“Silêncio misterioso” da justiça sobre o assassinato de Inocêncio de Matos

A família do activista Inocêncio de Matos, morto há um ano por disparos da Polícia, durante uma manifestação em Luanda, criticou hoje o “silêncio misterioso” dos órgãos de justiça sobre o processo, lamentando a “cosmética” concretização dos direitos humanos.

O activista angolano, de 26 anos, morreu em 11 de Novembro de 2020, na sequência de disparos efectuados por efectivos da polícia angolana durante uma manifestação, em Luanda.

Doze meses após a sua morte, o pai do activista, Alfredo Miguel, pediu “encarecidamente a todos os actores que concorrem para a causa da justiça e dignidade humana em Angola e além-fronteiras a ajudarem a família na efectivação da justiça” sobre a morte de Inocêncio de Matos.

“E de modo geral a todos que perderam a vida em circunstâncias iguais, com vista a acudir à triste realidade da sociedade angolana, que muitas vezes é abordada de maneira cosmética por parte das entidades do Estado angolano”, afirmou Alfredo Miguel em conferência de imprensa.

Alfredo Miguel recordou à imprensa que o mundo assinala hoje o Dia Mundial dos Direitos Humanos e que o Presidente angolano, João Lourenço, garantira em Novembro de 2020, durante um encontro com a juventude, que o “processo de investigação” do caso “estava em curso e que o mesmo seria esclarecido em breve”.

“Porém, 12 meses depois da garantia do senhor Presidente da República, até à data presente, os órgãos de justiça não se pronunciaram sobre o respectivo crime”, apontou.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola deu a conhecer, na altura, que de acordo com o primeiro exame do cadáver e autópsia a perícia concluiu que a causa da morte de Inocêncio de Matos foi um “traumatismo crânio-encefálico com fractura dos ossos do crânio e lesão do encéfalo, resultante de ofensa corporal com objecto de natureza contundente”.

Testemunham oculares garantem, no entanto, que o jovem activista foi baleado e morreu no local, sendo este também o entendimento dos familiares que culpam a polícia pela morte, como reafirmou Alfredo Miguel.

O pai da vítima afirma que seu filho “indefeso foi cobardemente assassinado enquanto prostrado, diante do forte e desproporcionado arsenal policial, implorando” que lhe “poupassem a vida”.

“Mesmo assim, as forças da Polícia nacional atiraram impiedosamente com metralhadoras de guerra à cabeça do infeliz jovem que se encontrava de joelhos ao chão”, lamentou.

Passado um ano do assassinato, observou, “as autoridades governativas aos distintos níveis, demarcam-se da abordagem sobre a morte de Inocêncio de Matos, enquanto o misterioso silêncio dos órgãos de justiça sobre o processo, com vista ao esclarecimento e responsabilização exemplar dos mentores do premeditado crime, se mantém”.

Para Alfredo Miguel, a sociedade angolana vê-se na “obrigação de pedir licença e compreensão aos que se sentem incomodados pelas legítimas reclamações do povo fragilizado pela miséria, fome, injustiça e violência gratuita imposta por aqueles que têm o dever sagrado de proteger a vida humana”.

O pai de Inocêncio de Matos pediu igualmente aos deputados angolanos para “não perderem a identidade e os legítimos objectivos que os conduziram ao parlamento para a concretização das expectativas dos cidadãos que representam”.

Alfredo Miguel, que já efectuou vigílias em frente à sede da PGR angolana, disse ainda que a morte do seu filho provocou “transtornos incontornáveis à família e à sociedade em geral que chora e clama por justiça plena e incondicional”.

“Neste Dia Mundial dos Direitos Humanos julgamos que Angola precisa ainda de fazer muito mais e mais do que isso, existem provas evidentes sobre violações graves dos direitos humanos como é o caso do meu filho e de muitos que continuam sem esclarecimentos”, rematou.

Lusa

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