Angola não conseguiu recuperar, de forma voluntária, qualquer capital financeiro, mas, coercivamente já tem nos cofres perto de 4.000 milhões de dólares (3.480 milhões de euros) em dinheiro e bens conseguidos desde Dezembro de 2018. A garantia é da PGR. Será mesmo assim?
A informação foi avançada pela directora nacional dos Serviços de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, Eduarda Rodrigues, na conferência sobre prevenção e combate à corrupção, acto central das celebrações dos 40 anos de existência da PGR angolana.
Eduarda Rodrigues, que abordou o tema pela primeira vez em Angola, disse que, infelizmente, ao abrigo da Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros, não houve qualquer entrega voluntária de capitais.
“Isto estava entregue às instituições financeiras. Quem tivesse retirado de forma ilegal proveitos e benefícios do Estado, tinha seis meses para o devolver a qualquer instituição financeira em Angola, desde que estivesse sob superintendência do Banco Nacional de Angola (BNA). Mas o facto é que, na prática, não tivemos notícias de repatriamento voluntário de capitais”, disse Eduarda Rodrigues.
Segundo a magistrada, esta lei, que dava o prazo de seis meses – de 26 de Junho a 26 de Dezembro de 2018 – “era uma verdadeira amnistia” que, “infelizmente, não foi aproveitada”.
Eduarda Rodrigues sublinhou não perceber porque é que não foi aproveitado o prazo de entrega voluntária, aventando como possíveis motivos o “desconhecimento (da lei) e a descrença na justiça”.
“Talvez não se acreditasse que avançássemos para a fase coerciva. O facto é que não aconteceu. Mas estamos aqui para trabalhar e dar o nosso melhor e acreditamos que vamos recuperar muitos activos”, disse.
Eduarda Rodrigues disse que foram recuperados já, em recursos financeiros – além dos 2,3 mil milhões de dólares (2.000 milhões de euros) e cerca de mil milhões de dólares (870 milhões de euros) em património do Fundo Soberano de Angola – dentro do país 2.400 milhões de kwanzas (6,6 milhões de euros), 19,3 milhões de dólares 16,8 milhões de euros) e uma pequena quantia de 143 euros.
Do estrangeiro, o Estado angolano conseguiu recuperar 3,5 milhões de euros, 477.200 dólares (415 mil euros) e 10,2 milhões de reais (2,3 milhões de euros).
Angola recuperou ainda em activos 20 imóveis no país, quatro outros no estrangeiro, além de cinco viaturas e uma embarcação.
De acordo com a directora Serviços de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República, estão em curso trabalhos sobre processos de empresas privadas criadas com fundos públicos, prevendo-se, para breve “mais novidades muito boas para avançar à sociedade”.
A magistrada disse que nesta altura, em que decorre o processo ao abrigo da Lei de Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens, aprovada em Dezembro de 2018, “há cidadãos que voluntariamente estão a aparecer nos serviços de recuperação de activos”, para “entregarem o seu património, que foi adquirido de forma incongruente”.
“Temos muita informação a chegar e acho que é prematuro levantar dados agora. O serviço é novo, foi criado em Dezembro, fui nomeada em Janeiro, trabalhei sozinha durante dois meses e só agora é que os meus colegas começaram a trabalhar. Temos muito que trabalhar, mas estou muito expectante e acho que vamos recuperar mesmo muitos activos para o Estado”, salientou, indicando que, também em breve, se saberão os nomes dos envolvidos.
Nesta luta contra a corrupção, a PGR angolana, avançou Eduarda Rodrigues, quer passar a mensagem à sociedade de que “o agente que praticou o crime não pode ficar com os benefícios do crime”.
“Ou seja, nós temos notícias de pessoas, que até tiveram uma condenação, cumpriram a condenação e que, quando saíram das cadeias, ficaram com todo o património que retiraram do Estado. Ainda se ficaram a rir. O que nós viemos fazer é contrariar essa realidade, viemos demonstrar que o crime não compensa”, referiu.
Em 2017, a PGR angolana introduziu em juízo 12 processos referentes a crimes contra a corrupção, branqueamento de capitais e abuso de confiança, mas em 2018, o número subiu para 637, havendo já este ano, apenas na Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção, cerca de 100 processos.
Seriedade procura-se e a PGR não procura
A Procuradoria-Geral da República garantiu que, no seu suposto grande feito – o Fundo Soberano – não fez qualquer acordo com o empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais que, depois de seis meses em prisão preventiva, foi posto em liberdade no dia 22.03.19. Então o que fez?
Porque é que, então, Jean Claude de Morais esteve preso, se todos os contratos e a gestão dos fundos, por ele geridos, foram lícitos, segundo a análise e o veredicto da própria PGR?
Se os contratos foram leoninos, que são aqueles que penalizam uma das partes, no caso o Estado, logo, não estamos na presença de um crime, mas de um ilícito cível, com o fundamento de que o contrato apresentava cláusulas que prejudicavam uma das partes, logo nunca poderia ter havido processo-crime, mas movida uma acção cível, por estarmos diante de um bem obviamente reparável.
Isso mesmo fez questão de dizer a procuradora, que da análise de todos as peças do processo, os contratos celebrados entre o Fundo Soberano de Angola e a Quantum, foram lícitos e se o foram, o agente não pode ser penalizado, com a agravante de ter sido encarcerado de forma partidocrata e não em respeito de facto às leis do país.
Neste caso, inexistindo ilícito, na gestão do dinheiro do Fundo Soberano e na natureza e objecto dos contratos (afirmou a própria PGR), para o prosseguimento ou para o espoletar de uma medida reivindicativa judicial, alguém teria de intentar uma acção cível de anulação do contrato, sob alegação da existência de cláusulas leoninas. Aqui chegados, sob comprovada verificação, o contrato seria anulável, logo, em cumprimento rigoroso e imparcial do Direito, nunca este dossier, voltamos a repetir, pela afirmativa da PGR, deveria ser endossado para a via do crime, com a consequente prisão preventiva de pessoas, visando, alegadamente, a recuperação de um bem localizado e identificado.
A existência de um processo-crime pressupõe a ocorrência de um facto subsumível num preceito da legislação penal, daí estar ancorado no brocardo romano: “Nullum crimem, nullum legem”.
A magistrada estará a assumir ter a PGR violado de forma flagrante, grosseira e masoquista a CRA (Constituição da República de Angola), no seu art.º 66.º, n.º1: “Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas de liberdade ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida” e, também, a lei, que na inexistência de um crime inibe a justiça de enquadrar o agente na esfera penal?
Ou, numa clara pirotecnia jurídica o Ministério Público assumir não abdicar do princípio ditatorial-fascista de “prender para investigar”, como sendo este um dever revolucionário, que lança âncora à coacção do agente, para o levar a ajoelhar, humilhar-se e rezar o pai nosso, de acordo com a cartilha do reino dominante?
Apenas, repare-se, a gravidade das palavras, “promoveu a negociação entre as partes”.
Estranho e “sui generis” é este conceito de Justiça do dito Ministério Público, avançado pela directora nacional de Recuperação de Activos da PGR, Eduarda Rodrigues, salientando que aquele órgão de justiça angolano “não tem legitimidade para o efeito”.
Não é verdade porquanto ela pode actuar em defesa dos interesses do Estado e também dos cidadãos, sendo que no caso, está ao lado do primeiro.
Negociação destapa prisão sem crime
Então não foi um acordo mas uma negociação? E se a negociação resultou (na perspectiva da PGR), isso não deu origem a um acordo? É que se não houve acordo não houve negociação. Se houve negociação entre as partes com o resultado que se conheceu, então essas partes chegaram a acordo.
“O que sucedeu foi que a Procuradoria-Geral da República, enquanto representante do Estado angolano, promoveu a negociação entre as partes, o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) e Jean-Claude Bastos de Morais e as partes Quantum, com vista à recuperação dos activos, que estava sob a guarda e gestão de Jean-Claude”, adiantou Eduarda Rodrigues.
“E fizemo-lo com base no histórico que fomos verificando. Quando o processo-crime começou, o que sucedeu é que o FSDEA não dispunha de grande informação, nem de documentos necessários que ajudassem”, referiu.
A senhora procuradora esqueceu-se, talvez devido a um ataque de amnésia (segundo o por ela vertido), nada se enquadrar na tipologia penal. Contratos eram legais, a gestão era legal, logo não há crime e tendo a investigação andado por este carreiro, violou e lesou, deliberadamente, direitos fundamentais do cidadão.
De acordo, ainda, com Eduarda Rodrigues, foram celebrados vários contratos entre o empresário Jean-Claude Bastos de Morais e o FSDEA, durante a administração de José Filomeno dos Santos, “que eram extremamente lesivos ao Estado e extremamente benéficos para Jean-Claude e o grupo, permitindo, inclusive, que as empresas do grupo Quantum criassem novas estruturas nas Ilhas Maurícias, que eram consideradas sociedades em comanditas”, disse.
Como se pode ler, a magistrada refere a expressão “extremamente lesivos”, nunca extremamente ilícitos, e quando assim é, a contradição destapa as insuficiências da investigação do Ministério Público que recorreu à força na resolução de um contrato que apela à anulação de cláusulas leoninas.
Referindo-se aos bens imóveis adquiridos, disse que essas estruturas faziam com que o Estado angolano e o FSDEA perdessem “completamente a visibilidade dos negócios que fossem efectuados entre essas empresas criadas com terceiras pessoas”.
“Ou seja, o FSDEA não tinha noção do que se passava, não sabia que tipo de investimentos é que existiam, não tinha conhecimento dos investimentos”, disse Eduarda Rodrigues, salientando que nem existiam os relatórios trimestrais que o grupo Quantum deveria elaborar para esclarecer o ramo de investimentos e o tipo de investimentos efectuados.
“Na prática, na nossa investigação, não conseguimos receber do Fundo Soberano esses relatórios, não conseguíamos receber sequer a identificação do património existente, não tínhamos noção de nada. A PGR teve de se socorrer da cooperação internacional”, referiu.
Se para a interpretação de um contrato, por mais leonino que seja, a Procuradoria-Geral da República é incompetente, tendo de apelar a socorro noutras paragens, estamos diante de um órgão capaz de acusar por dá cá aquela palha.
A par de Angola, indicou a magistrada, havia processos cíveis a decorrer no Reino Unido, Ilhas Maurícias e Suíça, para a recuperação desses activos. Contudo, “olhando para os contratos”, disse a magistrada, Angola dificilmente conseguiria recuperar o seu património. “Porque, infelizmente, nós, de forma legítima e legal, cedemos através desses contratos os nossos dinheiros a Jean-Claude Bastos de Morais”, asseverou.
Essa afirmativa é a cereja no topo do bolo partidário, pois se o Conselho de Ministro cedeu essa prerrogativa ao agente, ele não pode ser culpabilizado, criminalmente.
Regime actual também não apresenta contas
Por altura da criação do FSDEA, recordou Eduarda Rodrigues, foram alocados os 5.000 milhões de dólares (4.415 milhões de euros) para investimentos que foram subdivididos, no âmbito da sua própria política de investimentos aprovada por decreto presidencial, em três modalidades, sendo que 1.500 milhões de dólares (1.324 milhões de euros) seguiam para activos líquidos – produtos financeiros -, três mil milhões de dólares em activos alternativos, para investir em minas, florestas, hotéis.
“É sobre este valor que o Estado angolano se debatia”, disse. “Os outros montantes sempre estiveram sob a esfera de disponibilidade jurídica do Fundo Soberano, porque estes valores de 1.500 milhões de dólares já estão sob a égide do Fundo Soberano desde o início”, referiu.
Mas hoje, como ontem, também, a nova tribo governante, que abomina os ditos marimbondos, não apresenta contas à gestão dos 1.500 milhões de dólares, numa clara demonstração de nada ter parado e alterado o regabofe do esbanjar financeiro, sustentado por uma impunidade elitista de quem manda.
“O Fundo Soberano já conseguiu recuperar a totalidade do valor, o que estava em falta que eram os 3.000 milhões de dólares (2.650 milhões de euros), que foram alocados nos investimentos alternativos e foram entregues a Jean-Claude para investir em estruturas de ‘private equity’ (capital privado) nas Ilhas Maurícias, nessas sociedades que foram constituídas estruturas que o fundo desconhecia o tipo de investimento, foi isso que nós recuperamos”, disse.
Segundo a magistrada, a negociação é uma via muito importante e a PGR, sempre que estão em causa valores muito altos, “e na situação em que se estava a viver, com grandes probabilidades de se perder esse património, foi a melhor via”.
Aqui mais outra contradição. Se houve negociação, rubricou-se um acordo, que impõe a declaração dos termos, como sinal de transparência, lisura, imparcialidade e higiene intelectual, não se passando isso aos cidadãos, o comunicado é uma peça inócua, sem sentido lógico-jurídico, por defender um viés ideológico de um grupo dominante, que manieta as leis a favor dos patrões.
Mais, se havia “património” (gerido, por Jean Claude Bastos de Morais, através do grupo Quantum, através de contratos legais), adquirido com base nos fundos do FSDA, sempre se recuperaria, por localizadas as aplicações. O único senão poderia ser a não obtenção de lucros mais robustos provenientes dos juros, como seguramente, terá ocorrido, em prejuízo dos angolanos.
“Estamos a falar da recuperação de activos, que é muito diferente da investigação criminal, o nosso processo corre por apenso ao processo criminal. Os meus colegas vão continuar a fazer o trabalho deles, para perseguir o crime, mas nós tudo faremos para perseguir o património”, acrescentou.
Procuradoria incapaz de apresentar o crime
Não seria hora da senhora procuradora, no pedestal da sua autoridade escalpelizar o crime a que se refere? O abstracto não é jurídica e civicamente aceite. É que segundo o alcançado, o único porto onde repousou toda esta vergonhosa sarrabulhada é o Cível Administrativo, que impedia, em cumprimento da Constituição e da lei, não das vontades e ódios de alguns, políticos e não só, que mandando as leis às urtigas, se querem apresentar como corajosos e valentões de um patriotismo barroco, hoje, quando foram cúmplices e covardes de ontem, que idolatravam José Eduardo dos Santos, filhos e próximos, para lá dos picos do Himalaia, nunca se opondo a nada decidido, pelo contrário, propondo-lhe mesmo andar em sentido contrário a lei.
Essa turma abjecta é tão nociva ao país como aqueles que eles combatem, “felizmente” todos integrantes da mesma pandilha futebolística.
Tanto assim é que a procuradora recordou que os contratos entre o Fundo Soberano e Jean-Claude e o grupo Quantum Global permitiam que o empresário e as suas empresas “ganhassem muito com fins de gestão”.
Sim! É verdade, mas isso ocorreu, através de um contrato que passou pelo Conselho de Ministros, onde o actual Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço tinha assento privilegiado e na companhia dos demais foram cúmplices, apoiando e não tendo feito, nenhum voto de protesto.
“Os honorários que eles auferiam eram muito acima da média recomendada nos fundos soberanos”, disse Eduarda Rodrigues, sublinhando que, dos 0,85% e 1% normais, os mesmos recebiam 3% sob 3.000 milhões de dólares.
Era, de facto, uma aberração a percentagem dos juros, mas consentida por toda uma equipa de marimbondos, unida na geometria da delapidação directa e indirecta de fundos públicos, que a todos José Eduardo dos Santos fez ganhar, para além de, no mesmo esquema, enquadrar o MPLA, no esquema, tornando-o num dos partidos políticos mais ricos do mundo. Como se verifica toda essa turma, foi e é cúmplice do desmando e desvario económico, que coloca Angola no fundo da agressão económica, pese, agora, os mesmos camaradas “degolando” uns tantos, tentarem passar a ideia de serem impolutos, logo navegando na margem oposta do Rio Kwanza.
Conseguirão com a cegueira do ódio e raiva e sem um Pacto de Regime alcançar resultados satisfatórios capazes de mobilizarem, indistintamente, os cidadãos no combate a corrupção?
O tempo julgará, tal como a surpreendente declaração que se segue, da magistrada. “Mas tudo isso foi feito com base no contrato entre o Fundo Soberano e o grupo Quantum Global, contrato que foi aprovado pelo próprio Conselho de Administração do Fundo e que tinha o aval do titular do poder executivo (na altura, José Eduardo dos Santos), o que permitia que nós dificilmente fôssemos conseguir, de forma unilateral ou a nível dos tribunais, recuperar esses valores, se não fosse através da negociação”, concluiu.
Ora, se existe assinatura do Titular do Poder Executivo, assinada e aprovada a cem por cento por todos membros do Conselho de Ministros, por que razão, Jean Claude e Zenú dos Santos estiveram presos e agora beneficiaram de liberdade provisória e esta não vai obstruir as investigações?
Como das outras vezes, desde 1975, a culpa vai morrer solteira e as respostas que os povos carecem serão enterradas no cemitério do Kamama.
Por isso, urge rememorar um grande visionário do século passado, Frederic Bastiat que dizia, em casos análogos ao do regime angolano: “Quando o saque se torna um modo de vida para um grupo de homens, eles criam para si próprios, no decorrer do tempo, um sistema jurídico que o autoriza e um código moral que o glorifica”.
Qualquer duvida quanto ao acima vertido é só ler a incongruência do texto constitucional, ater-se ao comportamento cúmplice dos juízes, milionariamente, amordaçados com mordomias, ante a penúria da maioria dos cidadãos, que no cometimento de ilícitos menores ou da falta de provas, vegetam por longos anos, nas fedorentas masmorras do regime, enquanto os poucos, da mesma família política, que governa desde 1975, se aboleta, ilicitamente, dos milhões e milhões de dólares, dos milhões de pobres e famintos autóctones angolanos, obrigados a vê-los desfilar em jaguares, nas construídas avenidas chinesas, esburacadas pelas “comichões” contratuais, sem um pingo de vergonha, face ao ridículo.
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