JUSTIÇA AMORDAÇADA, JUSTIÇA ASSASSINADA

Estamos num verdadeiro pantanal onde os órgãos públicos, destacando-se a Presidência da República, institucionalizou a vingança, revanche, raiva, ódio, discriminação, prisões arbitrárias, julgamentos e condenações, fora dos marcos legais.

Por William Tonet

A Lei Constitucional partidocrata de 1975, não emergiu do escrutínio de um Poder Constituinte, que tivesse eleito uma Assembleia Constituinte (integrando as sensibilidades de todos os povos, regiões, culturas, tradições e línguas), para ter robustez cidadã, mas uma visão míope que a levou a ser aprovada, exclusivamente, pelo comité central do MPLA e promulgada pelo presidente do MPLA.

Caricatamente, no seu corpo e normas, textualizava: “a lei assegurará a livre expressão, reunião e associação” (art.º 22.ºLC/75), mas as correntes internas do MPLA, como os Comités Amílcar Cabral, Nzinga, Revolta Activa e outros foram levados às fedorentas masmorras do regime, pela polícia política de Agostinho Neto: DISA, por terem visões diferentes, pese serem do mesmo partido.

O país nasceu como Partidocracia Popular de Angola (PPA) e não como República Popular de Angola, que garantia “justo processo legal e direito a defesa” (art.º 23.º LC/75), mas o “médico-ditador”, Agostinho Neto determinou, em 1977, aos seus sanguinários falcões, para a montagem de um golpe de Estado, atribuindo-o, falsamente, a Nito Alves.

A engenharia, ontem, como hoje, serviu para eliminar a nova “intelgentsia” autóctone, através da célebre e “irresponsável” frase: “não vamos perder tempo com julgamentos” (discurso no Futungo de Belas, 28.05.77)!

Foi o pico da insensibilidade e covardia do líder do MPLA-PT, ao denegar justiça, justo processo legal e o contraditório, aos seus camaradas, definindo a sua natureza sinistra, distante da propaganda ignóbil, que o quer colocar como “médico profundamente humano”. Não o foi, pelo contrário, pelas práticas, é visto como “profundamente assassino”, comparado a outro médico, o francês Joseph Guilhotin, criador da guilhotina durante a Revolução Francesa, um método para amedrontar adversários e, alegava, propiciar uma morte sem dor!

Mas o mais grave é que não havendo consagração constitucional de pena de morte, Agostinho Neto “ordenou de cruz” o fuzilamento em série de milhares de cidadãos inocentes: 80.000 (oitenta mil) sem qualquer julgamento, atirando-os depois, barbaramente, às valas comuns, precipícios, mares, rios, etc..

As vítimas eram, milhares de cidadãos, maioritariamente, militantes do MPLA, cujo crime foi exigirem uma clarificação da linha ideológica: o partido era de esquerda; de direita; extrema-direita; ditatorial? A DISA com os seus assassinos tratou de materializar o genocídio ditatorial.

49 anos depois de proclamada a independência e comemorada, discriminatoriamente, ao longo dos anos, só pelos dirigentes e heróis do MPLA, nem com a ascensão do terceiro presidente da mesma tribo política (Agostinho Neto, Eduardo dos Santos, João Lourenço), o quadro se alterou… A malícia está no DNA!

DESMONTE E BANALIZAÇÃO DO PODER JUDICIAL

O calvário iniciado em 2017, não tem como ser invertido face a miopia da maioria dos actores políticos, autênticas marionetas complexadas e assimiladas, petrificados na manutenção, por novos meios do sistema colonial ocidental.

A nova elite governativa tem a bússola mental desajustada, aos novos tempos e, distante dos valores das nossas ancestralidades culturais e linguísticas, como se o novo Estado, fosse (ou é), na realidade uma extensão da ex-província ultramarina de Portugal, tendo como capataz, para implantação das suas políticas, uma cúpula de dirigentes do MPLA que mantém, os autóctones de todas as raças, como autênticos escravos, na própria terra…

João Lourenço foi esperança em 2017/2018, mas passados sete anos, face à desgarrada política económica, implantada por uma “task force”, sem visão e competência, converteu-se num verdadeiro pesadelo. Por isso de forma recorrente é acusado de falta de aprumo intelectual para levar a bom porto, tão hercúlea tarefa de conciliar os políticos e reconciliar os vários povos e cidadãos.

Muito por, eleger, nas relações com os demais (camaradas ou adversários) a lei da força, ao invés da força da lei, bandeiras violadoras da Constituição e leis. Como o desmonte coercitivo do sistema judicial e dos magistrados independentes, baseado na “pressão e tortura psicológica”, para serem capachos do regime ou “demitirem-se” como Manuel Aragão, então presidente do Tribunal Constitucional, que contrariava, em acórdãos ou actos executivos, algumas decisões do Titular do Poder Executivo, por perigarem o Estado Democrático e de Direito.

Aragão não resistiu, sendo substituído em Agosto de 2021, por uma jovem turca (45 anos), membro do bureau político do MPLA, licenciada em direito, sem percurso na magistratura dos tribunais comuns e docência universitária, Laurinda Cardoso, integrante do escritório do todo poderoso “juiz/advogado/sombra”, Rui Ferreira.

Mera coincidência? Em política não há competências! Nascia, ainda que de forma sub-reptícia, a tentativa de se criar uma fantoche jurídica e não uma independente presidente do Tribunal Constitucional. E, a primeira casca de banana foi o ter de anular, dois anos depois da sua realização e confirmação pelo Constitucional do XIII Congresso da UNITA para apear do poder, Adalberto Costa Júnior. Não surtiu efeito, pois o líder da oposição seria reeleito.

Foi o pico da vulgarização do sistema de justiça e a submissão ao poder executivo, destacando-se dentre tantos, dois actos de relevância:

a) a alteração inconstitucional do art.º 37.º da Constituição, para permitir o confiscos e arrestos de bens e acções dos adversários políticos;

b) a criação de um Decreto presidencial, para os magistrados poderem dividir com os delinquentes, ladrões, corruptos ou adversários 10% do produto apreendido, antes de trânsito em julgado.

Nesta última e espúria decisão a Ordem de Advogados de Angola e bem, entrepôs uma acção, junto do Tribunal Constitucional, que considerou o Decreto Presidencial inconstitucional e sem eficácia, constituindo a primeira derrota constitucional de João Lourenço e a inversão quanto a cega subserviência do titular de um tribunal superior.

Laurinda Cardoso, membro do bureau político do MPLA (mandato suspenso), feita presidente do Tribunal Constitucional, para ser dócil e submissa ao Executivo. Mas rapidamente percebeu não ter nada a perder, se for livre ou mostrar alguma higiene intelectual. Independente do mérito ou não, ela chegou ao mais alto posto da magistratura de um tribunal de especialidade, com mandato único e inamovível.

E é tendo ciência desta realidade, que vimos paulatina e surpreendentemente, assistindo a libertação da “cela mental” de Laurinda Cardoso, da prisão lourenciana, a que está(va) subjugada partidocratamente desde a nomeação.

Sabendo da dimensão e consequências de uma ousadia conflituante, poder esbarrar numa parede de betão, guinou na esquina do vento, para baralhar os “guardas bajuprisionais” e os serviços secretos, colocando a bússola da ciência do direito, no mastro jurídico.

E, para a implantação da estratégia era preciso um sacrificado, para não espantar os demónios do regime. E a UNITA foi a cobaia, negando-se-lhe e, mal, o seu processo de recurso! O Constitucional agiu mal ao transformar uma norma infraconstitucional: Regimento Interno da Assembleia Nacional, como superior à Constituição. Heresia!

A aprovação do acórdão 883/2024, pelo plenário do Tribunal Constitucional, favorável ao recurso interposto por Valter Filipe, Jorge Gaudens, António Bule Manuel e José Filomeno dos Santos Zenú, que considerou inconstitucional o acórdão do Tribunal Supremo do processo n.º 135/20 é um duro golpe, na estratégia de João Lourenço.

O Constitucional achincalhou o Tribunal Supremo, por ter condenado, a margem do justo processo legal, direito a defesa, direito ao contraditório, ter negado ouvir José Eduardo dos Santos, ainda em vida, parcialidade, ao descredibilizar a carta escrita pelo ex-Titular do Poder Executivo, que orientou as operações.

Ademais, as provas carreadas nos autos, que serviram para condenar os réus, em segunda instância, eram frágeis: “pela prática dos crimes de peculato, burla por defraudação e tráfico de influência todos na forma continuada, nas penas fixadas de cinco a oito anos de prisão maior, multa e indemnização ao Estado no valor de cinco milhões de Kwanzas a título de danos morais e oito milhões quinhentos e doze mil e quinhentos dólares norte americanos, a título de lucros cessantes e danos emergentes”.

Jorge Gaudens, José Filomeno dos Santos, por exemplo, não eram funcionários públicos, não terão praticado actos executivos, na operação 500 milhões de dólares, logo segundo o Tribunal Constitucional, o Supremo andou mal, com a agravante de desvalorizar as declarações e as provas de Valter Filipe e António Manuel Bule, enquanto subordinados, na vertical, do Titular do Poder Executivo, a quem deviam obediência.

A débil inconsistência jurídica, indicia um claro viés ideológico, submisso ao poder político, que ditam não a repetição do julgamento, mas a conformação, por todos os órgãos públicos e privados da robusta decisão dos juízes do Tribunal Constitucional, ao “considerar a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, por violação dos princípios da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme o direito à defesa”.

A decisão pode ser considerada de histórica e caiu como um meteorito no charco mental dos radicais e conservadores da extrema direita, alojados nos palácios do sistema político. João Lourenço acusou com preocupação o toque e manifestou isso mesmo no interior do seu partido, ao fazer uma nova e despropositada alusão aos 500 milhões, alegando ter o seu Executivo recuperado, quando ele nunca esteve fora da esfera de Angola e poderia a qualquer momento denunciado, para inviabilização da operação. Assim ocorreu!

E, pese o regime alardear êxito no alegado combate a corrupção, que não alimenta os pobres, nem emprega a maioria da população activa, a verdade é de, em Abril de 2024, tudo ter piorado na vida dos cidadãos, com a alta do custo de vida, a introdução de uma política económica neoliberal fascista e imperialista, orientada pelo FMI, que determina a entrega da economia a especuladores ocidentais e fundamentalistas islâmicos.

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