A empresária angolana Tchizé dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, acusou hoje o chefe de Estado, João Lourenço (escolha pessoal do seu pai), de a perseguir, ao pedir informações sobre os seus bens em Portugal, à semelhança de outros angolanos.
“Quem não deve não teme, cada país pode pedir a lista de bens que quiser”, afirmou Welwitschea dos Santos, conhecida por Tchizé dos Santos, comentando as notícias de que o seu nome está numa lista de angolanos cujos bens em Portugal foram coligidos pela “justiça” portuguesa a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola que, aliás, forneceu à PGR portuguesa a listagem das pessoas que queria ver investigadas.
“Já sabemos que o Presidente João Lourenço tem uma campanha de perseguição contra a minha pessoa”, disse, numa mensagem enviada a jornalistas, Tchizé dos Santos, que recusa qualquer favor político na construção do seu império financeiro, que tem suporte no sector dos media e bancário e que, durante muito tempo, serviu para lixiviar a putrefacta actividade do seu partido, o MPLA.
“Sempre fui empreendedora, fundei dois bancos em Angola. Graças a Deus não foi com dinheiros públicos”, explicou, dizendo confiar na justiça.
“Não estou preocupada, se o Presidente João Lourenço me quiser perseguir até à `Cochinchina`, que persiga”, acrescentou a empresária, que está casada com um cidadão português e sustentou ter feito vários investimentos em Portugal, sem os enumerar.
“Há livre iniciativa e ainda não está proibido aos empresários investir fora do país”, salientou, considerando que esta “perseguição está a sair cara” ao executivo angolano. Na verdade, a perseguição está a sair cara, muito cara, não ao executivo (do MPLA) mas aos angolanos que continuam a não conseguir viver sem…comer.
O nome de Tchizé dos Santos costa de uma lista entregue pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal de Portugal às autoridades do MPLA, que se refere a uma lista de bens de cidadãos (escolhidos a dedo por Luanda) angolanos no país e que estão a ser investigados pela sucursal do MPLA que dá pelo nome de PGR e é dirigida pelo general Hélder Fernando Pitta Gróz.
Fonte ligada ao processo confirmou à agência Lusa a existência um relatório pormenorizado, com saldos bancários, imóveis e transacções bolsistas.
Segundo o jornal Correio da Manhã, este relatório cumpre uma carta rogatória que a PGR entregou há um ano, que incluía uma listagem de dezenas de nomes, entre os quais a irmã de Tchizé dos Santos, Isabel dos Santos, que está a ser investigada pela justiça angolana e que tem vários bens em Portugal, incluindo participações direitas ou indirectas em empresas.
Leopoldino do Nascimento (Dino), José Filomeno dos Santos – outro filho do antigo presidente -, Manuel Hélder Vieira Dias (Kopelipa) ou João Maria de Sousa são outros dos nomes dessa lista.
Álvaro Sobrinho e Manuel Vicente não entram na listagem. Parafraseando o socrático juiz português Ivo Rosa, os casos destas duas personagens terão prescrito e por isso… siga a orgia.
Tentemos perceber como é que tudo isto funciona. A Procuradoria-Geral da República (do MPLA) informou no dia 25 de Junho de 2018 ter recebido da congénere portuguesa a certidão digital integral do processo envolvendo o antigo presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, mas explicando que só com a recepção em formato de papel poderia continuar as diligências.
Em comunicado, a PGR (que continua a mostrar ser mais do MPLA do que de Angola) confirmava ter recebida a certidão digital em 19 de Junho, na qualidade de “autoridade central para efeitos de cooperação judiciária internacional em matéria penal”, do processo que corria no tribunal de Lisboa, “na sequência da sua transferência para continuação do procedimento criminal em Angola”.
“A PGR de Portugal, no ofício de remessa do referido expediente, mencionou o envio do processo em suporte físico, isto é, da certidão integral em formato papel tão logo seja concluída a respectiva feitura”, lê-se no comunicado.
No entanto, a PGR angolana alertava que, nos termos do artigo 4.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-membros da CPLP, o pedido de auxílio é cumprido “em conformidade com o direito do Estado requerido”.
“Não existindo no ordenamento jurídico angolano regras processuais que admitam processos em formato digital, a PGR de Angola aguarda que lhe seja remetida pela sua congénere o processo em formato de papel, para ulteriores trâmites”, lê-se ainda.
Muito provavelmente a PGR do MPLA tem carradas de razão. O papel é tudo, é uma parte da sua história identitária. Sem ele o partido, o Estado, o regime não teria tanto encanto. Aliás, a orgia que se presume será a fogueira em que os altos dignitários do MPLA procederão à queima do processo não se poderia realizar sem… papel.
A PGR de Portugal confirmou em 22 de Junho que a certidão do processo Operação Fizz, relativo ao antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente já fora enviada para a congénere angolana, avançando que “previsivelmente será, igualmente, enviada à PGR de Angola a certidão em suporte de papel, a qual, atenta à respectiva dimensão, só agora foi entregue ao Ministério Público português”.
Manuel Vicente é apontado como uma personagem central da política angolana, tendo sido vice-presidente de José Eduardo dos Santos e durante vários anos o “senhor Sonangol”, um dos poucos que transitaram do ciclo mais próximo do antigo Presidente para o actual, junto de quem ocupa o influente cargo de conselheiro para o sector da energia.
Manuel Vicente foi a base do “irritante” que dificultou as relações diplomáticas entre Portugal e Angola em 2018, e que só terminou quando o Ministério Público português se rendeu enviando, em Maio desse ano, a investigação para o MPLA, da qual não se conhecem mais avanços, além da condenação pela Justiça portuguesa, em Dezembro, do procurador Orlando Figueira a seis anos e oito meses de prisão efectiva.
Depois do envio da parte do processo que envolvia Manuel Vicente para o MPLA, as relações políticas entre os dois países melhoraram consideravelmente, incluindo visitas presidenciais recíprocas, promessas de amor eterno, bajulação eterna etc..
Na entrevista em Portugal, após um encontro com a Procuradora-Geral da República portuguesa por causa da investigação à empresária Isabel dos Santos, o general Hélder Pitta Gróz também rejeitou que a justiça do MPLA seja “selectiva” e que só visava a família e amigos próximos do ex-Presidente.
A Justiça em Angola é “selectiva porque só vai agir contra aqueles que cometeram actos ilícitos penais”, mas “actua sobre todos”, disse o PGR, dando o exemplo de outros políticos condenados no passado recente.
Um dos parceiros preferenciais de negócio de Isabel dos Santos era o general Leopoldino do Nascimento “Dino”, do círculo próximo do ex-Presidente, mas Hélder Pitta Gróz defendeu que os casos foram diferentes. “Não estou em defesa do General Dino, mas ele nunca ocupou um cargo de gestão do erário, daí não ser tão fácil chegar-lhe”, referiu. Recordam-se?
No entanto, o general e empresário na área das telecomunicações (parceiro da Isabel dos Santos na operadora móvel Unitel) “fez a devolução do valor que estava em dívida para com a Sonangol e, chamado, cumpriu com a obrigação que havia e fez a devolução do valor correspondente”, revelou o igualmente general Pitta Gróz.
Leopoldino Fragoso do Nascimento foi o antigo responsável pelas telecomunicações presidenciais entre 1995 e 2010, tendo sido também ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança durante o reinado de José Eduardo dos Santos.
“Dino” fez parte do chamado triunvirato que gravitava à volta da família de José Eduardo dos Santos, juntamente com o general Hélder Vieira Dias Júnior (“Kopelipa”) e o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente.
Entre as principais participações empresariais conhecidas estavam o Banco Económico, que resultou da falência do Banco Espírito Santo Angola, o grupo de comunicação social português Newshold, e a participação de 15% na Puma Energy.
No final de 2019, a Polícia Judiciária portuguesa terá interceptado uma transferência de 10 milhões de euros da conta de “Dino” no Millenium BCP a caminho da Rússia, acreditando-se que o destinatário era Isabel dos Santos, o que o general desmentiu.
Folha 8 com Lusa