Os deputados angolanos das bancadas da oposição que o MPLA ainda permite defenderam hoje que a justiça tem de estar acima dos partidos e dos interesses particulares dos juízes, para que os tribunais mereçam a confiança dos cidadãos, admitindo que são necessárias reformas. É claro que quando, e se, isso acontecer será o fim do MPLA porque Angola passará a ser o que ainda não é: um Estado de Direito Democrático.
A Assembleia Nacional realiza hoje a primeira sessão plenária de 2021, debatendo quatro diplomas relacionados com o sector da justiça, relativos ao funcionamento do tribunal constitucional, lei do processo constitucional, normas do Código do Processo Civil e Penal e relativas às custas judiciais.
Antes da apreciação dos diplomas, os deputados apresentam as suas declarações políticas focando as debilidades da justiça que, como se sabe, não é de Angola mas – isso som – do partido que há 45 anos é dono do país.
Na sua declaração política, que começou dirigindo-se a “todos os jovens que são julgados injustamente por exercer os seus direitos”, num dia em que o debate se centra na área da Justiça, a vice-presidente da UNITA, Mihaela Webba, assinalou que o funcionamento das instituições não pode ser prejudicado por interesses político-partidários. Poder… pode. Basta ver o que se passa. Não deve. Mas por alguma razão o partido de João Lourenço diz que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA.
“Temos de colocar o superior interesse dos angolanos acima dos interesses dos nossos partidos políticos”, frisou a parlamentar do maior partido da oposição (que o MPLA ainda permite), apontando um retrocesso do Estado de Direito nos últimos 12 meses, “com repressões dos direitos constitucionais dos angolanos, nomeadamente, o direito à vida, à integridade física, à habitação, à manifestação e à liberdade de expressão”.
Neste aspecto refira-se a existência de um conflito estrutural sobre quem é, não tanto de facto mas sobretudo de jure, considerado Angolano. E como todos sabemos, para ser angolano de pleno direito é preciso ter nascido no… MPLA.
Sobre a aprovação dos dois diplomas relacionados com o Tribunal Constitucional, lamentou a degradação da imagem dos tribunais superiores, particularmente do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional “por causa dos interesses particulares dos juízes conselheiros na Comissão Nacional Eleitoral, ao ponto de o presidente do Tribunal Supremo ter prestado falsas declarações a este Parlamento, para permitir a tomada de posse do Dr. Manuel Pereira da Silva” (“Manico”), que a UNITA sempre rejeitou.
“Os angolanos não podem permitir que se use o Estado partidário sem limites na competição política por intermédio do poder judicial e do sistema bancário e por via deste comportamento não termos a garantia de eleições livres, justas, transparentes e credíveis”, criticou a deputada da UNITA.
Para Mihaela Webba, os jovens encaram a classe política com desconfiança “porque não existe no país uma agenda de consenso que permita uma reforma verdadeira do Estado e das instituições”, que não promovem a justiça e a reconciliação nacional, considerou.
“Essa Angola de direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais para todos os seus filhos, que é vontade da larga maioria dos cidadãos angolanos, só será possível se as instituições da justiça, forem justas; se a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional enquanto órgãos organizadores das eleições cumprirem com o que está estabelecido na Constituição e na lei, e não subvertam a Justiça e o Direito”, reivindicou.
O presidente da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral), Alexandre Sebastião André, fez um balanço negativo do ano que passou e criticou os que “criaram fortunas” (recorde-se que o MPLA é o partido que mais milionários tem por metro quadrado) em detrimento dos demais cidadãos angolanos. Instou também ao levantamento da cerca sanitária da capital, Luanda, que “asfixia” as forças vivas do país, lançando caos e desespero na população.
Sobre os diplomas em discussão, considerou importante adequar os instrumentos jurídicos às novas realidades, mas mostrou-se contra a inserção de normas que “ferem o direito da Constituição”, como a faculdade de juízes serem advogados em causas próprias, de parentes e de famílias directos. Bem. Ser juiz em causa própria está na matriz do MPLA, tal como está a que remonta a Agostinho Neto em que se determinou não perder tempo com julgamentos (caso 27 de Maio de 1977).
“Os órgãos de justiça estão doentes, ‘n’ dificuldades, a morosidade faz-se sentir”, criticou.
O presidente da FNLA, Lucas Ngonda, saudou a pertinência de o executivo trazer os dois diplomas à assembleia, sublinhando “as fraquezas sobre o funcionamento do sistema de justiça” em Angola e destacou que as decisões do Tribunal Constitucional podem “ser uma fonte de desequilíbrio da harmonia social” do sistema social.
O deputado afirmou que as instituições de Justiça devem inspirar a confiança dos cidadãos e que estes se devem rever nas suas decisões.
“As disputas que verificamos entre o Tribunal Constitucional e outras entidades que solicitam a sua intervenção para dirimir conflitos ou conformar situações não enobrece a missão nobre dos nossos tribunais, como instâncias que devem representar a imagem de Angola”, acrescentou.
O deputado Benedito Daniel, presidente do Partido de Renovação Social (PRS), sustentou que as leis actuais relativas à orgânica do Tribunal Constitucional e do Processo Constitucional, já não respondem cabalmente à jurisdição constitucional actual, sendo necessário fazer um ajustamento da organização e funcionamento do tribunal de forma a torná-lo mais eficaz e funcional.
Benedito Daniel notou, por outro lado, que embora a Constituição angolana preveja o acesso de todos os cidadãos à Justiça, nem todos conseguem aceder aos tribunais, por falta de meios para pagar custas processuais e advogados, defendendo que as taxas e os preços a pagar não devem ser tão elevados.
O presidente do grupo parlamentar do MPLA (partido que comprou o país em 1975 e que desde então exerce o poder como parto único), Américo Cuononoca, frisou que as reformas “visam atingir o bem estar dos angolanos, por via de uma justiça célere, actuante e que preserve a dignidade da pessoa humana”. E frisou bem já que se limitou a reproduzir as ordens superiores do seu actual Presidente.
Sobre as custas judiciais, considerou que a Justiça deve contribuir para as receitas fiscais, garantindo assim mais recursos para o Estado, havendo actualização das taxas, isenção ou adequação conforme as situações.
Quanto ao resto, Américo Cuononoca manteve a “leitura” do recado que recebeu, conhecida que é a sua formação em ventriloquia. E quem dá o que tem a mais não deve ser obrigado. Já basta “vê-lo” a descalçar-se quando tem de contar até 12…
Folha 8 com Lusa