A UNITA vai propor a quatro grupos parlamentares a subscrição do documento a remeter ao Tribunal Constitucional, com vista a que em Angola passe a existir aquilo que é banal, que é elementar, em qualquer Estado de Direito: transparência, fim da impunidade e uma acção fiscalizadora da Assembleia Nacional à actividade do Governo.
O líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, pretende saber quem se posiciona contra direitos constitucionais e restrições à acção das instituições com um pedido de apreciação do acórdão que proíbe a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos do Executivo.
A informação foi esta quarta-feira avançada em Luanda pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto Costa Júnior, em conferência de imprensa centralizada na questão da fiscalização da governação pelo Parlamento angolano.
A UNITA esquece-se que, de facto, em Angola o regime não é de partido único mas continua a ser de um único partido, o MPLA, tal como acontece desde 1975. Por isso não adianta pensar-se em regras democráticas. Não adianta querer alimentar o jacaré com tofu ou seitan. Ele gosta mesmo é de carne.
Adalberto Costa Júnior disse que a sua bancada parlamentar vai propor a cada deputado dos grupos parlamentares do MPLA, CASA-CE, PRS e FNLA a subscrição do documento a remeter ao Tribunal Constitucional. Digamos que, em tese, a estratégia é boa. No entanto, como estamos em Angola, é como tentar pescar bagres com um anzol de plasticina.
“Com este acto vamos verificar quem é que de facto abraça a transparência, a luta contra impunidade, a acção fiscalizadora da Assembleia Nacional e quem, ao contrário, se posiciona contra direitos constitucionais e restrições à acção das instituições”, referiu Adalberto da Costa Júnior.
Em causa está o acórdão 319 do Tribunal Constitucional, de 9 de Outubro de 2013, que declarou inconstitucionais quatro artigos do Regimento da Assembleia Nacional, em vigor na altura, proibindo a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos de governação do executivo.
Segundo Adalberto Costa Júnior, no mesmo ano do referido acórdão, 22 deputados do grupo parlamentar do MPLA escreveram ao Tribunal Constitucional, requerendo a verificação da constitucionalidade de um conjunto de artigos da Lei Orgânica que Aprova o Regimento da Assembleia Nacional, tendo decidido favoravelmente à petição.
O dirigente da UNITA lembrou que, desde aquela altura, a Assembleia Nacional passou a impedir a realização de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), bem como de iniciativas parlamentares de fiscalização à governação, “sob o pretexto de que careceriam de prévia autorização do titular do poder executivo, o Presidente da República”.
O deputado referiu que, com esta situação, a UNITA viu sem resposta ou impedidos requerimentos dirigidos à Assembleia Nacional para a abertura de CPI ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), à Sonangol, ao Fundo Soberano de Angola e à Dívida Pública.
Nesse sentido, sob orientação da direcção da UNITA, o grupo parlamentar tem prontas para remeter de imediato à Assembleia Nacional a realização de comissões parlamentares de inquérito ao antigo BESA e sobre a gestão da Sonangol, e “cada vez mais urgente e necessária” ao Fundo Soberano e à Dívida Pública.
Para o grupo parlamentar do maior partido da oposição que o MPLA tolera, a fundamentação para estas comissões “continuam muito actuais e na ordem do dia”, tendo em conta o processo de repatriamento de capitais, a acção da Procuradoria-Geral da República e do Tribunal de Contas.
Adalberto da Costa Júnior garante que continuam a ser matérias “relevantes e de interesse nacional, envolvendo actores políticos e actores institucionais actuais, cujos actos continuam por clarificar e com graves consequências sobre a situação de crise acentuada que o país vive”.
E assim vai a democracia de um único partido
O MPLA, cumprindo obviamente “ordens superiores”, rejeitou o pedido da UNITA para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a real dívida pública angolana e os seus beneficiários.
“O Parlamento nem tomou conhecimento porque não foi sequer distribuído às comissões [de especialidade] ou aos grupos parlamentares. Mesmo em caso de indeferimento posterior, ele [requerimento] é antes distribuído, ou então como é que vai ser avaliado? Não fizeram isso, é um procedimento em violação ao regimento. Entendo porquê, porque isto está a embaraçar”, criticou o líder parlamentar da UNITA.
A UNITA, recorde-se, submeteu no dia 2 de Março de 2018, à Assembleia Nacional, um requerimento para a constituição de uma CPI para apurar a real dívida pública bruta angolana e os seus beneficiários, além do real impacto sobre o desenvolvimento económico e social de Angola entre os anos 2003 e 2017.
O pedido de constituição desta CPI surgiu depois de o peso da dívida pública contraída pelo Estado do MPLA (excepto empresas públicas) ter atingido, no final de 2017, segundo o Ministério das Finanças, o equivalente a 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Contudo, a pretensão da UNITA foi recusada pela direcção do Parlamento do MPLA, presidido por Fernando da Piedade Dias dos Santos (MPLA), entre outros motivos por falta de fundamentação.
“A nossa fundamentação é imensa, por isso não colhe, e na argumentação [do indeferimento] até vão ao ponto de dizer que o ministro [das Finanças] foi aplaudido no Parlamento, como argumento de uma resposta jurídica”, criticou Adalberto da Costa Júnior.
“Isto são, sem dúvida, assuntos de interesse nacional. Só que é esta problemática de que se discute, discute, mas é para inglês ver. Esta é a mais grave de todas, porque não fizeram ainda nenhuma resposta à anterior CPI, sobre o Fundo Soberano, em que o valor envolvido é elevadíssimo, mas são 5,7 mil milhões de dólares. A dívida pública ultrapassa os 45 mil milhões de dólares, é muito mais grave e houve uma rapidez a tentar lavar as mãos”, afirmou ainda Adalberto da Costa Júnior.
Com mais um pedido de constituição de uma CPI travado, o deputado da UNITA diz ser necessária uma resposta: “Vamos dar um tratamento adequado a esta situação. Quem gere hoje a Assembleia Nacional não se limita ao cumprimento da lei”.
Pois é. Quem gere a dita Assembleia Nacional é hoje João Lourenço, Presidente da República e Titular do Poder Executivo, tal como ontem era José Eduardo dos Santos. E, de facto, não adianta ter leis mais ou menos democráticas se o que conta é a vontade ditatorial do MPLA. Não adianta haver partidos se o funcionamento do país segue as regras do tempo do partido único, ou seja, “queremos, podemos e mandamos”.
Para o grupo parlamentar da UNITA, o tema da dívida pública “ainda não alcança a relevância que merece nos debates, não obstante ser a maior rubrica do OGE [Orçamento Geral do Estado] desde o ano de 2016”.
“De um peso de apenas 11% do total do OGE em 2013, evoluiu para 12% em 2014, 26% em 2015, 32% em 2016 e 2017 e 52% em 2018. Houve um aumento de 373% do peso da dívida no orçamento só entre 2013 e 2018”, fundamenta o documento.
Acrescenta que a tendência é de aumento para os próximos anos, além de que “não obstante ser um problema gravíssimo e inibidor do crescimento e desenvolvimento, o tema da dívida não é discutido por falta de conhecimento e pelo facto de os dados serem embelezados pelo executivo”.
A UNITA considera que “o país está num nó”, que é o sistema da dívida, questionando qual o seu valor real, quem são os beneficiários e o porquê da sua existência.
“Precisamos saber (a população tem esse direito) por que subiu bastante a dívida pública, principalmente nos últimos quatro anos? A que é que corresponde o empréstimo legítimo que o ente público realmente contratou e recebeu? O que é que corresponde aos esquemas financeiros que geram dívida pública? Tudo isso tem que ser segregado e esta CPI tem esse mérito”, foi realçado no requerimento.
O documento pretendia apurar, em 90 dias, se os empréstimos elementares da ordem jurídica nacional e as boas práticas internacionais foram observadas no tratamento da dívida pública.
Como era previsível neste reino
Quando a UNITA anunciou a sua intenção, sob o título “Auditoria à Dívida Pública? – o MPLA não vai cair nessa”, o Folha 8 escreveu (14 de Fevereiro de 2018) o que se segue:
O líder da bancada parlamentar da UNITA, maior partido da oposição em Angola, disse hoje que vai submeter ao Parlamento um pedido para constituição de uma comissão de inquérito à dívida pública, defendendo igualmente a realização de uma auditoria. De derrota em derrota até à vitória final, espera o Galo Negro.
Adalberto da Costa Júnior falava à imprensa no final da sessão de aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício económico de 2018, que contou com voto contra da UNITA.
“Nós temos ainda o inquérito ao BESA [Banco Espírito Santo Angola] não foi feito, à Sonangol não foi feito, ao Fundo Soberano, anda nos gabinetes, nas gavetas, mas posso dizer-vos que vai entrar uma [pedido de constituição] comissão parlamentar de inquérito à dívida pública. Já temos tudo pronto”, disse.
O deputado referiu que o executivo manifestou publicamente estar aberto a uma auditoria à dívida pública, mas “não faz”, como também até ao momento não foi entregue a lista das organizações financiadas de utilidade pública prometida pelo ministro das Finanças.
“Nenhuma das iniciativas fundamentais, a despartidarização do OGE é fundamental, não fizeram, continuamos com os mesmos vícios tal como aqui foi dito e sobre estas matérias lamentamos, porque nós pedimos essas mudanças e o Governo não foi corajoso o bastante para as fazer e não pode. Não se formata o futuro desta forma”, disse Adalberto da Costa Júnior.
Questionado pelos jornalistas à saída da sessão de hoje no Parlamento sobre a meta da dívida pública angolana, o ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, disse que é preciso trabalho para garantir níveis de crescimento que a tornem sustentável.
“Porque mesmo as economias mais avançadas do mundo têm défice nos seus orçamentos, o importante é fazer com que haja um crescimento que seja sustentável e permita fazer com que essa dívida não se torne uma dívida problemática”, disse.
Sobre se o Governo se mantinha aberto a uma auditoria à dívida pública, como proposto pela UNITA, Manuel Nunes Júnior não respondeu.
Agora o ministro não responde porque o mandaram estar caladinho quanto a este assunto. Recorde-se que a admissão dessa possibilidade foi feita aos deputados pelo próprio ministro de Estado e do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, durante a discussão da proposta de lei do OGE na Assembleia Nacional.
“Em nome do rigor e da transparência da gestão pública, não nos opomos para que sejam accionados todos os elementos legais que assegurem a concretização deste princípio, incluindo auditorias”, disse Manuel Nunes Júnior.
Recordando que “ninguém pode ficar acima da lei”, o ministro explicou, ainda assim, que o Tribunal de Contas já pode, actualmente, ao preparar o seu parecer, fazer as averiguações necessárias sobre qualquer parte da gestão do país, incluindo a dívida pública.
“Portanto, não vemos que esse aspecto não possa ser implementado”, disse Manuel Nunes Júnior.
A dívida pública governamental (que exclui a contraída pelas empresas públicas angolanas), já ultrapassou o equivalente a 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo dados de Janeiro do Ministério das Finanças.
A despesa do OGE para 2018 com a dívida pública é uma das maiores preocupações admitidas pelo Governo angolano, que assume o objectivo, segundo o ministro das Finanças, Archer Mangueira, de “alterar a actual trajectória”, através de um “exercício de consolidação fiscal”.
O ministro das Finanças explicou a 18 de Janeiro que o Estado vai precisar de contrair 1,128 biliões de kwanzas de dívida (4.370 milhões de euros) em 2018, enquanto necessidades líquidas, acrescido de 4,153 biliões de kwanzas (16.000 milhões de euros) para pagar o serviço da dívida actual, respeitante a este ano.
Recorde-se que a agência de notação financeira Moody’s prevê que a dívida pública de Angola suba para mais de 70% do PIB no primeiro trimestre deste ano, crescendo 10 pontos percentuais só desde Outubro.
“A dívida global de Angola face ao PIB já subiu 10 pontos percentuais para além do nível que a Moody’s antecipava em Outubro de 2017″, quando a agência de notação financeira desceu o ‘rating’ do país para B2, ainda mais abaixo na recomendação de não investimento, escrevem os analistas na nota que acompanha a decisão de colocar a avaliação da qualidade do crédito em revisão negativa.
O aumento da dívida pública angolana deveu-se essencialmente “à depreciação do kwanza face ao dólar e ao apoio financeiro dado às empresas públicas no ano passado”, o que faz com que a Moody’s estime que a dívida pública tenha chegado aos 74 mil milhões de dólares, cerca de 66% do PIB, no final do ano passado”.
Isto, “juntamente com o ajustamento cambial em curso e com a eliminação de 5 mil milhões de dólares em atrasos a fornecedores, [faz com que] o rácio da dívida deva ultrapassar os 70% no final deste trimestre”.
Folha 8 com Lusa
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