EM BUSCA DE UM NOVO PARADIGMA PARA AS RELAÇÕES ANGOLA-CHINA

Aparentemente, está para breve a visita de João Lourenço à China e Beijing já tem, novamente, embaixador em Luanda. Portanto, há movimentos dinâmicos acentuados na relação Angola-China.

Por Associação CEDESA (*)

Não é a primeira visita do Presidente angolano a Beijing, todavia, é a primeira após a aproximação pública e efectiva aos Estados Unidos, e no momento em que a questão da dívida à China se tornou o aspecto principal das relações entre os dois países.

Sobre a dívida, há um facto indesmentível. Angola procedeu a uma redução substancial do capital em débito desde 2017. Na realidade, nesse ano o montante de capital devido era de 23 204,9 mil milhões de dólares enquanto no final de 2023 apenas se situava nos 17 921,0 mil milhões de dólares americanos, tendo havido assim uma redução exacta de 5 283,9 mil milhões de dólares segundo os dados oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), só em capital, não contabilizando juros. Isto significa que mesmo durante anos de crise-não esquecer que a economia angolana se contraiu entre 2016 e 2020 – o estado angolano teve capacidade e quis pagar a sua dívida à China.

Portanto, a questão não se coloca ao nível da capacidade, mas do sacrifício, ou melhor dizendo, do custo de oportunidade. O capital retirado do Orçamento Geral do Estado para pagar à China é capital que não é utilizado noutros sectores, como por exemplo, na área do desenvolvimento humano, educação, saúde, saneamento, etc. Além disso, obviamente, a instabilidade orçamental derivada da oscilação dos preços do petróleo coloca sempre uma grande pressão na liquidez do tesouro para cumprir os pagamentos.

É por essa razão, e após o grande esforço angolano de mais de 5 mil milhões de dólares, efectuado durante a presidência de João Lourenço, que este deveria ser o tempo de descompressão no pagamento da dívida à China.

A este acresce outro facto, já suficientemente tratado, que é o da chamada “dívida odiosa”. Parece hoje demonstrado que uma boa parte da dívida contraída à China por Angola, terminou de forma ilegal na posse de entidades privadas angolanas que não usaram os fundos para o bem comum, mas para lucro próprio indevido. Notícias recentes dão conta que a estruturação de todo o mecanismo de desvio de fundos teve a participação de entidades chinesas mandatadas pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês. A confirmar-se, e não está devidamente certificado, tal acção coloca os montantes de “dívida odiosa” numa categoria à parte, que deverá ser objecto de negociação separada pelas diplomacias dos dois países, para não dar origem a nenhum processo em tribunal arbitral, como está previsto nos acordos bilaterais de financiamento.

Enquadrada a questão da dívida, torna-se evidente que este é o tempo de ir para além da dívida e criar um novo paradigma para as relações entre Angola e China

Poder-se-ia pensar que a aproximação de João Lourenço a Joe Biden, promovendo um efectivo estreitamento das relações de Angola com os Estados Unidos, levaria a um necessário agastamento e afastamento da China.

Não se partilha dessa opinião. Pelo contrário, entende-se que a visão maniqueísta que suporta essa visão não se sustenta em factos.

Em primeiro lugar, na esfera económica, apesar da retórica americana que começou com a administração Trump e continuou com Biden, o certo é que as relações entre ambos os países- EUA e China- se mantêm intensamente. As companhias americanas – e Ocidentais em geral – continuam muito dependentes dos mercados e das cadeias de produção chinesas. A retórica mais agressiva apenas beneficiou alguns países intermediários que recebem investimento chinês e depois exportam os produtos resultantes desse investimento para os EUA com um “selo não chinês”, sendo que no final os laços se mantêm fortes. Neste sentido, por exemplo, Elon Musk da Tesla está a convidar fornecedores chineses de peças dos seus automóveis para replicarem as suas cadeias de produção da China para o México. Recentemente, o CEO da Apple – Tim Cook – encontrou-se com governantes da China e reafirmou o seu compromisso com o mercado da China, e desejo de estreitamento de laços com o Governo de Beijing.

Um outro exemplo actual é a ExxonMobil, o gigante americano do sector da energia que planeia investir num complexo petroquímico de vários milhares de milhões de dólares na província de Guangdong. Com efeito, se tudo correr dentro do previsto, o projecto que tem um investimento total de 10 mil milhões de dólares, e estará com a primeira fase concluída ainda antes do final do ano. Já para não falar da Starbucks, a multinacional norte americana, que hoje em dia está com mais de 6.800 lojas só na China, e que em 2023 investiu mais de 200 milhões de dólares num novo campus na China, sinal de como o consumidor chinês continua a ser crucial para a cadeia global de café, apesar de estar a haver um certo abrandamento económico.

A isto acresce que o sucesso do Corredor do Lobito em que quer Angola, quer os Estados Unidos apostam, necessita forçosamente do concurso chinês-que domina o essencial da matéria-prima- para ter sucesso.

Estes factos reais da infra-estrutura económica, apontam para uma necessária triangulação entre países intermediários, China e Estados Unidos, que se traduz numa função ideal para Angola, que se posiciona acertadamente como “ponte” entre Ásia e Ocidente. Portanto, poder-se-á ter um benefício desta aproximação recíproca e não uma desvantagem, sabendo Angola aproveitar o seu papel de charneira de modo hábil e inteligente.

O novo paradigma entre Angola e China: trocar os empréstimos por investimento produtivo. O facto essencial é a necessidade de mudança de paradigma. Angola não pode sustentar o seu tesouro e desenvolvimento em empréstimos que forçosamente têm de ser pagos. Isto não quer dizer que não os use e recorra quando precise, mas a estratégia tem de ser outra, e outra quer dizer, investimento. O que se deve querer da China é investimento e não mais empréstimos.

Olhemos para a política da China em Portugal. Aí essencialmente, a China realiza investimentos, compra acções de empresas, torna-se sócia de outras. Leva capital para Lisboa para aplicar no processo produtivo, não para obter juros. Os principais investimentos chineses em Portugal concentram-se em sectores como banca, energia e seguros.

Atente-se para o caso da EDP. O investimento chinês na EDP – Energias de Portugal, S.A. é significativo. A China Three Gorges (CTG) é a maior accionista da EDP desde 2011. No ano passado, as acções detidas pela CGT estavam avaliadas em 4.634 milhões de euros. No sector da saúde, destaca-se o grupo privado chinês Fosun, que é o maior accionista do Grupo Luz Saúde. Este grupo que é uma das principais referências da saúde em Portugal, é controlado pelos chineses da Fosun e pela seguradora Fidelidade (que, por sua vez, também tem como acionista os chineses da Fosun). Actualmente, este grupo gere 30 hospitais, clínicas e unidades de saúde. Em 2022, os seus resultados operacionais atingiram os 600 milhões de euros, mais 11 % face ao ano anterior.

Em 2023, Portugal captou mais investimento estrangeiro industrial e o maior veio da China. Trata-se “da fábrica de baterias para carros eléctricos da chinesa CALB, que já arrancou com o processo de licenciamento ambiental de uma nova unidade em Sines, um projecto de 2060 milhões de euros, para o qual foram reservados 90 hectares de terreno e prometidos 1800 postos de trabalho”.

É este género de relação que Angola deve começar a ter com a China. Não uma relação de dependência de empréstimos, mas de investimentos directos chineses na economia angolana.

Existem várias áreas para o investimento chinês em Angola, mas destacar-se-ia as possibilidades de fábricas de automóveis, sabendo-se o grande incremento que esta indústria está a ter na China e a tornar-se a maior do mundo. Igualmente, importante, o sector das telecomunicações e energia eléctrica que tanta falta faz em Angola. Outro sector de aposta poderia ser o têxtil, depois do falhanço da Etiópia, encurtando as linhas logísticas de fornecimento para os EUA e Europa em relação ao Vietnam.

E outras hipóteses deveriam ser estudas, mas ficam estas sugestões para investimento chinês em Angola: criar um cluster de indústria automóvel, telecomunicações e energia eléctrica, têxteis.

(*) ASSOCIAÇÃO CEDESA-CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DE ÁFRICA

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