“Abandonar a política activa não significa abandonar a presidência”

Eugénio Costa Almeida, investigador angolano-português, alerta que o tempo até à eventual saída do Presidente de Angola (no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos, da política activa, hoje anunciada para 2018, poderá não chegar para preparar um sucessor, com riscos para a estabilidade.

Por Orlando Castro

Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, falava à Lusa após o anúncio de que o Presidente de Angola deixará a vida política activa em 2018, ano em que completará 76 anos.

Em reacção, Eugénio Costa Almeida disse temer que não haja tempo para preparar um sucessor: “Não estou a ver que ano e meio seja suficiente para apresentar uma figura que se torne consensual, abrangente e aglutinadora, salvo se, no interior do partido e dos gabinetes da Cidade Alta, essa situação já esteja a ser preparada há muito tempo sem ser do conhecimento dos angolanos”.

Que os angolanos são sempre os últimos a saber, sobretudo os que são considerados pelo regime como de segunda, não é propriamente uma novidade. Mas, para além disso, um ano e meio, na melhor das hipóteses, é tempo de sobra. Desde logo porque se sabe que as eleições estão marcadas, mas não se sabe se se realizarão. Poderão, por isso, ser adiadas segundo a conveniência do regime, não faltando meios e justificações para que tal possa acontecer.

Quando um regime que está no poder há 40 anos tem a desfaçatez de acusar um pequeno grupo de jovens activistas de rebelião e tentativa de golpe de Estado, é bem capaz de tudo.

Para o investigador, o risco de não estar preparada a sucessão “é haver alguma desestabilização política que possa provocar uma desestabilização social”, numa altura em que Angola vive “uma crise profunda, económica e financeira”.

Esta correcta análise de Eugénio Costa Almeida dá, só por si, corpo a um cenário indiciador de que as eleições serão quando o líder supremo do país assim entender. “Desestabilização política” e “desestabilização social” são possibilidades mais do que suficientes para que, com a cobertura internacional, o regime determine quando e como se realizarão eleições.

Eugénio Costa Almeida, um dos mais reputados especialistas em questões africanas, com realce para Angola, afirmou ainda não ser claro o significado das palavras de José Eduardo dos Santos no anúncio de hoje.

“Deixa-me duas questões prévias: vai abandonar a política no geral e simultaneamente a presidência, caso seja o número um e o MPLA ganhe as eleições em 2017; ou na perspectiva de que vai deixar a política em 2018 já não se candidatará?”, questionou, acrescentando aquela que é a verdade das verdades: Mesmo que “abandone a política activa não significa que abandonará a presidência”.

Pois é. O mais certo é José Eduardo dos Santos ser o candidato do MPLA na eleição indirecta (cabeça-de-lista do partido), em 2017 ou noutra data qualquer, ganhar folgadamente (como é timbre nas ditaduras) e depois calmamente passar o testemunho a um outro qualquer “Eduardo dos Santos”, devidamente formatado, domesticado e controlado.

Caso se concretize a saída da Presidência, diz Eugénio Costa Almeida, o MPLA deve começar a preparar alguém que efectivamente mereça a credibilidade junto da população e, principalmente, do bureau político do MPLA.

Como especialista em questões angolanas, Eugénio Costa Almeida sabe que, na versão factual, tal como o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, José Eduardo dos Santos é o MPLA e o MPLA é José Eduardo dos Santos. Dizer-se que o MPLA deve começar a preparar alguém é tapar o Sol com uma peneira. Quem prepara, quem determina, o sucessor é Eduardo dos Santos. Tudo o resto é paisagem.

“Isto já devia ter sido anunciado há mais tempo e devia ter começado a ser preparada a continuidade dentro do partido com maior calma, maior ponderação”, afirma ainda Eugénio Costa Almeida com aquela ingenuidade que nos caracteriza a todos: pensamos que Angola é aquilo que não é – Um Estado de Direito Democrático.

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