O Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), sucursal para a comunicação social do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) deliberou – de acordo com as ordens superiores do patrão – o que a seguir se transcreve.
Por Orlando Castro
«1. Chamar a atenção de toda a comunicação social e dos jornalistas em particular, para a entrada em vigor no próximo mês de Fevereiro das leis que aprovam o Código Penal Angolano e o Código do Processo Penal Angolano em Novembro de 2020 pela Assembleia Nacional e já publicadas em Diário da República, tendo em conta as novas normas criminais que a partir de agora irão penalizar os ilícitos relacionados com a violação dos direitos de personalidade e os abusos e atentados à liberdade de imprensa.
2. Apelar a todos os profissionais que trabalham na comunicação social, independentemente do meio que utilizam, onde se inclui a Internet, para que se inteirem em profundidade sobre o conteúdo destas normas, pois como é sabido, a ignorância da lei não é desculpa para a sua violação, nem funciona como atenuante.
3. Destacar dentre estas normas, o tratamento que é dado no novo Código Penal ao lançamento de suspeições que podem afectar de forma irremediável o bom nome de terceiros, uma prática que este Conselho tem estado a ver crescer de forma preocupante nos últimos tempos, a coberto de um suposto jornalismo de investigação.
4. Condenar o sensacionalismo de algumas matérias, aparentemente bem construídas, mas sem qualquer interesse público, verdadeiros não factos, onde se percebe facilmente que se houvesse boa-fé do seu autor, nada justificaria a sua divulgação.
5. Saudar a introdução no novo Código Penal do crime sobre o atentado à liberdade de imprensa, no âmbito do qual serão condenados todos quantos estiverem apostados na obstrução do trabalho legítimo dos jornalistas através de diferentes formas.»
O regime do MPLA – perante a criminosa indiferença da comunidade internacional e cúmplice passividade da oposição política interna – já elaborou o seu plano e já estão contratados os “assassinos” (alguns estão na própria ERCA), para eliminar sem deixar rasto todos os que teimem em pensar pela própria cabeça, todos os que teimem em dizer o que pensam ser a verdade, dando voz a quem a não tem. Os jornalistas não serão excepção. Os do Folha 8 estão na lista. Entre outros. É uma questão de tempo e de oportunidade.
“Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”. Isto é o que, entre outras informações, está escrito na estratégia do regime se e quando o perigo de o MPLA perder o Poder for uma realidade.
O principal visado foi, é e continua a ser, o nosso director, William Tonet, “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularidade de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente, sua família e dirigentes do partido, o MPLA, e membros do governo”, justificam, no documento considerado secreto, os algozes da Segurança, para legitimar o plano macabro, depois da UGP (Unidade da Guarda Presidencial), exército reconhecidamente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, ter – por exemplo – falhado a sua morte, com o “abalroamento” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda.
O tom ameaçador subiu, na véspera do Natal de 2014, após publicação de uma entrevista concedida ao Semanário Crime, onde William Tonet aborda com frontalidade questões do 27 de Maio de 1977, opinando que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves.
E os avisos são recorrentes e já fazem parte do nosso quotidiano. E alguns até merecem, talvez por serem pouco originais e repetitivos, a nossa condescendência. Quando nos dizem: “Parem de falar mal do camarada Presidente, porque graças a ele o cabrão do vosso director ainda está vivo” (referiam-se a José Eduardo dos Santos), só nos resta a certeza de que a luta continua e a vitória será certa!
Pelo tempo passado, importa reflectir nas razões – sempre actuais – que levaram ao assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso. Ele foi assassinado por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem, uma tese com a qual os ditadores convivem muito mal. Morreu, segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”.
Foi assassinado, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.
“Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo. Também deveria figurar na ERCA se, por acaso, o seu presidente não fosse um mero sipaio do MPLA.
É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitas outras formas de assassinato. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se. Não se dão tiros, descredibiliza-se. Não se dão tiros, anulam-se formações académicas.
“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E fazem-no, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.
Por cá, tal como por lá, os algozes do regime continuam apostados em matar os mensageiros. Ainda não se convenceram que matar o mensageiro não resulta. A liberdade continua viva.
Assim, de acordo com o novo Código Penal, que entra em vigor em Fevereiro, e conforme instruções da sucursal do MPLA para a comunicação social, ERCA, a foto que ilustra este texto passa a ser a imagem que o Folha 8 utilizará sempre que escrever sobre o Presidente do MPLA (partido no poder há 45 anos), sobre o Titular do Poder Executivo e sobre o Presidente da República (não nominalmente eleito).