E OS BRANCOS ANGOLANOS…

Na edição digital do Folha 8, de 24 de Dezembro deste ano de 2023, o Orlando Casto interrogava-se para onde foram os brancos angolanos. É simples, foram-se, maioritariamente, para outras paragens.

Por Carlos Pinho (*)

E foram-se por várias razões muito simples. Basta dar uma vista de olhos por dois ou três artigos de opinião em publicações angolanas, para se perceber tais razões.

Por exemplo, olhe-se para o que foi escrito no Novo Jornal pelo Fernando Pacheco em 20 de Novembro de 2023, no artigo intitulado “A independência e a torneira sempre a inundar a sala”. O autor tece bastantes e pertinentes considerações sobre os 48 anos de independência e embora faça extensas críticas à incompetência do MPLA, não se coíbe de referir “… a ignorância política da esmagadora maioria da população portuguesa, o que a levou a temer o futuro ou a rejeitar o convívio com um governo de maioria negra ou mesmo a aderir a acções ilegais contra a independência.”.

Repare-se que nada no referido texto se refere aos angolanos brancos, claramente não existiam para este autor, pertencendo claramente à dita “população portuguesa”. Esqueceu-se o autor de referir igualmente, embora ande por lá perto, ao nomear os ódios raciais que existiram de parte a parte.

Ora, na verdade, aquilo que a meu ver aconteceu, foi a tremenda ignorância política dos políticos angolanos, com especial ênfase nos do MPLA, que tudo fizeram para expulsar os portugueses e seus descendentes de Angola, neles se incluindo claramente os angopulas, os tais brancos angolanos.

Mas outros escritos de outros autores mostram claramente que idêntico preconceito se explana no que escrevem. Olhe-se para o texto de Fernando Pedro no Club-k em 23 do mesmo mês de Novembro de 2023. Basta o título para se perceber claramente tudo – “Governo angolano é aculturado: No “berço” faltou a lição nacionalista”. Segundo este autor é por demais evidente que a ligação aos portugueses e a Portugal, seja esta cultural ou de cariz diferente, é a razão que sustenta todos os esquemas e corrupções. Depreende-se, pois, que tivessem sido os governantes angolanos afastados de quaisquer resquícios de cultura portuguesa, a corrupção nunca teria criado tão fortes raízes em Angola.

Ora, quem diz portugueses, diz maioritariamente brancos sendo, concluo agora eu, que a expressão máxima dessa perfídia governativa poderia ter sido expressa por angolanos brancos, caso esses não tivessem sido expurgados de Angola nos tempos gloriosos da pré-independência e mesmo no pós-independência. Em suma racismo claro e conciso. Malditos tugas, mesmo que de pele negra, mas com coração branco, e volto a citar “Enfim, os actuais membros do governo – maioria portugueses – não têm interesse em melhorar as condições de vida da população. São
insensíveis, classistas e arrogantes… Portanto, não é por acidente o que se passa hoje em Angola. É o resultado de termos um governo aculturado e sem sentido de nacionalismo angolano”.

Só não entendo por que raio o autor desta obra de arte, o tal Fernando Pedro, não escreveu o texto em quimbundo ou umbundo ou noutra dita língua nacional angolana. Teria certamente uma posição mais consentânea com aquilo que escreveu.

Os autores destes belíssimos artigos parecem esquecer algumas questões básicas:

– Primeiro, tendo os portugueses governado Angola, claramente mais mal do que bem, salvo no pós 1961 quando viram que a “Jóia da Coroa” ia fugir-lhes, era e é natural que a influência da cultura portuguesa fosse dominante na formação dos cidadãos angolanos, mormente das suas classes dirigentes. Até o “querido pai da pátria” se casou com uma branca pula. Ora pelos vistos, e tendo por base a opinião do Fernando Pedo, tratou-se de um arrogante aculturado. Concordo com o adjectivo arrogante, o homem era um patife. Eu, claramente diria mais e pior! Mas aculturado?

– Depois é bem claro que o conceito de angolanidade aparece por oposição ao conceito de portugalidade;

– A noção da nação angolana não existia antes da chegada dos portugueses. Havia reinos, tribos e povos que se guerreavam entre si, sendo a escravatura dos derrotados um fenómeno recorrente;

– Não foram pois os brancos que trouxeram a escravatura para Angola.

Por isso não perceber o enquadramento histórico que levou ao desenvolvimento da nação angolana, tal como se conhece hoje, é pura ignorância. As rivalidades existentes entre as vários tribos, povos e reinos que ocupavam o actual território do país, só foram atenuadas pela oposição que se desenvolveu à ocupação colonial. O branco agiu, involuntariamente é claro, como elemento de união entre esses vários povos, pois em certa medida foi o ódio ao branco que os uniu numa luta comum.

Ironicamente o principal elemento fomentador aglutinador dos povos que constituem a actual Angola foi o branco, fosse ele proveniente de Portugal ou já nascido em Angola.

Citei apenas estes dois casos para minimizar o fastio do presente texto. Mas basta varrer vários artigos de opinião de conceituados comentadores e comentadoras angolanas, para se constatar mais do mesmo.

Poucos têm a inteligência e a coragem para analisar com frieza o sistema que controla o estado angolano, tal como o faz o escritor José Luís Mendonça (https://kesongo.com/jose-luis-mendonca-escalpeliza-o-sistema/) (acedido em 31 de Dezembro de 2023).

Para o José Luís Mendonça, é bastante claro o que se passou em Angola na sequência do Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, com o aparecimento de um “sistema” muito peculiar.

Passo a citar “Por sistema, especificamente em Angola, deve entender-se uma equipa de amigos que capturaram o Estado, mesmo antes da emancipação da colónia, isto é, durante as lutas intestinas em Luanda, em 1974, contra o colono da periferia e, depois, através da guerra civil, que se disseminou por todo o país, o que resultou na anulação com sangue do Acordo de Alvor… Angola é um cadinho de ex-nações, povos e culturas, cujo material etno-histórico é preciso saber misturar com sabedoria, a fim de acomodar com a participação dessas ex-nações no poder político, económico e cultural… Esta equipa de espírito pequeno burguês saiu da Casa dos Estudantes do Império e impôs aos angolanos um sistema presidencialista, baseado num regime totalitário e autocrático, baseado em excessos repressivos, prisões, tortura mecânica e psicológica e fuzilamentos sem juízo criminal, com a ocultação de cadáveres. Foi este sistema que desencadeou o massacre do 27 de Maio e hoje continua a utilizar os mesmos métodos dessa época”.

Ora, e agora afirmo eu, autor do presente texto, é evidente que para tal gente do sistema vigente em Angola, o malvado do colono em particular e o malvado do branco em geral, é uma rica explicação para a inoperância do actual status quo em Angola.

Muitas pessoas, colocam-se atrás de análises, umas mais eruditas tal como fez o Fernando Pacheco, outras mais cavernícolas como fez o Fernando Pedro, para chutarem as culpas daquilo que correu e ainda corre mal para o colono, para os brancos, para os angopulas, e nunca vão directamente ao cerne da questão, tal como o fez o José Luís Mendonça. É pena, pois assim talvez houvesse alguma possibilidade de emendar a mão e se garantir um melhor futuro para Angola.

Aliás, na sequência das tais lutas intestinas de 1974 e 1975, muitos portugueses e angopulas pretenderam retornar a Angola após a independência, mas o governo do Agostinho Neto opôs-se a isso. Convinha a muita boa gente herdar as propriedades e outros bens materiais e empresas dos “ausentes”. Estou perfeitamente à vontade para escrever sobre isso, os meus pais ficaram em Angola até Outubro de 1979 e as histórias que eles me contaram dos desmandos efectuados pelos representantes do governo angolano nas empresas intervencionas são por demais esclarecedoras.

Logicamente que passados anos, com o conhecimento daquilo que o poder popular representou, poder esse que de facto não existiu na prática, mas foi uma estratégia engendrada pelos tais amigos do sistema para controlarem o país, quaisquer veleidades que os brancos tivessem de voltar a Angola se esfumaram. Em vez de os brancos terem privilegiado o seu amor por Angola, eles privilegiaram o amor à própria pele e demandaram outras paragens.

Como sempre novas gerações de estrangeiros, vão à procura de ganhar a vida em Angola, sejam quais forem os meios, lícitos ou ilícitos. É a lei da vida. Deveria caber ao governo angolano ter juízo e tentar controlar o que se passa. Mas, sejamos honestos, é pedir o impossível.

Basta ver onde o actual Presidente da República vai passar a virada do ano de 2023 para 2024, o tamanho da sua comitiva de 33 pessoas e o custo da estravagância, (https://www.club-k.net) (acedido em 27 de Dezembro de 2023) para se perceber que, como dizem os brasileiros “daquele mato não sai cachorro”.

Ora se tal se viu alguma vez no tempo dos colonos brancos? Pois, eram colonos e fascistas.

E os actuais colonizadores o que são?

Está mesmo visto que os angolanos brancos não são parvos. Foram para outras paragens, por muita dor de alma que isso lhes tenha custado e ainda hoje lhes custe. Eu que o diga.

(*) Angolano, Professor (reformado) da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Artigos Relacionados