Uma vergonha chamada CPLP

O antigo secretário-executivo de uma “coisa” que existe “de jure” mas que “de facto” é só um elefante branco e que dá pelo nome de Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Murade Murargy, defendeu em Junho de 2020 que a organização devia ajudar Moçambique no combate aos ataques em Cabo Delgado, nomeadamente agindo “como um padrinho” na mobilização de apoios internacionais.

Como moçambicano, Murade Murargy, que também fez parte de anteriores governos do seu país e foi chefe da Casa Civil de ex-Presidente Joaquim Chissano, disse, em entrevista à Lusa, que Moçambique precisava (continua a precisar) do apoio internacional para combater o problema dos ataques em Cabo Delgado (norte do país) e que a CPLP devia passar das palavras aos actos na ajuda a um Estado-membro que enfrenta “uma agressão externa” e “uma invasão do seu território”. Aqui é que a CPLP se revela em todo o seu esplendor. Palavras, palavras e nada mais do que isso.

“O meu país, além desta grande crise sanitária [a pandemia de Covid-19] ainda está a enfrentar duas frentes de batalha (…). A primeira, já é antiga,(…) que é a guerra contra a Junta Militar da Renamo [o grupo de antigos militares do braço armado do maior partido da oposição], que está ainda a actuar no centro de Moçambique. Depois tem a frente de Cabo Delgado, que está mais relacionada com o crime organizado e transfronteiriço”, sublinhou.

Numa organização como a CPLP, “solidária, fraterna, com espírito de entreajuda”, seria natural que “os chefes de Estado, de alguma forma, tivessem uma reunião de urgência, (…) para ver o que se pode fazer para ajudar Moçambique a ultrapassar esta invasão do seu território”, afirmou Murargy, que foi secretário-executivo entre 2012 e 2016.

Os apoios podem, na opinião de Murargy, ser técnico-militares, materiais ou financeiros. Acrescentando que “a CPLP pode ser o padrinho para solicitar a mobilização do apoio internacional para Moçambique”.

Segundo o antigo responsável, o próprio presidente da organização – na altura o chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca -, “podia deslocar-se a Moçambique, falar com o Governo moçambicano, avaliar a situação (…), conhecer a origem deste conflito, depois informar os outros Estados-membros ou convocar uma cimeira de urgência”, para “encontrar soluções”.

A nível bilateral, entre os Estados-membros, também “devem haver acordos de cooperação militar, que podem permitir uma mobilização de apoios para fazer frente a esta agressão”, adiantou.

Mas, é a CPLP que deve ver o que pode fazer, “seja ao nível dos seus Estados-membros, seja de apoios fora da comunidade, ao nível das Nações Unidas, por exemplo”, apontou.

Quando questionado se o Governo moçambicano quer realmente ajuda para fazer face ao problema dos ataques a Cabo Delgado, cuja origem ainda não era na altura claramente conhecida, o embaixador respondeu: “Não sei. Mas a iniciativa tem de partir da CPLP. Não é Moçambique que vai pedir à CPLP para se reunir”.

Murargy apontou como exemplo o apoio que a França está a dar, com o seus militares numa força conjunta, para combater o Boko Haram, grupo jihadista que opera na região do Sahel.

“Por isso, se as Nações Unidas assumirem que este conflito em Moçambique é transfronteiriço e que põe em causa a estabilidade vindo de fora, se for chamada como uma força de manutenção de paz vai ter de considerar”, concluiu, admitindo que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, “estaria aberto a discutir essa possibilidade e de que forma esse apoio poderia vir”.

Segundo o diplomata moçambicano, o que está a acontecer em Moçambique é uma situação que está também a ganhar terreno na Tanzânia

“É um movimento que vem lá de cima, mas vem descendo da Somália. É porque há cidadãos de outros países que estão envolvidos nisto e que querem transformar esta região toda numa região islâmica”, reforçou.

Os ataques de grupos armados que desde 2017 aterrorizam Cabo Delgado já tinham feito (Junho de 2020) pelo menos mil mortos, entre civis, militares moçambicanos e vários rebeldes, e estavam a causar uma crise humanitária que afectava mais de 700.000 pessoas.

As Nações Unidas estimavam na altura que haveria 250.000 pessoas em fuga dos distritos mais afectados, mais de 10% da população da província, que tem cerca de 2,3 milhões de habitantes.

Alguns dos ataques são desde há um ano reivindicados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico e a ameaça terrorista é reconhecida dentro e fora do país, tendo os grupos de rebeldes ocupado importantes vilas de Cabo Delgado (situadas a mais de 100 quilómetros da capital costeira, Pemba) durante dias seguidos, antes de saírem sob fogo das Forças de Defesa e Segurança moçambicanas.

Uma vergonha… felina

Abril de 2012. A Força de Reacção Imediata (FRI) das Forças Armadas portuguesas estava a elevar o seu nível de prontidão devido ao agravamento da situação na Guiné-Bissau.

As forças especiais, pára-quedistas e fuzileiros receberam no dia 13 de Abril de 2012 ordens para aumentar a velocidade de resposta para “acautelar” qualquer eventualidade.

A FRI, que tinha (teve, tem) meios dos três ramos das Forças Armadas que variam consoante o tipo de missão, pode ser deslocada em 72 horas e é comandada pelo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Recorde-se que o chefe do Estado Maior General das Forças Armadas portuguesas (CEMGFA) considerou em 24 de Setembro de 2008 estarem criadas as bases da doutrina militar para o emprego de uma força conjunta da CPLP.

Luís Valença Pinto regozijou-se na altura com a participação, pela primeira vez, de forças de todos os países que compõem a CPLP no exercício FELINO concluído então na área militar de S. Jacinto, em Portugal.

No balanço que fez desse exercício conjunto, o CEMGFA considerou que o FELINO 2008 permitiu lançar as bases de doutrina militar para criar uma força conjunta que possa ser activada para missões de paz, sob a égide das Nações Unidas.

Será que o que se tem passado, o que se passa e que se virá a passar na Guiné-Bissau não justifica a activação dessa força? Isto (re)perguntava o Folha 8 eu em Dezembro de 2011. Há quase dez anos…

“Portugal ensinou e aprendeu muito e a conduta táctica permitiu recolher referências para essa doutrina militar, cujas bases deverão ser testadas em 2009, em Moçambique”, disse Luís Valença Pinto, acrescentando que a construção dessa doutrina militar é condição de base para o emprego comum de forças da CPLP, já que há países de dimensão muito diferente e com realidades distintas das de Portugal, como elemento da NATO.

O CEMGFA salientou que, devido à cooperação militar, seria viável até aqui uma intervenção bilateral ou trilateral, mas não a oito, do ponto de vista militar, dada a necessidade de harmonizar conceitos, técnicas e tácticas, que foi o objectivo do FELINO 2008.

No terreno desde 2000 (há, portanto, 21 anos), os FELINO visam treinar o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação de resposta a uma situação de crise ou guerra não convencional, por parte das Forças Armadas dos estados-membros da CPLP.

Em teoria, e é só disso que vive a CPLP, as forças FELINO poderiam actuar por livre iniciativa da CPLP quando a situação é de crise num dos seus estados-membros.

Em termos políticos, de acordo com o especialista angolano em Relações Internacionais, Eugénio Costa Almeida, “o grande problema da CPLP é não ter, ao contrário da britânica Commonwealth ou da Communauté Française, um Estado com capacidade de projecção e liderança que defina e determine as linhas de actuação da Comunidade, tal como faz Londres ou Paris”.

O facto, “ainda não foi ultrapassado e se calhar é de difícil solução, a CPLP não falar a uma só voz, de não ter uma voz de comando que determine o rumo a seguir, leva a que, em situações de crise num dos seus membros, sejam terceiros a resolver o problema”, diz Eugénio Costa Almeida.

Além de Moçambique, integram a CPLP mais oito Estados: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

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