O MPLA, partido no poder em Angola há 46 anos (desde a independência), apelou hoje “ao envolvimento abnegado” de todos os cidadãos no processo de reforço da cidadania e construção de uma sociedade cava vez mais desenvolvida, democrática e inclusiva. Repete-se a receita, mas os cozinheiros são os mesmos, o peixe podre, a fuba podre, os panos ruins continuam a ser os mesmos. Nem a porrada, quando refilamos, é diferente…
Num comunicado, por ocasião dos 20 anos de paz (ausência de tiros) que Angola comemora hoje, o Bureau Político do Comité Central do MPLA saudou todas as forças da nação que, de forma directa ou indirecta, contribuíram para o fim do conflito armado, “que durante décadas dilacerou o país”.
“Nesta ocasião, o MPLA apela ao envolvimento abnegado de todos os angolanos no processo de reforço da cidadania e da construção de uma sociedade cada vez mais desenvolvida, democrática e inclusiva, garantindo a soberania, a integridade territorial do país e a segurança dos cidadãos, com vista à defesa das conquistas duramente alcançadas, à custa do sangue derramado por muitos dos melhores filhos de Angola”, sublinha-se na nota.
Os 20 milhões de pobres que, entretanto, invadiram o país ficaram satisfeitos com o discurso e, mais uma vez, prometeram tudo fazer (como pretende o MPLA) para aprenderem a viver sem… comer.
A maior força política angolana (e também militar já que o seu Presidente é Comandante-em-Chefe das FAA) considera ainda que é “o partido que melhor sabe interpretar as aspirações do povo angolano, mantém o seu compromisso a favor da paz (e por isso fala nela há 20 anos) e da reconciliação nacional, sobretudo entre os angolanos de primeira categoria – os puros, os do MPLA -, reflectido fundamentalmente nas medidas de políticas respeitantes ao reforço das bases da democratização da sociedade civil, potenciando a sua crescente participação no fortalecimento das estruturas familiares, na definição de políticas públicas, na reforma do Estado, ou ainda na promoção de valores culturais, patrióticos e de solidariedade entre os jovens”.
“Neste ano de grandes desafios cívicos e políticos, com realce para a realização de eleições gerais, em Agosto, o MPLA reafirma a sua responsabilidade em continuar a assumir o papel de vanguarda na difusão de valores e comportamentos éticos e patrióticos, com acções que enaltecem as conquistas alcançadas, e que transformem a realização do pleito eleitoral numa verdadeira festa da democracia, em que todos são chamados a participar com elevadas manifestações cívicas a favor da paz e do desenvolvimento de Angola”, lê-se no documento.
A guerra civil em Angola, que durou cerca de três décadas, terminou em 4 de Abril de 2002 com a assinatura dos acordos de Luena entre forças militares da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, e do Governo, liderado desde a independência do país pelo MPLA.
Presidente oficializou o cabritismo
Para melhor se entender todo este bacanal, toda esta orgia de vampiros do MPLA/Estado, nada como recordar aqui e agora o artigo de Graça Campos, publicado no dia 5 de Abril de 2021 no Correio Angolense, sob o título “PR oficializou o cabritismo”:
«Declarante no processo em que são réus Manuel Rabelais, antigo director do GRECIMA, e seu colaborador Hilário dos Santos, Walter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola, disse, no dia 11 de Fevereiro do corrente, que altos dignitários do país, entre eles generais, oficiais da Polícia e magistrados judiciais e do Ministério Público frequentavam assiduamente os corredores do banco para terem acesso a divisas.
Ele não esclareceu – e, aparentemente, ninguém se mostrou interessado em saber – se os beneficiários pagavam contravalores em kwanzas ou se as divisas eram oferecidas. As idas e vindas desses dignitários aos corredores do BNA ocorreram no tempo da outra senhora.
Foi pelo suborno e pela corrupção que José Eduardo dos Santos construiu uma vasta rede de asseclas que lhe permitiu (des)governar o país sem quaisquer ruídos. O antigo Presidente da República comprou a cumplicidade e o silêncio dos poderes judicial, castrense, executivo e da militância do MPLA. Pela via de “oferendas”, traduzidas em carros topo de gama (os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional estrearam os Jaguares em Angola…), casas nos mais luxuosos condomínios construídos com fundos públicos, acesso ilimitado a créditos bancários sem quaisquer garantias e outras benesses, o anterior presidente “secou na fonte” todas e quaisquer veleidades.
José Eduardo dos Santos saiu de cena há quatro anos, mas o “software” com que manietou o país foi aproveitado e até melhorado pelo seu sucessor.
O Decreto Presidencial 69/21 sobre o “Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos Financeiros e Não Financeiros por si Recuperados” é uma significativa melhoria desse software; é um atalho que leva juízes e procuradores directamente “ao pote”.
No fundo, o Presidente João Lourenço deixou cair os disfarces e deu dignidade institucional a uma prática que no passado já se chamou auto-consumo, algo que o já desaparecido Angolense traduziu para cabritismo.
O cabritismo é inspirado numa afirmação do falecido Flávio Fernandes, que, numa reunião com sobas de Malange, que o acusavam de apropriação excessiva de bens públicos, fez recurso a esse extraordinário quanto “letal” argumento: “hombo ydila boso bua ikutila”, ou seja, a cabra come onde está amarrada.
Embora o Decreto Presidencial estabeleça que a comparticipação é partilhada pelos tribunais e pela PGR somente quando um activo for perdido a favor do Estado, “mediante decisão condenatória”, juízes, procuradores e mesmo organismos públicos já, há muito, vem transferindo para a sua esfera património apreendido, mas ainda não perdido definitivamente para o Estado.
Ao Correio Angolense chegaram informações segundo as quais a maior parte dos apartamentos residenciais das Três Torres do eixo-viário que o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria Geral da República apreendeu a antigos funcionários seniores da Sonangol já estão ocupadas por operadores de Justiça.
Um Julho do ano passado, o Serviço de Recuperação de Activos da PGR anunciou a apreensão de três edifícios, sendo um de escritórios, e dois residenciais. A apreensão dos imóveis, comumente designados como as Torres A,B e C, foi feita ao abrigo da Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de bens.
No comunicado, a PGR não identificou os proprietários dos três edifícios, mas eles eram geralmente associados a antigos dirigentes da Sonangol, nomeadamente os ex-presidentes do Conselho de Administração, Manuel Vicente e Francisco de Lemos, bem como a Orlando Veloso, antigo director geral da SONIP.
“Nenhum processo envolvendo qualquer daquelas torres transitou em julgado, mas a maior parte dos apartamentos já foram distribuídos e em muitos casos já ocupados. No fundo, o Decreto Presidencial veio apenas dar cobertura legal a uma prática que já estava em curso“, disseram ao Correio Angolense fontes convergentes.
Mas não são apenas juízes e procuradores que “gingam” em torno e sobre património apreendido pelo Serviço de Recuperação de Activos da PGR. Ministério das Finanças e outros departamentos ministeriais, a quem a PGR confiou a tutela provisória desses bens, também já festejam antecipadamente.
Embora tenha ciência de que fracções da emblemática Torre Two pertencem a terceiros angolanos, a Direcção Nacional do Património do Ministério das Finanças não mostra a mínima disponibilidade de abrir mão de um milímetro que seja do referido edifício, cuja tutela provisória lhe foi atribuída.
A empresa angolana Sojoca, dona de três pisos daquele edifício, já anunciou que vai pleitear os seus direitos em tribunal.
”Ah, sim! Vamos resolver isso em tribunal. A intransigência da Direcção Nacional do Património do Ministério das Finanças não nos dá outra opção“, disse há duas semanas ao Correio Angolense o escritório de advogados Amaral Gourgel, que representa a Sojoca.
O “self service” dos operadores de justiça estendeu-se aos bancos. Há relatos de contas bancárias apreendidas pelo SNRA, no âmbito de investigações de putativos crimes de corrupção, que ficaram repentinamente “carecas”.
“Em alguns casos estamos a falar de contas bancárias que estavam muito bem nutridas, mas que de um momento para outro ficaram completamente vazias”, segundo contou ao Correio Angolense uma fonte familiarizada com o assunto.
Recentemente questionado por reputados juristas pelo seu cunho anti-ético, o cabritismo, que o Presidente da República oficializou por via do Decreto 69/21, pode ser impugnado legalmente.
Um jurista que trabalha no Ministério das Finanças disse ao Correio Angolense não encontrar na Constituição angolana qualquer disposição que dê suporte ao Decreto do Presidente.
“Entre os 7 artigos da Constituição que estabelecem as competências do Presidente da República, nos seus mais diversos papéis ou funções, não existe um único no qual João Lourenço fundamentou a sua decisão. Não há uma única alínea que o autorize a afectar os bens do Estado nestes termos. O Presidente da República praticou um acto literalmente ilegal”.
Segundo esse jurista, “o Presidente não está autorizado, de modo algum, a repartir os bens do Estado. É igual a ir ao Tesouro e retirar de lá dinheiro para oferecer à Ministra das Finanças pelo seu desempenho. Não é possível”.
Por outro lado, diz o mesmo interlocutor, “a Lei da Recuperação dos Activos não habilita o Presidente da República a regulamentar nada. E a lei não contemplou isso porque essa regulamentação não cai na alçada do Presidente da República. Essa é matéria que cai na competência absoluta da Assembleia Nacional, nos termos da alínea e), do artigo 164 da Constituição da República. Ou seja, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica”.»
Folha 8 com Lusa
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