A verdadeira marca registada do MPLA

Por estes dias, vagueando pela internet, em sítios sobre notícias sobre Angola, passei por um título deveras interessante, “Angola tem mais de 64.000 marcas registadas”. Para ser mais preciso, o referido montante é de 64.968 marcas. Veio-me logo à cabeça, mas falta uma! De facto o número correcto deveria ser de 64.968 + 1. Este mais um é a marca que faltava, é a grande marca registada do MPLA. A sua referência máxima! O seu paradigma! O seu nec plus ultra em termos de competência! O lixo!

Por Carlos Pinho (*)

É verdade! Tendo eu saído de Angola em Outubro de 1974, só voltei ao país, independente, no início de Abril de 1992, quase dezoito anos depois. Ironicamente viajei do Porto para Luanda no início de Abril, não sei se a 1 ou 2 desse mês. Independentemente do dia real da minha viajem e retorno a Luanda (pois é, sou um retornado, mas por ter retornado à minha terra, se bem que por um curto período de tempo), quando saí do aeroporto de Luanda e comecei a circular pela cidade, interroguei-me se não estava a viver uma grande mentira, assim a modos que uma mentira do Primeiro de Abril. Pensei que alguma bebida no avião me teria afectado os sentidos ou se porventura, por qualquer razão desconhecida, eu tinha entrado em transe.

Mas depois pensei melhor e constatei que aquilo porque estava a passar, foi única e exclusivamente por culpa minha. Desde a minha saída em Angola, mais concretamente da minha cidade, Luanda, em Outubro de 1974 até àquele dia no início de Abril de 1992, em que eu amargamente caí na real, tinha-me recusado aceitar aquilo que todos os que conheciam bem a realidade da Angola governada pelo MPLA, me diziam.

Tal como S. Tomé, eu, homem de pouca fé, tive de ver para crer. Não acreditava, mesmo naqueles que me eram os mais próximos, como os meus pais, que apenas tinham saído de Angola em Outubro de 1979, desiludidos e desenganados com a governação esclarecida do MPLA, e que me diziam que me deixasse de lirismos, porque o país estava a ser alegremente destruído, não só por uma guerra civil irresponsável, mas também por uma governação perfeitamente descabida.

Meu pai dizia-me, quando eu preparava entusiasmado, naquele já longínquo ano de 1992, a minha viagem para Luanda, “Vais levar com um balde de água fria, aquilo foi tomado por malandros e bandidos e ainda por cima é uma grande lixeira”.

Só um à parte, ainda hoje um amigo meu, angolano, quando se refere à governação do MPLA, repete incessantemente, “São uns bandidos”.

De facto, o lixo em Luanda 1992, não tinha a escala actual. Por exemplo, nas últimas vezes que fui a Angola, 2017 e 2018, a quantidade de lixo que empestava as ruas de Luanda era notável. Aliás, o mesmo se passava em Benguela e no Lobito. Nomeadamente, em Benguela, era patético ver as senhoras a varrer o pó das ruas da cidade, com umas vassouras miseráveis, vergadas pelo esforço e carregando um filho no colo. No fundo andavam a passear a poeira de um lado para o outro. E na berma da bela estrada que liga Benguela ao Lobito há locais onde a acumulação de lixo era, para quem viveu em Angola no tempo colonial, um espanto. O mesmo se passava nas margens da via Expresso em Luanda. Ou seja, para onde quer que se olhasse só se viam montureiras.

Comparativamente ao que se passava nestas cidades no tempo colonial, e refiro-me a Luanda, Benguela e Lobito, que foram aquelas por onde mais andei já no tempo da Angola independente, constatei que estas cidades foram paulatinamente convertidas em grandes lixeiras.

Mas, voltando a 1992, ao deambular por Luanda naquela altura, tive de entrar em diversos edifícios da baixa e constatei que em alguns deles a caixa dos elevadores não era mais do que uma imensa conduta de descarga e acumulação de lixo doméstico, libertando por isso um cheiro nauseabundo ao que se somavam odores a urina e a fezes. Nas ruas havia caixas estacionárias para recolha e transporte de lixo, que por lá ficavam semanas a fio, onde pessoas catavam o que podiam. E o mesmo cheiro infernal, perto destas. Foi um tratamento de choque aquela minha viagem e estadia em Luanda no ano de 1992. Valeu-me a simpatia de muito boa gente que fui encontrando nos cerca de dois meses que lá passei. Gente que ainda vivia no rescaldo da ilusão de um poder popular, da construção de uma nova nação, mas que começava a constatar com espanto, que afinal os dirigentes do país eram uma boa peça.

Essas pessoas bem-intencionadas não iam a mais do que isto, na apreciação da classe dirigente, presumo por terem ainda uma crença de que as coisas se pudessem endireitar. Vi nelas uma certa ingenuidade magoada, uma constatação de uma certa irreversibilidade de sonhos destruídos, embora ainda mantivessem uma réstia de esperança, numa Angola livre, independente e melhor do que aquela em que lhes era dado viver.

Fui ao Hotel Turismo para me encontrar com funcionários do tempo dos meus pais, até 1979 o meu pai foi gerente daquele hotel, e constatei com espanto que baratas andavam a passear pelo balcão da recepção do hotel, perante a indiferença do funcionário que me atendeu. Essa indiferença perante o lixo, pela porcaria, pelos animais rastejantes comedores de lixo, passou a ser, para mim, a imagem de marca de quem tinha responsabilidades em Angola.

Desde responsabilidades ao mais alto nível, que se constatavam ausentes na gestão urbana da cidade capital, até às responsabilidades de um mero funcionário que num balcão de uma recepção de um hotel, não entendia que a imagem de marca da empresa onde trabalhava, ficava imediatamente maculada logo numa primeira impressão.

Nunca no meu tempo de vida em Angola tinha visto tanta inconsciência, tanta indiferença pelo bem comum!

Não, não estou a fazer a apologia do colonialismo. Estou sim, é a fazer a desapologia, passe o neologismo, do governo do MPLA. Sei que foi principalmente em cidades como Luanda, Benguela e Lobito que se acoitou a grande maioria dos refugiados da guerra civil, mas por isso mesmo, pela grande pressão demográfica e social que começou a acontecer e que se sabia que só iria aumentar, é que não se percebe porque é que o partido do governo nunca mexeu uma palha para resolver esta questão.

E não resolveu por um conjunto muito sucinto de razões. Em primeiro lugar o MPLA recebeu de mão beijada o governo de Angola por parte do MFA, português. Tanto o MPLA como os outros dois movimentos, FNLA e UNITA, sabiam que não tinham gente em quantidade e qualidade para governar um país como Angola. Não descansaram enquanto não puseram a andar os portugueses e todos aqueles que estavam mais ou menos ligados a eles, luso descendentes brancos e mestiços e mesmos os negros, que não iam à bola com os movimentos independentistas, porque os conhecimentos que tinham das realidades africanas pós-independência já lhes tinham dado mostras daquilo que aí viria. Foi, a evidência experimental o tem demonstrado à sociedade e à saciedade, uma vitória pírrica!

Mas pronto, os dirigentes que pegaram no país, podiam ter sido poucos e malformados, mas poderiam estar cheios de boa vontade. Ao menos poderiam ter sido honestos, sinceros e acima de tudo patriotas. Mas não, foi gente do piorio que alcandorou no poder, fez as tropelias possíveis e impossíveis, e até à data para nós imaginárias, para manter o seu status quo de grandes líderes e criadores da pátria. Os crimes por eles praticados estão impunes até hoje, graças a uma hipocrisia instalada nos corredores do poder e de que o 27 de Maio de 1977 e acontecimentos subsequentes, são o seu paradigma máximo.

Mas a tal falta de honestidade pessoal, profissional e política, a total falta de amor pátrio levou e continua a levar ao saque das riquezas da nação, por uma minoria dita esclarecida. E nunca digam que faltava dinheiro! Não, dinheiro nunca faltou ao Governo de Angola! Havia muito petrodólar, só que sempre foi mal aplicado e de facto muito dele foi desviado por caminhos ínvios.

O actual exemplo do problema do lixo em Luanda, impulsionado pela acção das chuvas é a prova cabal da falta de seriedade na governação do país. Pois, tivessem os governantes sido sérios, ou seja, se tivessem a capacidade de constatar a sua pouca competência para resolverem os problemas da governação, deveriam ter ido buscar pessoas competentes e honestas para os ajudar a resolver os problemas da nação. Não há vergonha nenhuma em ir buscar os melhores para nos ajudarem! A vergonha é precisamente não o fazer! Não aceitar humildemente as nossas próprias limitações! Não ter um mínimo de inteligência para reconhecer tais limitações e andar para a frente.

No respeitante aos lixos urbanos, dou um exemplo muito simples, vejam o que foi feito e está a ser feito no âmbito da Gestão de Resíduos do Grande Porto, em Portugal (https://lipor.pai.pt/). Basta consultarem a página da internet referida e mais não direi. Mas não precisa de ser um exemplo português, podem procurar em outros países do mundo geridos por gente séria e competente. Repito e sublinho, países geridos por gente séria e competente.

Sim, nada de arregimentar uns amigalhaços para se sacarem alegremente mais umas massas ao erário público!

Ah! E por favor, ao mandarem a tropa limpar o lixo de Luanda, vejam se estes não começam aos tiros ou à pancada aos populares, que vão deitando lixo nas vossas queridas montureiras. Não façam como fizeram com o desgraçado do médico que foi morto à porrada só porque andava a conduzir a sua viatura sem máscara.

Ao mesmo tempo que estão a fazer essa campanha militar-propagandística de limpeza de Luanda, iniciem uma campanha educativa e muito diplomática por forma a levar os cidadãos a serem mais cuidadosos com o destino dos seus resíduos. Não se esqueçam que Luanda em particular e Angola em geral, chegou onde chegou, principalmente por vossa culpa, a culpa das autoridades e governantes. Como se diz na história de Portugal, rei fraco faz fraca a forte gente.

Essa gente porca que polui desbragadamente o país, é apenas o reflexo de vós próprios, senhores do MPLA!

(*) Professor na FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

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