TESTA-DE-FERRO PORTUGUÊS COMPROU EURONEWS COM DINHEIRO HÚNGARO

Para “atenuar a ideologia de esquerda” na UE, o regime de Viktor Orbán financiou com 57,5 milhões de euros a compra da estação televisiva europeia. À frente do negócio está Pedro Vargas David, filho de um histórico do PSD com ligações a interesses húngaros e dono dos jornais “i” e “Nascer do Sol”. A investigação foi publicada pelo Expresso, Le Monde e Direkt36.

Por Esquerda.net

Uma investigação jornalística confirmou esta semana que parte dos 150 milhões de euros que serviram para comprar a Euronews saíram dos cofres públicos da Hungria. Essa era uma suspeita que remonta à altura do negócio, em 2021, mas que na altura tinha sido desmentida quer pelo português que dirige a Alpac Capital, que detém o fundo comprador, quer pelo próprio primeiro-ministro húngaro, que respondeu com ironia aos jornalistas: “O Fidesz não tem planos para [ser] um império mundial”.

O fundo de capital de risco em causa é liderado por Pedro Vargas David, filho do ex-dirigente e eurodeputado do PSD Mário David, que se tornou conselheiro de Viktor Orbán e foi condecorado com o Grau de Cavaleiro da Ordem de Mérito da Hungria em 2016 pelas suas acções no “apoio aos interesses húngaros”.

Segundo a investigação publicada no Expresso, a partir de documentos obtidos pelos jornalistas húngaros do Direkt36, um fundo detido a 100% pelo estado húngaro através da Széchenyi Funds (SZTA) e com ligações ao partido Fidesz investiu 45 milhões de euros no European Future Media Investment Fund (EFMI), o veículo criado pela Alpac Capital para comprar a Euronews, negócio que se concretizaria em 2022.

A este valor somam-se mais 12,5 milhões emprestados a uma subsidiária húngara da Alpac Capital para que esta investisse no EFMI. A origem do empréstimo foi a New Land Media, empresa do principal produtor de propaganda para o governo de Orbán, Gyula Balasy. Em Fevereiro, o portal de jornalismo de investigação G7.hu fez as contas aos 2.300 contratos de comunicação publicados pelo governo húngaro entre 2015 e 2023 e concluiu que as empresas de Balasy – Lounge Design and New Land Media – concentram 72% do total, arrecadando 2.560 milhões de euros.

“Nascer do Sol”, um esquema de intoxicação

Os 57,5 milhões agora identificados como estando ligados ao partido que governa a Hungria e ao político que serve de modelo à direita autoritária na União Europeia terão sido determinantes para completar o investimento da Alpac na Euronews – 150 milhões para a compra e mais 20 para a restruturação. O fundo EFMI foi liquidado em 2023 e a Euronews é detida por uma holding da Alpac Capital no Dubai, a mesma que adquiriu os títulos “Nascer do Sol” e “i” poucos dias depois da compra da Euronews. Na recente campanha eleitoral para as legislativas, André Ventura anunciou num comício uma “notícia” que sairia no dia seguinte no “Nascer do Sol” a atacar a mãe de Mariana Mortágua.

Num memorando confidencial agora revelado, o director de investimentos da SZTA, a empresa criada pelo governo húngaro para gerir os fundos soberanos e apoiar PME, expunha em Fevereiro de 2022 os seus planos para fazer da Euronews “o meio de comunicação social mais influente e informativo da União Europeia, com a missão de responsabilizar Bruxelas”. Um plano que passava por cooperar com universidades para “atenuar a ideologia e o preconceito de esquerda”, dentro de uma lógica de “apoiar a diversificação do jornalismo europeu e global”.

Alguns especialistas de risco do fundo estatal húngaro ainda levantara dúvidas sobre se as instituições da União Europeia – cujos contratos representam quase metade das receitas da Euronews – “continuariam dispostas a financiar a produção de programas em caso de uma mudança na orientação do canal (por exemplo, o surgimento de opiniões críticas da UE)”. Mas o investimento avançou à mesma e o plano de restruturação do canal, com o fecho da sede em Lyon, transferida para Bruxelas, e a redução de 150 postos de trabalho também aconteceram.

Na redacção da Euronews ainda ninguém se queixa de pressões quanto à cobertura de temas relacionados com a Hungria. Mas o mesmo não acontece quanto a outros regimes que também financiam o canal, como o Azerbaijão, Qatar, Marrocos ou Arábia Saudita. “Ou somos impedidos de cobrir [certos] temas, ou somos obrigados a abordá-los com instruções muito precisas para não ofender os clientes, ou somos obrigados a elogiar um cliente nas notícias”, cita o Expresso a partir de um documento interno produzido em 2023 por representantes da redacção. A presidente do Conselho Editorial da Euronews, nomeada logo após a entrada do fundo da Alpac, é a ex-directora de informação da Rádio Renascença, Graça Franco. Outra portuguesa contratada para consultora da estação televisiva foi Cristina Vaz Tomé, a ex-quadro da consultora KPMG que coordenou a estratégia do PSD para a Economia e Empresas e acaba de ser nomeada secretária de Estado da Gestão da Saúde.

Magnatas da imprensa ou testas de ferro de Orbán?

A Alpac Capital é detida por dois accionistas: Pedro Vargas David e Luís Santos. Se o primeiro é apontado como beneficiário dos créditos políticos acumulados pelo seu pai, na verdade é o segundo que tem o pai mais famoso, o ex-seleccionador nacional de futebol Fernando Santos. Formado em economia e doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais, foi entre 2005 e 2013 quadro da consultora McKinsey, de onde saiu para lançar a Alpac Capital com uma quota de 33%. Nas redes sociais afirma já ter trabalhado em 16 países (Singapura, Indonésia, Malásia, Vietname, China, Emirados Árabes Unidos, Brasil, México, Peru, Chile, Colômbia, Portugal, Hungria, Espanha, Luxemburgo e Angola) e visitado 110.

Em 2021, o semanário Expresso deu conta que logo a seguir à criação do Alpac Capital, em 2016, Pedro Vargas David tornou-se administrador da Metalcom, a empresa contratada pelo governo de Viktor Orbán para construir e manter a barreira anti-refugiados na fronteira com a Sérvia. O CEO e principal dono da Metalcom era Zoltán Bozó, candidato do Fidesz, o partido de Orbán, à autarquia húngara de Szentes. O segundo maior accionista, Dániel Mendelényi, é um empresário nomeado embaixador “extraordinário e plenipotenciário” da Hungria em 2014.

O Expresso revela mais investidores húngaros em fundos de capital de risco geridos pela empresa de Pedro David, como um dos que está registado na CMVM portuguesa, o East West European Capital Fund, lançado em Junho de 2017 com 20 milhões de euros e que junta investidores como o banco estatal húngaro Exim, o grupo de gás e petróleo MOL e o maior banco privado do país, o OTP Bank. Outro fundo é o Luso-Pannon, que detém uma empresa de Budapeste com participação no capital de uma empresa de software húngara onde o português é um dos administradores.

Entretanto, em conferência de imprensa realizada ao final da tarde de sexta-feira, a deputada bloquista Joana Mortágua apresentou as razões do Bloco para questionar o Governo e a Entidade Reguladora da Comunicação acerca do resultado da investigação jornalística sobre as ligações do governo húngaro à compra da Euronews pela mesma empresa que adquiriu dois títulos da imprensa portuguesa.

“A resposta de Luís Montenegro de que nada tinha a ver com o assunto é uma resposta inaceitável. O primeiro-ministro é o primeiro que tem de procurar ter garantias sobre a independência e a liberdade de imprensa dos órgãos de comunicação social em Portugal”, afirmou Joana Mortágua.

Nas questões dirigidas ao ministro dos Assuntos Parlamentares, que tem agora a tutela da comunicação social, o Bloco quer saber “que medidas irá tomar o Governo para o esclarecimento desta situação e para impedir interferências obscuras, através de fundos pouco transparentes, na imprensa portuguesa”. À Entidade Reguladora da Comunicação é feita a mesma pergunta e requerida a informação na sua posse relativa à aquisição dos jornais “Sol” e “i” e às suas alegadas ligações com fundos associados ao Governo da Hungria.

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