O anúncio da não recandidatura de José Eduardo dos Santos à Presidência angolana peca por tardia, “mas pelo menos vai de próprio pé”, diz o activista angolano Luaty Beirão. João Lourenço é o general que se segue se, entretanto, o presidente não mudar de ideias e as eleições se realizarem mesmo.
“N ão consegui ficar empolgado com a notícia do José Eduardo, apesar de estar muito satisfeito que ele tenha conseguido sair de própria iniciativa e evitado o triste ‘cliché’ africano”, disse Luaty Beirão, que considera que anúncio “já vai tarde, mas pelo menos vai de próprio pé”.
O presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e chefe de Estado (há 38 no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos, anunciou sexta-feira que não irá recandidatar-se ao cargo de Presidente da República nas eleições gerais deste ano, deixando assim o poder em Angola ao fim de 38 anos.
O anúncio foi feito na abertura dos trabalhos da reunião do Comité Central do MPLA, que serviu para aprovar as listas de candidatos a deputados nas eleições previstas para Agosto.
Apesar de não integrar as listas, José Eduardo dos Santos foi eleito em Agosto último para novo mandato como presidente do MPLA e anteriormente ainda, em Março, anunciou que pretendia deixar a vida política em 2018.
No discurso de sexta-feira, José Eduardo dos Santos anunciou – o que aconteceu pela primeira vez publicamente – que já está aprovado o nome do vice-presidente do partido e ministro da Defesa, João Lourenço, para cabeça-de-lista do MPLA às próximas eleições gerais, e candidato a Presidente da República.
“Não conheço suficientemente o João Lourenço para acreditar que alguma coisa irá mudar com este MPLA de jurássicos com os seus enormes e farfalhudos rabos-de-palha. Não creio que os chame para um baile colectivo ‘à volta da fogueira’ para mostrar a todos ‘o que custa a liberdade’. Adoraria estar errado”, considerou.
Luaty Beirão foi um dos 17 activistas detidos em Junho de 2015 por estarem juntos a ler e a debater o conteúdo do livro de Gene Sharp “Da Ditadura à Democracia”, tendo sobrevivido a duas greves da fome, uma das quais de 36 dias.
Os activistas foram condenados a penas de prisão efectiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por supostos e nunca provados actos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores e libertados a 29 de Junho de 2016 por decisão do Tribunal Supremo, que deu provimento ao ‘habeas corpus’ apresentado pela defesa, pedindo que aguardassem em liberdade o resultado dos recursos da sentença da primeira instância.
Foram depois abrangidos por uma amnistia, prevista numa lei aprovada pelo Parlamento angolano.
Em Novembro do ano passado, Luaty Beirão esteve em Genebra, onde falou à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as detenções arbitrárias de que foi vítima recentemente, juntamente mais 16 companheiros, detenção mundialmente conhecido como «caso 15+2».
Luaty participou numa reunião organizada pelo Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias da ONU, em celebração do 25.º aniversário do grupo, e que teve como lema: “Ninguém pode ser submetido a detenção arbitrária, detido ou exilado”, citação do artigo 9 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ao longo da sua exposição, Luaty Beirão, que foi convidado pela Amnistia Internacional em representação dos 17 activistas presos e condenados pelo regime angolano, disse ao Folha 8 que relatou aos membros do grupo de trabalho a “arbitrariedade total e completa do nosso processo desde a detenção até a condenação”.
Lembrando o sofrimento que passou com os seus “16 compatriotas”, Ikonoklasta, como também é conhecido nas lides musicais, disse aos presentes que a detenção aconteceu “sem mandato e sem observância da lei em vigor”.
“Só a força da estupidez combinando músculo, arrogância e grande ignorância em sua obediência cega a quem nós crescemos acostumados a chamar de ´Ordens superiores´, uma entidade nunca identificada, muitas vezes comparado ao próprio Deus, que é colocada acima da Constituição angolana”, afirmou Luaty durante a sua intervenção.
Segundo a nota do grupo de trabalho na página da ONU, “todos os países estão confrontados com a prática da detenção arbitrária”. As Nações Unidas avançam também que, “a cada ano, milhares de pessoas estão sujeitas a detenção arbitrária”. E as razões das detenções frequentemente são “simplesmente porque eles têm exercido um dos seus direitos fundamentais garantidos em tratados internacionais tais como o seu direito à liberdade de opinião e de expressão, o direito à liberdade de associação, o direito de sair e entrar do próprio país, como proclamado na Declaração Universal dos direitos humanos”.
F8 com Lusa