Kalupeteka condenado a 28 anos de prisão

O tribunal do Huambo condenou hoje o líder da seita religiosa angolana “A luz do mundo”, Julino Kalupeteka, a uma pena de 28 anos de cadeia pelo homicídio de nove polícias, em Abril de 2015. O código penal angolano apenas permite penas efectivas de cadeia de até 24 anos. Mas isso é irrelevante.

O líder daquela seita e outros nove seguidores foram condenados por nove crimes de homicídio qualificado e por sete de homicídio frustrado.

Além de Kalupeteka, sete dos seus seguidores foram condenados a penas de 24 anos de cadeia e outros dois a 16 anos, segundo a sentença conhecida ao início da tarde.

A condenação apanhou de surpresa os advogados de defesa, que recordaram que o código penal angolano apenas permite penas efectivas de cadeia de até 24 anos.

Neste processo, a acusação do Ministério Público do regime concluiu que antes do crime, que aconteceu a 16 de Abril de 2015, quando se deram os confrontos que levaram à morte, segundo a versão oficial, de nove polícias e 13 fiéis, no Huambo, os elementos daquela igreja ilegal prepararam machados, facas, mocas para atacar os “inimigos da seita ou mundanos”.

O caso marcou a actualidade internacional em 2015, com as denúncias da oposição angolana e de algumas organizações – sempre negadas pelo Governo – apontando a morte de centenas de seguidores daquela seita nos confrontos com a polícia no monte Sumi, Huambo.

Durante o julgamento, que decorreu em Janeiro e Fevereiro, o líder da seita e principal visado neste julgamento, José Julino Kalupeteka, também apelidado de “profeta” pelos seus seguidores e que advogava o fim do mundo em 2015, recusou a autoria dos confrontos ou dos actos de violência que terminaram com a morte dos agentes da polícia, que o tentavam prender, na altura.

Em prisão preventiva há praticamente um ano, Kalupeteka, de 46 anos, foi o principal visado dos dez acusados e estava indiciado pela co-autoria material de nove crimes de homicídio qualificado consumado, crimes de homicídio qualificado frustrado e ainda de desobediência, resistência e posse ilegal de arma de fogo.

A defesa, assegurada pelos advogados da associação “Mãos Livres” e liderada por David Mendes, insistiu que não ficou provado que o líder da seita terá desobedecido, resistido às autoridades ou orientado os seus seguidores a criarem postos de vigilância para, posteriormente, agredirem os agentes da Polícia Nacional.

Como é hábito no país, não funciona a regra “In dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu). Aliás, ninguém no regime tem dúvidas sobre o que quer que seja. Por alguma razão o princípio do regime é “até prova em contrário todos são… culpados”.

Em causa estão os confrontos entre os fiéis e a polícia, cujos agentes tentavam dar cumprimento a um mandado de captura – na sequência de outro caso de violência na província vizinha do Bié e que também estava a ser julgado – de Kalupeteka e outros dirigentes e alguns dos seguidores que estavam concentrados no acampamento daquela igreja, no monte Sumi.

A acusação contra os homens, com idades entre os 18 e os 54 anos, refere que as mortes dos agentes da polícia resultaram essencialmente de agressões com objectos contundentes, inclusive paus, punhais e catanas, às quais alguns polícias responderam com disparos.

Quem esperava (há sempre a utopia de se julgar que Angola é um Estado de Direito Democrático) que o julgamento permitiria, mesmo que de forma ténue, esclarecer os acontecimentos de Abril de 2015, viu esse desejo frustrado.

Recorde-se que, em comunicado de imprensa, a organização não-governamental britânica Human Rights Watch (HRW), sob o título “Houve um massacre no Huambo, Angola?” considerava que o julgamento “podia lançar luz sobre os eventos”.

Aquela organização de defesa dos direitos humanos salientava ser “evidente que a morte indiscutível de nove agentes da polícia requer justiça e que as autoridades devem certificar-se de que o tribunal é capaz de conduzir o julgamento de forma independente, imparcial e competente”.

A HRW defendia ainda que as testemunhas do governo no julgamento “também devem ser transparentes quanto à conduta da polícia e dar resposta às acusações de que dezenas de pessoas desarmadas, incluindo mulheres e crianças, podem ter sido assassinadas a tiro”.

“O conflito eclodiu quando a polícia procurou levar Kalupeteka para interrogatório com base em alegações de incentivo à desobediência civil de cerca de 2.000 dos seus fiéis. Kalupeteka liderava uma facção dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia que acreditava que o mundo iria acabar em 2015 e havia encorajado os fiéis a abandonar as respectivas vidas e a retirar-se para um campo isolado”, recordava a HRW.

O governo negou que tenham morrido dezenas (muito menos centenas) de pessoas, como sustentam grupos de oposição e activistas nacionais e internacionais, mas recusou o pedido de acesso ao local dos acontecimentos feito também pelo Alto Comissariados da ONU para os Direitos Humanos “para a abertura de uma investigação independente”.

Após o incidente, as forças de segurança angolanas isolaram a área, “declarando-a zona militar”.

“Os activistas dizem que os soldados enterraram um elevado número de cadáveres em valas comuns e vários familiares de membros da seita declararam que ainda não foram capazes de enterrar os seus entes queridos. Somente duas semanas após o incidente foi concedido acesso ao local a um pequeno grupo de deputados e jornalistas, a quem foi feita uma visita orquestrada e vigiada de perto”, acrescentava a HRW no seu comunicado.

“O julgamento de Kalupeteka sublinha a necessidade de justiça, tanto para as famílias dos agentes assassinados como para as famílias dos membros da seita que morreram. O julgamento deverá apresentar as investigações internas do próprio governo sobre os acontecimentos que, de uma forma ou outra, deveriam ser tornadas públicas pelo governo”, defendeu infrutiferamente a HRW.

A ONG britânica questionava, em conclusão, que se “afinal nada há a esconder, por que razão deverão os relatórios manter-se confidenciais? E por que não permite o governo uma investigação independente ao que aconteceu?”.

A sentença permite uma outra conclusão. As facas, machados, matracas etc. de Kalupeteka matam. Já as armas da Polícia – incluindo metralhadoras – não matam…

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