o mediador um papel importantíssimo que traduz em assegurar que a pretensão das partes seja finalmente satisfeita, tem este um papel diferente do juiz judicial, enquanto este em muitos casos faz papel de “Moisés levando uma das partes à terra prometida”, o mediador procura a quando da administração da justiça encontrar solução em que as partes estejam de acordo e haja uma justiça equitativa e proporcional. As questões apreciadas pelos Julgados de Paz só são “pequenas causas” quanto ao valor. Do ponto de vista quer jurídico quer social, são tão grandes quanto as “maiores”.


(*) Licenciado em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, Pós graduado em direito da medicina pelo Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestrando em Ciências Jurídicas e Política pela Universidade Autónoma de Lisboa.

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2 Thoughts to “O que falta à nossa Justiça?”

  1. Julio Cesar Martins

    Ótimo artigo Dr. Pedro! A Justiça não deve ser exclusiva daqueles que operam o Direito. Estes devem sim dar o direcionamento, mas não sem ouvirem os outros setores da sociedade.

  2. Huvi

    Parabéns Mister P. Grande redação…
    Podes e deves escrever artigos semelhantes….

    Meu grande irmão e companheiro de batalha..

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