NEM COM OS VOTOS DOS MORTOS SE SAFAM…

A UNITA, principal partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, apresentou junto da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) uma reclamação relativa ao Ficheiro Informático de Cidadãos Maiores (FICM) onde estão inscritos os cidadãos habilitados a votar nas eleições gerais de 24 de Agosto.

Para a UNITA, está em causa a integridade dos cadernos eleitorais, já que revelam a existência de cidadãos falecidos e outros que, tendo emigrado há vários anos, fixaram residência no estrangeiro.

Para garantir a “lisura dos sufrágios, o legislador ordenou, em 2015, que os cidadãos fizessem prova de vida”, recorda a UNITA, em comunicado, acrescentando: “Aqueles que não o fizessem, não poderiam ser incluídos no FICM, e, consequentemente, no seu produto derivado, os cadernos eleitorais”.

Segundo o partido, uma pequena amostra colhida por familiares de mais de uma centena de cidadãos falecidos, só em Luanda (alguns há mais de 10 anos), permitiu apurar que estes constam das listas de eleitores, tendo-lhes sido atribuídas uma assembleia e mesa de voto para votarem no dia 24 de Agosto de 2022.

Se os mortos não “puderem” votar presencialmente, certamente que a CNE (sucursal do MPLA) se encarregará de arranjar voluntários que votem pelos mortos, por delegação destes…

“Apercebendo-se disso, os cidadãos estão preocupados com a integridade dos cadernos eleitorais e com a possibilidade real de alguém utilizar fraudulentamente e de forma organizada a identidade dos milhares de cidadãos falecidos, indevidamente inscritos nos cadernos eleitorais, para praticar o crime do voto plúrimo”, refere a UNITA.

O partido diz ser incompreensível que milhares de cidadãos já falecidos e que não fizeram prova de vida no período de 2012 a 2022, voltem a aparecer nos cadernos eleitorais de 2022, o que “constitui uma séria ameaça à integridade do processo”.

Para a UNITA, a inclusão de cidadãos falecidos no FICM e nos cadernos eleitorais, viola a lei, torna os cadernos eleitorais inválidos e aumenta o risco de violação do direito de voto. Isso é que pensa a UNITA e pensam todos aqueles que julgam que Angola é aquilo que (ainda) não é: Um Estado de Direito. Sendo um reino ou, melhor, um território muito mal frequentado, os mortos podem mesmo votar desde que, é claro, o façam no… MPLA.

Além da inclusão dos cidadãos falecidos, a UNITA constatou também que muitos cidadãos arrolados nas listas como eleitores foram deslocalizados para assembleias de voto que não escolheram, fora da sua área de residência.

Em causa estão o Ministério da Administração do Território (MAT), que entregou à CNE o ficheiro não expurgado dos cidadãos falecidos, bem como a CNE, que, sem auditar o FICM entregou ao Tribunal Constitucional (outra sucursal do MPLA) uma lista geral de eleitores povoada de milhares de cidadãos já falecidos (que poderão ser mais de três milhões) e outros deslocalizados, comprometendo o processo eleitoral.

O partido pede por isso a intervenção da CNE no sentido de tomar providências para corrigir os “erros e omissões”, expurgando os eleitores falecidos e resolvendo o problema dos deslocalizados.

Recorde-se que mais de 22 mil cidadãos angolanos actualizaram o seu registo eleitoral em 12 países estrangeiros e estão habilitados a votar nas eleições gerais marcadas para 24 de Agosto, anunciou o governo angolano. No espaço de algumas horas passaram de 18 mil para 22 mil…

“Hoje remetemos à Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o ficheiro informático dos cidadãos maiores definitivo contendo um total de 14.399.391 eleitores. Deste 22.560 actualizaram o seu registo eleitoral mo exterior, em 12 países e 26 cidades, nomeadamente de África do Sul, Alemanha, Bélgica, Brasil, França, Grã-Bretanha Namíbia, Países Baixos, Portugal, República Democrática do Congo, Republica do Congo e Zâmbia”, anunciou no dia 13 de Junho o ministro que aconselha os angolanos no exterior a mentir sobre a situação real de Angola, e que dirige a Administração do Território. De seu nome, Marcy Lopes.

No ficheiro informático consta o total de eleitores angolanos registados, bem como a sua localização, incluindo cerca de 10 milhões de cidadãos que foram transferidos da base de dados do Bilhete de Identidade, incluindo os que residem no exterior, bem como os que completam 18 anos até à data das eleições.

Segundo Marcy Lopes foram feitas, durante o período de consultas e reclamações, 501.768 consultas a partir do site “meuregisto.gov.ao”, por via telefónica e através dos balcões de atendimento ao público, e 2.139 reclamações, das quais 1.287 foram atendidas e viabilizadas e 852 rejeitadas por não caberem no âmbito legal.

Pela primeira vez, o registo foi feito de forma oficiosa, consistindo na transferência da base de dados do registo civil (bilhete de identidade) para a base de dados dos cidadãos maiores.

Em paralelo, como não estão ainda implantados serviços de identificação em todo o território (em 46 anos de governo o MPLA ainda não teve tempo para isso) houve necessidade de conferir o cartão de eleitor a todos os cidadãos que vivem em zonas recônditas, onde foi feito o registo presencial com base em prova testemunhal.

“Não podemos falar em margem de erro em matéria de registo do cidadãos eleitores”, sublinhou o governante, indicando que foram colocados na base de dados todos os cidadãos que têm idade igual ou superior a 18 anos.

Marcy Lopes disse que constam do ficheiro também os que designou como “objectores de consciência”, pessoas que nunca fizeram o registo eleitoral, mas estão incluídos no ficheiro por via do processo automático de transferência da base de dados do bilhete de identidade, bem como pessoas que sejam condenadas a pena de prisão ou que morram até à data das eleições.

Convém não esquecer, fazendo fé na “lei” do MPLA já bem testada nas eleições anteriores, que podem haver excepções e os mortos votarem desde que, é claro, deleguem essa missão em dirigentes eleitorais do MPLA. É desta “lei” que resulta o facto de haver casos em que surgiram mais votos do que eleitores inscritos.

“São circunstâncias naturais e outras decorrentes da lei que não estão sob nosso controlo por que tem de haver uma data de corte” para a ficheiro informático, que deu também na altura entrada no Tribunal Constitucional.

Até ver, o MPLA tem garantias de que a máquina eleitoral está quase pronta. Todos os dias se verifica que, tal como no tempo de José Eduardo dos Santos, filho de jacaré é jacaré. Ao contrário do que afirmou, o Presidente João Lourenço mostrou que não há jacarés vegetarianos.

Os angolanos começam a ver que o MPLA não é (nunca foi) uma solução para o problema. É, isso sim, um problema para a solução. Não admira, por isso, que João Lourenço tenha dado sobejos sinais de que não irá perder tempo com julgamentos nem com eleições cujos resultados não controlasse. Agostinho Neto já o fizera com total sucesso. O MPLA já admite em público que a vitória será sempre certa.

A maioria da oposição parlamentar, com a qual o MPLA está a ficar farto porque ela vai mostrando que o partido de João Lourenço só consegue viver em guerra ou num sistema de único partido, considera que o MPLA usa todos os subterfúgios possíveis para esconder a falta de vontade política do partido no poder para dar a palavra (e o direito livre de escolha) ao Povo.

Com efeito, o secretário para os Assuntos Eleitorais do MPLA afirmou há uns meses que não havia, de momento, “condições objectivas” para levar o escrutínio avante, no meio da pandemia de Covid-19. Referia-se às autárquicas, mas a estratégia aplica-se a tudo o que o MPLA quiser.

Em declarações à Rádio Nacional, Mário Pinto de Andrade sustentou que a experiência dos países da África Austral que realizaram eleições legislativas foi “muito má”, o que exige muita cautela. De facto, é complicado. Como é que o MPLA poderá aceitar ser derrotado por um vírus que, ainda por cima, foi gerado nos históricos amigos chineses? Melhor mesmo seria fazer umas eleições em que apenas votassem os deputados do reino.

“Aliás, nós temos estado, ao nível do MPLA e dos partidos da oposição, a participar (em encontros) online de outros países aqui da África Austral que realizaram eleições legislativas, e em que as pessoas pedem-nos para termos cautela porque a experiência deles foi, de facto, muito má”, sublinhou Pinto de Andrade.

E tem razão. Como sempre o MPLA tem razão. Porque o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, não há razões para respeitar a democracia (que, ainda por cima, como disse Eduardo dos Santos, “nos foi imposta”). Além do mais, as eleições custam muito dinheiro que, na verdade, faz falta para ajudar os dirigentes do MPLA a comprarem mais casas, empresas etc. no estrangeiro.

Na verdade, hoje o MPLA tem medo. Mas não há razões para isso. Bem que o partido de João Lourenço poderia até divulgar agora os resultados das próximas eleições…

Folha 8 com Lusa

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