PIRATAS (TRA)VESTIDOS DE JORNALISTAS

A Camunda News, que produz e apresenta conteúdos informativos e de entretenimento nas redes sociais, foi no dia 1 de Junho de 2022 notificada pelo Governo angolano para, no prazo de 48 horas, apresentar prova da sua existência legal, revelou o seu director-geral, David Boio. Sendo claro que a Camunda News não faz jornalismo, não tem Ficha Técnica, nem Estatuto Editorial, nem Entidade Responsável, afigura-se do ponto de vista da legalidade (princípio basilar de um Estado de Direito) como um órgão pirata.

Por Orlando Castro

David Boio disse que a notificação foi recebida um dia após dois agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC) terem visitado as instalações da Camunda News e, sem qualquer mandado, terem pedido para falar com o proprietário de quem pretendiam informações sobre a legalidade do canal. Num Estado de Direito, a legalidade é o diapasão da vida em sociedade.

“Estamos num contexto eleitoral e verifica-se uma tentativa de controlo da opinião pública e do processo de construção de opinião pública”, afirmou David Boio. Não tendo Estatuto Editorial, não se sabe se a Camunda News advoga o respeito por um Estado de Direito. Se defende, então deveria respeitar a legalidade que, quando não existe, funciona como um órgão pirata que se acoberta na liberdade de imprensa para justificar a anarquia que se vive na comunicação social.

A notificação de então, assinada pelo director Nacional de Informação e de Comunicação Social do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (Minttics), João Demba, foi classificada por David Boio (supostamente director-geral) como “incongruente”.

“A Camunda News foi transformada em ‘TV Digital Camunda News” por um comunicado que deu à direcção do canal e das habituais plataformas nas redes sociais 48 horas para ‘os devidos efeitos’, sem concretizar que ‘efeitos’ e sem qualquer sustentação normativa, ou seja, sem qualquer suporte legal que justifique o pedido, além da vontade da tutela de o fazer”, salientou David Boio, numa mensagem que colocou no portal do canal.

Segundo David Boio, a Direcção Nacional de Informação e Comunicação Social do Minttics “não só desconhece a lei como tem um razoável desconhecimento do que são, nos dias de hoje, as plataformas sociais YouTube, Facebook ou Instagram, o que é preocupante tratando-se de um suposto regulador que desconhece a natureza do objectivo que pretende regular”.

A Camunda News aguarda, por outro lado, “uma explicação, e de acordo com a lei, quanto à presença de dois agentes do SIC, sem qualquer mandado, ou seja, um documento sancionado por um juiz ou entidade judicial responsável por qualquer investigação em curso, horas antes da notificação por parte do ministério da tutela, numa clara confusão de complementaridade entre uns e outros”.

Entretanto, a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) divulgou na mesma altura uma nota, assinada pelo seu presidente, Serra Bango, em que condena o que classifica como “acto de intimidação” do Governo angolano à Camunda News. Assim, a AJDP solidariza-se com um órgão que viola a lei e que não respeita os mais elementares princípios do Jornalismo, mensurável pela não existência de, por exemplo, um Estatuto Editorial.

A visita dos agentes do SIC e a notificação “constituem motivo de preocupação” para esta associação de defesa dos direitos humanos.

“O primeiro facto é a ida às instalações da Camunda News de dois indivíduos que se identificaram como sendo agentes do SIC, sem, contudo, respeitarem a formalidade de estarem munidos de nenhum mandado para o efeito de buscas ou uma notificação para efeitos de inquérito ou interrogatório”, referiu a AJPD.

“O segundo facto, também tornado público pela Camunda News, é a notificação desta pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, considerando a Camunda News como uma televisão digital”, acrescentou.

A AJPD considerou que o SIC e o MINTTICS “devem esclarecer a opinião pública sobre a base legal que serve de sustentação para os seus actos praticados em relação à Camunda News e que foram tornados públicos”.

A Camunda News foi criada em 2020, em contexto de confinamento justificado pela doença Covid-19, e produz conteúdos para as redes sociais YouTube, Twitter, Facebook e Instagram.

“Como o Governo foi apertando outros órgãos de comunicação social, nós surgimos como um dos principais meios alternativos de comunicação”, disse à Lusa David Boio, como se isso justificasse a ilegalidade (de jure) e a venda de gato por lebre (de facto).

Formado em Sociologia pela Universidade Católica de Lisboa, David Boio disse que cerca de 10 pessoas trabalhavam na Camunda News e que ele próprio já fora intimidado. Trabalham? Onde está a Ficha Técnica?

“Pessoas que me conhecem, que estão no sistema, como dizemos aqui, avisaram-me para ter cuidado”, recordou.

PRODUZIR INFORMAÇÃO NÃO É FAZER JORNALISMO

A “liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”, afirma o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal.

Segundo o SJ, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.

“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ.

Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.

“O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade. Por isso a Constituição assegura o direito dos jornalistas às fontes de informação e à protecção da sua independência. A independência é um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz”, diz o Sindicato dos Jornalistas portugueses.

Conclui o SJ que, “posto isto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas condenam a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas e apelam às autoridades competentes, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que investiguem e fiscalizem as condutas e os grupos que promovam a desinformação”.

Este texto, divulgado pelo SJ de Portugal, deve merecer a atenção do Sindicato dos Jornalistas de Angola, bem como de todas as entidades ligadas ao sector, começando pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, já que por cá é comum as organizações oficiais confundirem a obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras.

De facto, tal como em Portugal, em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.

Basta ver, se alguém estiver preocupado com isso (no caso angolano o Sindicato dos Jornalistas, a ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana e a CCE – Comissão de Carteira e Ética) que esses meios não têm – por exemplo – Ficha Técnica, nem Estatuto Editorial nem Código de Ética e Deontologia específico.

Pois é. Para o bem e para o mal (muito mais para o mal, reconhecemos) quem quiser saber o que é o Folha 8, onde está, o que faz, quem o faz, como faz, basta consultar – por exemplo – a nossa edição digital diária. Aqui encontrará:

ESTATUTO EDITORIAL

1 – O Folha 8 é um órgão de informação generalista, independente, nacionalista, vocacionado para a defesa e divulgação da verdade, dando voz a quem a não tem e prioridade ao que for de interesse público.

2 – O Folha 8 privilegiará todas as informações relativas ao que se passa em Angola ou que, mesmo oriundas do exterior, tenham repercussões no país e nos seus cidadãos.

3 – O Folha 8 considera que todos os cidadãos, angolanos ou não, têm direito a saber o que se passa tanto na sua rua como no fim do Mundo e, por isso, é sua obrigação facultar essa informação.

4 – O Folha 8 respeita e incentiva a Liberdade de Expressão e Informação, sendo por isso um espaço aberto a todas as correntes de opinião.

5 – O Folha 8 é um órgão de informação livre que, por isso, sabe que a sua liberdade termina onde começa a dos outros e que, por isso, exige que a dos outros termine onde começa a sua.

6 – O Folha 8, independentemente da abertura a todas as correntes de opinião, reserva-se o direito de não publicar textos, ou imagens, que violem o presente Estatuto Editorial ou as regras de um Estado de Direito Democrático, nomeadamente na sua luta pela democracia pluralista e solidária.

7 – O Folha 8, no âmbito da sua política editorial, é inequivocamente independente dos poderes políticos, económicos, religiosos e de quaisquer grupos de pressão.

8 – O Folha 8 rege-se, do ponto de vista Editorial, pelos critérios, regras e demais legislação jornalística vigente em Angola.

9 – Os Jornalistas do Folha 8 regem-se pelo Código ético e deontológico que se segue.

Código Ético e Deontológico dos Jornalistas do Folha 8

1 – O Jornalista do Folha 8 tem a obrigação e o dever de relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade, separando de forma clara o que é notícia do que é opinião.

2 – O Jornalista do Folha 8 que não procurar saber o que se passa não estará a cumprir a sua missão. Se souber o que se passa e eventualmente se calar, comete um crime junto das únicas pessoas a quem devemos prestar contas: os leitores.

3 – O Jornalista do Folha 8 deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar qualquer acusação sem provas e o plágio como falhas graves que devem ser evitadas a todo a custo.

4 – O Jornalista do Folha 8 não deve aceitar restrições no acesso às fontes de informação, nomeadamente às de origem pública, devendo considerar que essas restrições são uma inaceitável barreira à liberdade de expressão e ao direito de informar.

5 – O Jornalista do Folha 8, que obrigatoriamente tem de se identificar como tal no contacto com entidades individuais ou colectivas (só razões de elevado interesse público podem ser excepção), deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos, e não abusar da boa-fé de quem quer que seja.

6 – O Jornalista do Folha 8 assume sempre a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, e deve ser rápido na rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas.

7 – O Jornalista do Folha 8 deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos com elas assumidos. A não revelação das fontes é, aliás, uma das razões pelas quais vale a pena ser preso.

8 – O Jornalista do Folha 8 deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado e não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.

9 – O Jornalista do Folha 8 não só deve como tem de rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade, sexo, filiação partidária etc..

10 – O Jornalista do Folha 8 deve respeitar a privacidade dos cidadãos, excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende.

11 – O Jornalista do Folha 8 deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional, bem como não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesses.

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