Impostos sim, comida… talvez

Um programa pedagógico da Administração Geral Tributária (AGT) angolana vai tentar sensibilizar a sociedade civil para a necessidade de pagamento de impostos, começando por ‘formar’ cerca de 100 mil estudantes de todo o país. E para dar de comer a quem tem fome (60% da população vive na miséria) o que se está a fazer?

S egundo informação transmitida hoje à Lusa por fonte da AGT, do Ministério das Finanças, esta campanha envolve também o Ministério da Educação e arranca na segunda-feira na escola Ngola Nzinga, em Luanda, a primeira de 200 estabelecimentos escolares de todo o país a receber a iniciativa.

“Por meio de material didáctico específico e de um filme pedagógico, a metodologia adoptada visa aliar os conteúdos a uma componente lúdica, capaz de simplificar várias manifestações de cidadania, despertando o interesse das crianças pela vida em sociedade de uma forma correta”, explica a AGT.

Sobre a necessidade de pagamentos de impostos, abordada na campanha, serão desenvolvidas, até Fevereiro de 2016, iniciativas pedagógicas junto de um universo de 100 mil estudantes do primeiro ciclo do ensino secundário, entre os 11 e os 15 anos, nas 18 províncias do país.

A iniciativa surge numa altura em que o Governo tenta diversificar as origens das receitas fiscais, concentradas na exportação de petróleo – que por sua vez caíram para metade nos últimos meses devido à quebra na cotação internacional do barril de crude -, e envolverá quatro mil professores daquele nível de ensino, mas também pais, encarregados de educação e familiares.

“Para garantir uma progressão contínua da apreensão dos conceitos apresentados”, explica a AGT, sublinhando tratar-se de uma campanha enquadrada “num amplo projecto educativo” envolvendo actividades de carácter formativo e informativo.

Recorde-se, por muito que isso desagrade aos donos do país e aos seus autómatos da ONU, CPLP, UE e UA, que uma em cada seis crianças angolanas morre antes de completar cinco anos. Os dados são, aliás, da Unicef e levaram Nicholas Kristof, colunista do The New York Times, até Angola para perceber este problema.

O dono do país, José Eduardo dos Santos sorri e a comunidade internacional aplaude-o.

“Este é um país repleto de petróleo, diamantes e milionários que conduzem Porsches e crianças a morrer à fome”, diz Nicholas Kristof na sua reportagem sobre a mortalidade infantil em Angola.

Para além dos números preocupantes relativos à mortalidade infantil, os dados indicam ainda que mais de um quarto das crianças está fisicamente afectado pela subnutrição e que os casos de morte materna durante o parto são de 1 em 35.

A taxa de mortalidade das crianças até aos 5 anos de idade é um indicador do bem-estar infantil e calcula a probabilidade de morrer entre o nascimento e os 5 anos, expresso por cada 1000 nascimentos vivos. Segundo um novo relatório da Unicef, Angola registou um valor de 164 crianças – um número apenas ultrapassado pela Serra Leoa, que ocupa o 1º lugar da tabela com uma taxa de mortalidade de 182 crianças.

As Nações Unidas pretendem, com a publicação deste tipo de estatísticas, oferecer um retrato detalhado das circunstâncias das crianças em todo o mundo. Esta nova tabela da Unicef pretende proporcionar aos governos factos sobre os quais se possam basear nas suas tomadas de decisões que ajudem a melhorar a vida das crianças

O relatório aponta também que Angola é um dos países menos desenvolvidos em todo o mundo, num conjunto de países assim classificados pelo Escritório do Alto Representante das Nações Unidas para os Países Menos Desenvolvidos, Países em Desenvolvimento Sem Litoral e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (UNOHRLLS)

As fontes para os valores presentes no relatório sobre esta taxa de mortalidade surgem de um grupo formado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA) e o Banco Mundial.

Vejamos, entretanto, o que disse o Presidente da República não eleito nominalmente e no poder desde 1979 , José Eduardo dos Santos, por ocasião do 1 de Junho de 2011, Dia Internacional da Criança.

Na mensagem do dono disto tudo lia-se: “Hoje, Dia Internacional da Criança, queremos saudar as crianças do nosso país e do mundo, fazendo votos para que lhes seja prestada uma atenção cada vez mais activa e empenhada na resolução dos seus múltiplos problemas”.

Eduardo dos Santos, tal como faz com os adultos que o não idolatram, enxovalha desde logo 45% das crianças angolanas que sofrem de má nutrição crónica, gozando com a chipala faminta de 25% delas (uma em cada quatro) que morrem antes de atingir os cinco anos de idade, bem como com as que são geradas com fome, nascem com fome e morrem pouco depois… com fome.

Angola é, aliás, o país lusófono com a maior taxa estimada de mortalidade de menores de cinco anos (167 mortes em cada mil crianças nascidas vivas) e aquele em que foi menor a taxa de redução anual entre 1990 e 2013. Em 2013 Angola ocupava a segunda posição mundial na mesma tabela com 164 mortes. Num ano regredimos três posições. É certamente um motivo de orgulho para o regime e para os seus líderes, ou não?

Na mensagem, o dono disto tudo (chamem-lhe regime, monarquia ou república) dizia que “cabe nesta hora reiterar os compromissos em relação à criança já assumidos pelo nosso Governo, em colaboração com o Sistema das Nações Unidas e com outros parceiros sociais, no sentido de lhe garantir uma maior esperança de vida ao nascer”.

Como se não bastasse às crianças (às que não são da casta de Eduardo dos Santos) passarem pelo que passam, ainda têm de suportar um presidente que finge estar preocupado mas que, de facto, nada faz para resolver as suas carências, muitas delas maiores do que as que se verificam no tempo colonial.

Eduardo dos Santos tem, aliás, a lata de dizer que essa garantia, para além do registo de nascimento e da educação na primeira infância, envolve também a segurança alimentar nutricional, os cuidados médicos primários, a prevenção e o combate contra a violência, a criação de espaços lúdicos, a protecção social, o respeito pelos seus direitos e o reforço das competências familiares.

“Julgamos que deste modo estaremos a criar as condições para que as nossas crianças cresçam saudáveis e tenham desde muito cedo à sua disposição tudo o que merecem, pois são elas que constituem o futuro e que vão prosseguir os nossos actuais esforços para transformar Angola num país próspero, moderno e democrático, onde o bem-estar de cada um se reflicta no bem-estar geral”, realçou (em 2011) o “querido líder”.

Na verdade, quem melhor reflecte a situação angolana é Kundi Paihama, governador do Huambo e empresário milionário, quando diz: “durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.

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