DEMITA-SE SENHORA MINISTRA!

O presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola, Adriano Manuel, disse que a greve que hoje se iniciou, por tempo indeterminado, registou um nível de adesão “altamente surpreendente” no seu primeiro dia, superior a 95%. Do ponto de vista, estratégico, do MPLA a ordem superior é: Os angolanos devem viver sem comer e morrer sem ficar doentes. Simples!

“Nós mesmos não contávamos com a adesão de toda a classe médica angolana, o nível de adesão é acima dos 95%, de uma forma geral, e isso para nós é muito importante, porque cada vez mais vamos vendo que a classe médica está coesa”, disse Adriano Manuel, em declarações à agência Lusa.

Segundo Adriano Manuel, a solidariedade da classe nesta greve mostrou que os médicos vão ganhando consciência do seu verdadeiro papel na sociedade.

O dirigente sindical lamentou o tipo de medicina que é feito actualmente no país, “sem qualidade absolutamente nenhuma, sem material de biossegurança, sem laboratórios”.

“Nós fazemos uma péssima medicina. Há doentes que em Angola morrem e que deviam ter sido salvos, se eventualmente as condições tivessem sido criadas. Como não estão criadas, os doentes morrem, principalmente na periferia. O que nós não queremos é que isso continue a acontecer, por isso é que partimos para a greve”, disse.

Caso não haja resposta às reivindicações, enfatizou Adriano Manuel, a greve vai continuar, salientando que além da melhoria das condições de trabalho, os médicos querem igualmente aumentos salariais.

“Nós precisamos de ter uma melhoria das condições de trabalho. Temos hospitais que não têm nenhum laboratório, nem um raio-X, não têm o básico para se praticar medicina de qualidade. Temos hospitais que não têm nem medicamentos, absolutamente nada. Somos obrigados a mandar os nossos doentes comprarem medicamentos nas farmácias, muitos doentes vêm a convulsionar e não temos medicamento para travar a convulsão”, explicou.

Adriano Manuel criticou ainda a falta de melhoria do sistema de saúde primário, o que leva a enchentes nos hospitais terciários, que se poderiam evitar com investimentos na medicina preventiva, e não curativa.

“O facto de na base não se resolver absolutamente nada estamos a querer resolver o problema no sistema de saúde curativo. O grande problema de Angola é o sistema de saúde primário, a prevenção, o Governo quase ou nada investe na prevenção e não investindo vamos encontrar doentes que poderiam muito bem ser abordados na periferia vêm aos hospitais terciários onde ficam acumulados e morrem porque devido à exiguidade de recursos humanos”, disse.

O presidente do sindicato dos médicos angolanos referiu que foram iniciadas negociações com a entidade patronal sobre o caderno reivindicativo apresentado em Setembro passado, mas não se chegou a acordo.

“Acordámos uma coisa e eles dizem que houve um mal entendimento de nossa parte. Não houve mal entendimento da nossa parte, eles estão a querer impor coisas que achamos que não devem impor”, referiu.

Os médicos defendem que devem ser feitas concessões, prosseguiu Adriano Manuel, “e o Ministério da Saúde não quer de maneira nenhuma fazer concessões”.

“Mas nós sabemos porquê. Eles têm orientações partidárias para que não o façam. Por exemplo, uma das nossas concessões foi o facto de eu não voltar para o Hospital Pediátrico David Bernardino. Em condições normais, respeitando a lei, eu deveria ter voltado para este hospital, porque a lei sindical diz que o sindicalista não deve ser transferido para uma unidade no exercício da sua função sem o seu beneplácito, eles fizeram isso, eles impuseram que eu não voltasse e aceitámos”, indicou.

Adriano Manuel considera que há falta de seriedade da parte da entidade patronal, porque não querem retirar o processo disciplinar sobre si e que deve aceitar ser transferido para um hospital escolhido pelo Ministério da Saúde.

“Nós já estamos a ver o que é que isso vai dar. Não retirando o processo disciplinar, sendo transferido para o hospital que eles estão a sugerir, um outro processo disciplinar dá a minha expulsão, então já demos conta do jogo do Ministério da Saúde, por isso é que nós não aceitamos isso”, frisou.

O caderno reivindicativo apresenta como uma das primeiras exigências, a recolocação imediata do presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola, a sua indemnização pelos danos causados pela sua transferência para os Recursos Humanos do Ministério da Saúde e a nulidade do processo disciplinar.

O referido processo disciplinar foi movido contra o pediatra por denunciar à imprensa a morte de 19 crianças de um total de 24 no banco de urgência do Hospital Pediátrico David Bernardino, tendo sido transferido para o departamento dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, justificado com a necessidade de mobilidade de quadros.

Durante a greve por tempo indeterminado, realçou o sindicalista, estão acautelados os atendimentos às urgências, os cuidados intensivos e as hemodiálises.

“Não podemos de maneira nenhuma prejudicar a nossa população”, disse.

Viver sem comer, morrer sem ficar doente

Em Setembro de 2019, o Estado angolano (o MPLA, mais exactamente) anunciou, em comunicado, que ia diminuir o número de pacientes e acompanhantes no exterior, devido à actual crise financeira que o país vive e pela falta de verbas disponíveis.

Em comunicado, o Ministério da Saúde referiu que a solução passa por, doravante, tratar os pacientes em Angola “à semelhança da maioria da população tratada no país, permitindo assim a reversão do quadro actual”. As únicas excepções continuarão a ser as que tenham a ver com a casta superior do reino.

O documento referia que o Estado/MPLA tem feito todo o esforço para garantir assistência médica aos pacientes, tanto em Angola através das unidades hospitalares, bem como para os doentes enviados pela Junta Nacional de Saúde para o exterior do país.

Sobre os doentes enviados para Portugal e África do Sul, a nota adiantava que o Governo tem garantido durante vários anos assistência médica, medicamentosa, alojamento, alimentação e transportes, de acordo com as disponibilidades financeiras em cada momento.

“Os custos assistenciais e de alojamento são elevados, o que faz com que o suporte financeiro não seja o mais adequado para o elevado número de pacientes e acompanhantes existentes em Portugal, muito dos quais com muitos anos de estadia”, pode ler-se no comunicado.

O Estado/MPLA realçou que a diminuição do número de doentes em Portugal, os poucos que restarem “terão a sua situação social e assistencial melhorada e as dívidas, sobretudo com alojamento serão certamente eliminadas”.

O comunicado do Ministério da Saúde surgiu em reacção à divulgação de notícias sobre as crónicas dificuldades por que estavam a passar doentes angolanos enviados pela Junta Nacional de Saúde para Portugal.

Recorde-se que os deputados do reino assumiram no dia 3 de Julho de 2018 o compromisso de pressionar o Governo para o reforço de recursos financeiros atribuídos à Junta Nacional de Saúde, que se debatia com a crescente procura de pacientes que solicitam tratamento no exterior do país.

A garantia foi então manifestada pelo deputado Pereira Alfredo, presidente em exercício da 6.ª comissão parlamentar, no final da visita de uma delegação do parlamento às instalações da Junta Nacional de Saúde, em Luanda.

“Penso que será esse o trabalho do parlamento. Solicitar que se reforcem os recursos para a Junta Nacional diminuir o envio de pacientes e passar-se então a prestar serviços a nível local, pelos que os custos serão reduzidos”, disse, em declarações aos jornalistas.

De acordo com o deputado do MPLA, partido no poder desde 1975, a carência orçamental da Junta é transversal a outros sectores do país, devido à situação difícil de crise económica, financeira e cambial que se vive no país e que, tanto quanto parece, dura há 46 anos e só atinge os escravos.

“Há algumas dificuldades com os recursos financeiros alocados à Junta, mas ainda assim é notório o esforço do Estado para poder suprir as dificuldades, uma vez que temos concidadãos no estrangeiro a beneficiar de serviços de Saúde”, disse.

Apesar das dificuldades, sustentou o deputado, há cidadãos que continuam a receber assistência médica na África do Sul e em Portugal: “Reconhecemos que há dificuldades, mas são daquelas dificuldades conjunturais e acreditamos muito mais nas soluções que estão a ser dadas nas questões colocadas”.

Na altura, segundo o presidente da Junta Nacional de Saúde de Angola, Augusto Lourenço, o país devia a Portugal cerca de cinco milhões de euros e à África do Sul 22 milhões de rands (1,3 milhões de euros), montante de despesas com pacientes angolanos tratados ao abrigo da instituição.

A Junta Nacional de Saúde continuava ainda a confrontar-se com um “elevado índice de pacientes na lista de espera”, mais de 900 e com dificuldades em realizar as suas actividades correntes, em face da “reduzida verba disponibilizada” para o seu quadro anual de acções.

Confrontando com este quadro, o presidente em exercício da 6.ª comissão especializada do Parlamento (do MPLA), que trata de questões de Saúde, Educação, Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, referiu que a aposta tem de passar pela criação de condições para assistência médica de todos pacientes no país.

“Quando se presta serviço a nível do país, obviamente se reduzem custos, mas é preciso sublinhar que a nível do país essa capacidade tem sido criada e como ouvimos já há hoje serviços prestados localmente”, adiantou.

E que tal parar de brincar?

O Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) português revelou no dia 13 de Abril de 2018 que estava a apostar na criação de uma rede de telemedicina em Angola, abrangendo sete hospitais, cinco deles provinciais.

Luís Velez Lapão, doutorado em Engenharia dos Sistemas de Saúde e especializado em Saúde Pública Internacional pela Universidade Nova de Lisboa, indicou em declarações à Lusa que o “projecto-piloto” integrava hospitais em Luanda (Américo Boavida e Pediátrico David Bernardino), e em Cabinda, Bengo, Malanje, Lunda-Sul e Bié.

Segundo Luís Lapão, havia a intenção de se estender progressivamente o projecto a toda a Angola, estando a aguardar pela análise do Ministério da Saúde angolano, face às alterações e mudanças políticas no país, de modo a participar na municipalização do sector.

No entanto, o projecto, uma colaboração do IHMT com a Universidade de Medicina de Genebra, já avançara e permitiu formar 107 médicos angolanos daqueles sete hospitais, através de mais de 70 cursos de capacitação, disponibilizados numa plataforma na internet, acessível a todos os profissionais de saúde.

“A ideia é apoiar a estratégia de Angola de municipalizar a Saúde, dar maior capacidade aos hospitais municipais e provinciais, para que tenham mais informação sobre saúde e possam colaborar com médicos dos hospitais centrais. E isso está já numa plataforma tecnológica”, frisou o coordenador do projecto.

“Vamos suportar esta rede, tecnologicamente, com um portal que permite a comunicação vídeo entre hospitais em duas áreas fundamentais, como a da formação e o serviço de segunda opinião, que passa por permitir aos médicos que estão nas zonas mais rurais colocar questões”, acrescentou.

Luís Lapão referiu, por outro lado, que estava em estudo também adicionar novos serviços, como o relacionado com a área dos exames médicos e de diagnóstico, salientando que, financeiramente, utilizaria tecnologias “low cost”.

Segundo o coordenador do projecto, a medicina interna e a pediatria foram “as mais trabalhadas e são o grande foco”, mas o projecto também se alarga a todas as restantes especialidades, tendo também em conta a medicina tropical.

“A telemedicina é um novo canal de acesso, permite que as pessoas possam aceder à saúde à distância. Num país vasto, como Angola, melhor ainda. E, se bem organizada, pode reduzir custos”, disse, exemplificando as poupanças com o facto de, em muitas zonas rurais, se conseguir evitar deslocações de doentes e acompanhantes.

Estarão a brincar com a nossa chipala?

No dia 23 de Setembro de…. 2014, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Pinto de Sousa, considerou, em Luanda, a saúde como um dos pilares “verdadeiramente autênticos” na promoção do desenvolvimento social e económico do país.

Carlos de Sousa que falava num dos painéis das X Jornadas Técnico-científicas da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), frisou que a saúde deve ser encarada como um recurso social e pessoal na vida diária.

O bastonário lembrou que faziam parte das preocupações do Executivo diversos aspectos programáticos, presentes no Plano Nacional de Desenvolvimento da Saúde (PNDS), que visavam promover a saúde colectiva, em especial das mulheres e crianças, com o aperfeiçoamento da rede sanitária, prevenção e luta contra as doenças infecciosas, emergentes e reemergentes.

“O conceito e a prática da saúde é uma forte determinante da municipalização, bem como um aspecto que vem sendo enfatizado pelo Ministério da Saúde (MINSA), no sentido de tornar mais operativo e consequentemente mais próximo dos cidadãos e da comunidade”, frisou.

Para Carlos Sousa, para assimilar e interiorizar a ideia de saúde, de acordo com a sua evolução positiva e o conteúdo da actividade dos médicos, é necessária a dimensão ética da actividade dos técnicos de saúde, credibilidade dos actos, técnica e a ciência.

Por isso, acrescentou o médico, a credibilidade dos actos de saúde resulta, essencialmente, da serenidade que se coloca no relacionamento dos profissionais com os doentes e famílias, entre os técnicos e estes com as instituições onde exercem o seu trabalho.

Recorde-se também que, por exemplo, no dia 16 de Setembro de…. 2015, realizou-se no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, o seminário de apresentação da Rede de Telemedicina Angola-Portugal – HUG. Já a funcionar em Angola desde 2014, a rede internacional de colaboração de profissionais de saúde encontrava-se em processo de expansão um pouco por todo o país e contava com o apoio de médicos de língua portuguesa, “promovendo a discussão, educação e troca de conhecimento em matéria de saúde e de cuidados primários”.

O objectivo é, era, foi, será, que profissionais locais “possam aceder a formação contínua certificada, a informação técnica e ainda à partilha com um colega de experiência e conhecimento, sempre que necessário”.

Na sessão que se realizou em Lisboa, os convidados abordaram a importância e a dinâmica da telemedicina nos cuidados de saúde primários e a telemedicina no contexto da Medicina Tropical. Foi ainda apresentado o projecto RAFT (Rede África Francófona de Telemedicina) e as suas funcionalidades.

A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar é uma das entidades que está envolvida na dinamização desta iniciativa, que reúne, igualmente, os esforços do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Associação para o Desenvolvimento da Medicina Tropical (ADMT), Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística – Centro colaborador da OMS para Políticas e Planeamento da Força de Trabalho em Saúde, Ministério da Saúde de Angola e Hospitais Universitários de Genebra (Hôpitaux Universitaires Genève – HUG).

Folha 8 com Lusa

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