MORRER NAS LIXEIRAS À PROCURA DE COMIDA

Quarenta e nove anos depois da independência, deputados angolanos denunciaram hoje a morte de cidadãos em lixeiras, onde buscam “migalhas para sobreviver”, devido à pobreza extrema que assola o país, considerando que a “violência económica praticada pelo Estado” angolano (o MPLA) motivou a greve geral dos trabalhadores.

O deputado Nimi a Simbi, que em nome do grupo parlamentar misto PRS-FNLA (oposição) apresentava a declaração política na sessão plenária extraordinária do Parlamento, lamentou a actual situação social dos angolanos, sobretudo os “baixos salários” que auferem.

De acordo com o também presidente da FNLA, o baixo poder de compra dos salários está a levar cidadãos a se socorrerem do lixo em busca do sustento, onde muitos acabam por perder a vida.

“Já chamámos a atenção sobre a situação social dos angolanos, particularmente dos seus salários, que se situam ao nível tão baixo que nos leva a uma pobreza extrema, ao ponto de alguns compatriotas morrerem nas lixeiras em busca de migalhas para sobreviver, como aconteceu esta semana no Aterro Sanitário de Luanda”, denunciou o deputado.

Com os trabalhadores angolanos a cumprirem o quarto dia da segunda fase da greve geral, que decorre até da 30 para exigirem aumentos salariais e ajuste do salário mínimo nacional, Nimi a Simbi exortou o Governo a rever o actual sistema remuneratório do país.

Para o deputado, a greve geral convocada pelas centrais sindicais resulta da actual situação social das famílias, aconselhando as autoridades a ouvirem os sindicatos e juntos buscarem “soluções duradouras que estabilizam a sociedade”.

Sobre a actual situação socioeconómica dos angolanos, também falou a deputada do Partido Humanista de Angola (PHA), Florbela Malaquias, lamentando as políticas económicas erratas e prejudicais do país, que originam a “marginalização, pobreza, desigualdade e ilusão da estabilidade social”.

“E é neste contexto que os sindicatos convocaram a greve dos trabalhadores para proteger os direitos económicos de todos e de todas e de enfrentar activamente a violência económica perpetrada pelo Estado”, referiu a deputada na sua declaração política.

Para os cenários de “violência política, económica e até mediática”, observou a líder do PHA, o bom senso e o diálogo “seriam os remédios santos”.

“Os angolanos e angolanas merecem uma paz plena em todas as facetas da sua vida, mas já lá vão 22 anos sem termos conseguido acabar com a fome, 22 anos é tempo de sobra para se produzir comida com fartura por mais subterfúgios que se arranjem”, criticou.

Florbela Malaquias, na sua intervenção perante o plenário, manifestou-se ainda solidária com os deputados da UNITA, cuja caravana foi atacada no passado dia 3 na província angolana do Cuando Cubango com resultado de alguns feridos, tendo condenado a “violência gratuita”.

“Não era suposto que isto ocorresse em pleno Abril da paz. Cabe-nos lembrar e recomendar que a paz deve ser cuidada porque ela nunca está garantida”, salientou a parlamentar.

Nimi a Simbi, que interveio em nome da FNLA e do PRS, também manifestou solidariedade aos deputados da UNITA pedindo “responsabilização” aos atores do acto.

UMA VERGONHA COM 49 ANOS

Em Fevereiro, enquanto a secretária de Estado para as Relações Exteriores, Esmeralda Mendonça, afirmava em Genebra (Suíça) que Angola tem dado, nos últimos anos, passos significativos para o fortalecimento do seu quadro legal e institucional em matéria de direitos humanos, em Angola os bispos católicos diziam que os angolanos estão a correr o risco de se habituarem à pobreza e de se acomodarem à miséria, lamentando a degradação socioeconómica da vida das famílias no país.

Continuemos com a propaganda do regime do MPLA. De acordo com uma nota de imprensa, a governante, no Debate Geral do Segmento de Alto Nível da 55ª Sessão do Conselho dos Direitos Humanos (CDH), reafirmou o compromisso de Angola em continuar a promover e proteger os direitos humanos a nível interno e externo, de acordo com os padrões internacionais.

“O processo de reforma do Estado, em curso, tem como prioridade a implementação plena e efectiva da estratégia nacional dos direitos humanos e do plano de acção, como sinal do compromisso para com a realização dos direitos humanos”, salientou a secretária de Estado.

Igualmente, destacou os esforços do Executivo (tal como mandou o seu dono) na garantia do exercício do direito à liberdade de expressão, de imprensa, acesso à informação e segurança dos jornalistas, bem como na melhoria da abordagem pelas forças de defesa e segurança no quadro do direito de reunião e manifestação pacíficas, o funcionamento da figura do juiz de garantia e na consolidação do processo de reconciliação nacional.

Nesta perspectiva, a senhora referiu que Angola entende que, colocar o respeito pelos direitos humanos no centro das políticas públicas é a melhor forma de garantir o bem-estar comum.

Ressaltou que uma governação mais participativa e inclusiva tem igualmente contribuído para a criação de um ambiente de maior confiança nas instituições, através dos encontros do Presidente da República, general João Lourenço, com os vários sectores da sociedade civil, com realce para a juventude, instituições religiosas, autoridades tradicionais, classe empresarial, minorias e grupos vulneráveis.

Esmeralda Mendonça, por outro lado, pediu responsabilidade a todas as partes envolvidas no asseguramento dos direitos humanos, porque “um pouco por todo o mundo, temos assistido com muita preocupação, retrocessos flagrantes, violações e abusos dos direitos humanos que poderiam ter sido evitados”.

Neste sentido, admitiu que a erosão das democracias, a ressurgência de conflitos, o aumento da desinformação, a discriminação, a disseminação do ódio e a persistência das injustiças sociais, põem em causa a coesão das sociedades e continuarão impactar negativamente a realização dos direitos humanos.

Após a comemoração do 75° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Esmeralda Mendonça alertou que esta 55ª sessão do CDH convida todos os Estados-membros a reflectirem sobre a urgência de proteger a capacidade de resposta multilateral para fazer face aos desafios globais em matéria de direitos humanos, sem selectividade, nem duplo padrão.

DEPOIS DA PROPAGANDA A REALIDADE

Os bispos católicos angolanos disseram no dia 28 de Fevereiro que os angolanos estão a correr o risco de se habituarem à pobreza e de se acomodarem à miséria, lamentando a degradação socioeconómica da vida das famílias no país.

“O elenco dos problemas socioeconómicos que desafiam, afligem e sufocam a vida dos cidadãos e das famílias são sobejamente conhecidos e devidamente identificados. Os relatórios das dioceses e estudos sobre a nossa realidade social ilustram bem este quadro, a vida das famílias e dos cidadãos não está fácil”, disse o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), José Manuel Imbamba.

O arcebispo angolano considerou que tal situação deve-se a uma profunda crise de ética, exortando os cidadãos, gestores públicos e privados e políticos à uma análise de consciência.

“A minha convicção é que tudo o que de ruim estamos a viver e a experimentar deve-se a uma profunda crise de ética”, afirmou José Manuel Imbamba, quando falava na abertura da 1.ª Assembleia Plenária dos Bispos da CEAST deste ano, que decorreu na província de Malanje.

Para o prelado católico, a sociedade vive hoje uma era de fragmentação da consciência em relação às referências éticas: “Já não temos um quadro axiológico de unanimidade social como na sociedade tradicional”.

“A consciência do mal, do injusto e do pecado está a desaparecer vertiginosamente, já não incomoda, o sentido de honra e de dignidade já não encaixa no nosso perfil, o egoísmo ou o individualismo está a ofuscar e a banir o sentido do bem comum”, apontou.

Dom Imbamba referiu, por outro lado, que a fragmentação da consciência em relação às referências éticas atingiu “níveis degradantes e irresponsáveis que se traduzem na corrosão, nepotismo, compadrio, amiguismo, clubismo e na vandalização e delapidação dos bens públicos”.

O presidente da CEAST disse também que a produção interna “continua manietada”, a especulação dos preços dos produtos básicos continua em alta, afectando drasticamente o poder de compra dos cidadãos, as empresas angolanas continuam asfixiadas e muitas moribundas “por falta de ética”.

Os cidadãos “vão perdendo o respeito pelas instituições, a política já não visa o bem dos cidadãos, mas sim dos militantes, enfim, por falta de ética a religião tornou-se comércio e muitas igrejas transformaram-se em espaços de depravação, violência e desnorteio”, criticou.

“Esta é a nossa maior e a mais perigosa doença que lentamente nos vai corroendo por dentro”, notou.

O sacerdote defendeu que o país deve fazer uma “grande aposta” na ética aplicada ao serviço público, como instrumento de controlo, visando uma gestão ética do serviço público para não se cair “no descrédito e na inércia repetindo sempre os mesmos erros geradores da miséria, fome, injustiça, insatisfação e desespero”.

“A gestão ética do serviço público transformar-nos-á em cidadãos e funcionários sérios, honestos e responsáveis, exemplares, comedidos, competentes, comprometidos e desapegados, capazes de garantir uma execução à bom nível das políticas públicas traçadas pelo executivo e com um elevado sentido de pertença e de Estado”, concluiu José Manuel Imbamba.

Folha 8 com Lusa

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