O Tribunal Supremo de Angola condenou hoje, em cúmulo jurídico, o ex-ministro da Comunicação Social angolano e director do extinto GRECIMA, Manuel Rabelais, a 14 anos e seis meses de prisão pelos crimes de peculato e branqueamento de capitais.
O co-arguido no processo, Hilário Gaspar Santos, à data dos factos assistente administrativo do GRECIMA, foi condenado a 10 anos e seis meses de prisão pelos mesmos crimes. Ambos, recorde-se, desempenharam os cargos em governos do MPLA, partido que, aliás, governa o país há 45 anos.
Manuel Rabelais, antigo ministro da Comunicação Social, estava arrolado no processo na qualidade de ex-director do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), por actos praticados entre 2016 e 2017.
A sentença foi apresentada hoje pelo juiz da causa Daniel Modesto, que no final da sua exposição disse que os arguidos, durante as audiências de julgamento, “não mostraram qualquer arrependimento e tentaram esquivar-se de forma ardilosa dos actos ilícitos que sabiam que tinham praticado”.
A defesa, por seu lado, interpôs recurso com efeito suspensivo, aceite pelo juiz da causa, pelo que os arguidos devem aguardar o recurso em liberdade.
Segundo a acusação, os arguidos defraudaram o Estado angolano em mais de 22,9 mil milhões de kwanzas (30,6 milhões de euros), sendo 4,6 mil milhões de kwanzas (6 milhões de euros) recebidos directamente do Orçamento Geral do Estado (OGE) e 18,3 mil milhões de kwanzas (24,4 milhões de euros) das divisas recebidas do Banco Nacional de Angola (BNA).
O GRECIMA foi criado em Maio de 2012, como órgão auxiliar do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e extinto, em 2017, pelo actual Presidente de Angola, João Lourenço, que enquanto ministro da Defesa de Eduardo dos Santos e vice-presidente do MPLA esteve de acordo com a sua existência e funcionamento. “O povo angolano agradece a dedicação e o empenho do Presidente José Eduardo dos Santos”, afirmou João Lourenço no seu discurso de tomada de posse.
A instituição tinha contas domiciliadas no Banco de Comércio Indústria (BCI) para onde eram canalizadas grande parte das divisas adquiridas no BNA, e noutros bancos comerciais, nomeadamente o BAI (Banco Angolano de Investimentos), BIC (Banco Internacional de Crédito), SOL e BPC (Banco de Poupança e Crédito).
Também neste caso se confirma a existência de uma agenda oficial de perseguição selectiva. Sabendo-se que o peculato e a corrupção medram no país desde 1975, servindo para tonar o MPLA no partido que deve ser o mais rico do mundo (é dono do Estado), só estão a ser acusados os que eram bestiais e agora são bestas porque, ao contrário de outros, se recusaram a ser tapetes dos novos senhores, também eles ex-tapetes do anterior senhor.
A independência e a justiça (pilares basilares e “sine qua non” não há Estado de Direito), foram substituídas pela vontade exclusiva da nova “ordem superior” que a uns permite terem visto roubar, participarem nos roubos, beneficiarem dos roubos mas não serem ladrões, e a outros não.
Desse prisma, a situação é grave e perigosa e pode levar o povo a chegar às seguintes conclusões, todas elas fornecidas pelo poder instituído, autocrático e a resvalar até para o totalitarismo:
a) O MPLA colocou nas suas listas, segundo o que a Procuradoria-Geral da República nos diz, gatunos e corruptos, que lesaram, conscientemente o Estado;
b) Nesse quadro, a vitória do MPLA deveria ser impugnada, por ter sido alcançada ao arrepio da Constituição, da Lei Eleitoral, da Lei dos Partidos Políticos;
c) Declarar-se nulos todos os actos da Comissão Nacional Eleitoral e inconstitucional a homologação de vitória feita pelo Tribunal Constitucional;
d) Criação de uma nova Comissão Eleitoral Independente;
e) Convocação de novas eleições gerais, por as anteriores terem sido, segundo os actos subtis do actual Presidente da República, manipuladas por corruptos e ladrões do erário público (Rabelais dirigia o GRECIMA, órgão do Estado apontado como tendo, descaradamente, beneficiado o candidato do MPLA).
No entanto, o desespero não descarta, com o agravar da permanente humilhação e perseguições por motivações discriminatórias de todos quantos serviram José Eduardo dos Santos, deixando de fora – contudo – muitos outros que igualmente o serviram mas porque têm agora o Poder nas mãos são quem determina quem é, ou foi, ladrão bom e ladrão mau.
É grave espezinhar a Constituição e as leis, na lógica de elas não valerem nada, quando em causa estiver a vontade irascível de um poder usurpado humilhar quem cumpriu ordens e serviu a República, no consulado passado (pelo mesmo partido politico, afinal, uma quadrilha de gatunos e corruptos unidos como todos os dias se torna cada vez mais inequívoco).
É meritório e de se aplaudir o combate contra a corrupção, mas seria de elevada nobreza que todos, a começar pela cúpula do MPLA, pedissem desculpas aos povos angolanos, pela delapidação do erário público, uma vez não haver, entre si, inocentes. Na verdade, em matéria não só política como de lisura civilizacional, se alguns sabendo não se pronunciaram antes, são cúmplices, com iguais responsabilidades.
Muitos (cada vez mais) especulam, verdade ou mentira, que se João Lourenço disputasse eleições internas, no MPLA, nunca as venceria. É, hoje, uma especulação que, contudo, à luz das práticas seguidas tende a ser uma verdade irrefutável.
A indicação/imposição de João Lourenço foi uma aposta pessoal e exclusiva de José Eduardo dos Santos. Diz-se estar arrependido com a perseguição aos filhos e a outros membros do MPLA que, aliás, foram tão servis a bajuladores quanto João Lourenço. Outros dizem que a maioria dos dirigentes, mesmo os assumidos “lourencistas” estão contra essa perseguição, ódio e falta de gratidão. Mas, recorde-se, também a estes se aplicará um dia a lei do silêncio cúmplice e da responsabilidade partilhada.
Talvez, nesta fase, ninguém saiba onde está a verdade, mas muitos actos a todos intrigam. Talvez por não se justificarem alguns métodos, considerados inovadores, depois de 38 anos de poder unipessoal de José Eduardo dos Santos. A prática mostra (já não é possível esconder mais, apesar dos megalómanos investimentos na propaganda interna e externa), haver um sentido de revolta e ódio pessoal de João Lourenço contra tudo que respira José Eduardo dos Santos, fazendo-nos ver no actual Presidente do MPLA não um estadista de, pelo menos, mediana estatura moral, ética e intelectual, mas um pigmeu. Só assim se compreende que, numa orgia canibalesca, queira matar o seu criador.
A vingança pessoal, que a maioria – cada vez menos expressiva e solidária com o populismo – desconhece a origem, é perniciosa por, visivelmente, estar também a desestabilizar o país do ponto de vista financeiro e económico, arrasando a credibilidade externa e pouco se importando com a interna.
Institucionalizar uma querela pessoal como método de gestão de Estado é mesquinho, perigoso e até explosivo, num país como Angola, onde a fome tem pressa e, ironia do destino, até ser cidadão, agora ficou caro…
A cidadania custa mais de 80% do salário mínimo, significando, que a maioria dos pobres, não terá personalidade jurídica, tão cedo, logo serão marginalizados pela Constituição. Impor um clima de terror, não é avisado e racional, por levar à indagação geral da figura de Presidente da República ter sido substituída pela de Xerife da República.
Diante deste quadro, que muitos consideram de descaracterização do Estado, será que todos irão continuar mudos, impávidos e serenos? Essa descaracterização não belisca nem machuca a imagem e credibilidade do próprio MPLA e do regime, que lidera há 45 anos?
Folha 8 com Lusa