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Falar hoje, tal como ontem e certamente amanhã, de Cabinda é algo que desagrada aos poderes políticos de Angola e de Portugal, bem como ao poder económico nacional ou global. Mesmo assim, há coisas a que nem todos podem fugir. Os Jornalistas não fogem. Os fazedores de textos de propaganda, esses fogem como o Diabo da cruz.

Por Orlando Castro

Antevendo a eventualidade de o poder militar de Angola calar, com a conivência petrolífera da comunidade internacional, todos aqueles que no próprio país ou na colónia de Cabinda lutam pelos seus direitos, uma parte da comunicação social portuguesa volta a dar, timidamente, algum destaque ao caso.

Destaque que, contudo e mais uma vez, passa ao lado das violações dos direitos humanos naquela colónia angolana, de que foram claros e inequívocos exemplos – importa recordar – as prisões do padre Raul Tati, do advogado Francisco Luemba, do economista Belchior Tati e do engenheiro Barnabé Paca Peso que foram o bode expiatório dos ataques militares, em Janeiro de 2010, contra a segurança angolana à selecção de futebol do Togo que participava, em Cabinda, no Campeonato Africano das Nações.

Mais uma vez, grande parte da comunicação social portuguesa ampliou a voz dos donos do poder, na circunstância o MPLA, esquecendo que a sua função básica (no meu tempo dizia-se sagrada) é dar voz a quem a não tem, neste caso aos cabindas que foram presos, que estão presos, que serão presos, que foram mortos e que serão mortos por acreditarem que a força da razão vale mais do que a razão da força.

Razões? As que deram e as que darão mais jeito ao regime colonialista angolano. Luanda avança, sistematicamente, com a tese de que o simples facto de pensar põe em risco a segurança do Estado (ocupante).

E foi, por exemplo, esse o “crime” cometido por Francisco Luemba que publicou o livro “O problema de Cabinda exposto e assumido à luz da verdade e da justiça”.

Cumprindo as ordens dos seus donos, e dos donos dos seus donos, a esmagadora maioria dos jornalistas portugueses dirão, dizem, que mão conhecem esse livro.

Recorde-se, contudo, que o livro em questão foi lançado em Portugal (Lisboa e Porto) em 2008 e é uma excelente obra sobre Cabinda mas que não mereceu a atenção dos ilustres cérebros que vagueiam nos areópagos da política e do jornalismo, tanto em Portugal como em Angola.

E se apenas ler é um crime, para as autoridades coloniais angolanas, ler o livro de Francisco Luemba foi e sempre será um crime maior. Mas disso, com raras excepções, não falam os produtores de conteúdos de linha branca que, a troco de um prato de lentilhas, enxameiam as linhas de produção, outrora chamadas de Redacções.

Aliás, os cabindas apenas querem, como escreveu Francisco Luemba, que a questão seja suscitada, discutida calma e serenamente e as responsabilidades apuradas e assumidas sem preconceitos nem caça às bruxas, acusações ou insultos.

Há alguns anos, no limiar do novo milénio, o governo belga apresentou ao Povo da República Democrática do Congo desculpas formais e oficiais pelo seu envolvimento no assassinato de Patrice Lumumba, herói da independência daquele país africano e chefe do seu primeiro governo.

Para Cabinda, não é necessário que Portugal chegue a tanto, embora fosse da mais elementar justiça… caso Portugal fosse um Estado de Direito. Os cabindas apenas querem a verdade. Não só não exigem desculpas, como nem as esperam.

Os cabindas são o único povo do planeta a quem é negado, sistemática e terminantemente, a compreensão, a amizade e a solidariedade. O único povo cujos mais elementares direitos são espezinhados. O único que, contra o direito e a sua própria vontade, é empurrado para soluções extremas, como se o objectivo fosse arranjar um pretexto para eliminar os cabindas da face da terra.

Porque razão os supostos jornalistas portugueses não falaram, não falam, não recordam o que o padre Jorge Casimiro Congo foi dizer ao Parlamento Europeu (Bruxelas), no dia 26 de Janeiro de 2010, a convite da eurodeputada socialista portuguesa Ana Gomes?

O padre Casimiro Congo disse algo que define sublimemente os cabindas e que os angolanos nunca deverão esquecer: “Diante de Deus, de joelhos; diante dos homens, de pé”.

Jorge Casimiro Congo lamentou também a posição do governo português, de condenar apenas o que classificou como um ataque terrorista durante a Taça das Nações Africanas (CAN), afirmando que “Portugal é o ultimo a falar, não deve ser o primeiro a falar”. E porquê? Porque “Portugal é que é o culpado do que acontece em Cabinda. Não nos aceitou, traiu-nos”.

Se as verdades ajudassem a reduzir o défice português, as que foram ditas pelo padre Congo, não só por serem históricas mas sobretudo por serem actuais, o então Governo de Passos Coelho estaria bem da vida.

Mas não ajudam. Desde logo porque, da Presidência de República portuguesa ao Governo, passando pelo Parlamento e pelos partidos, ninguém sabe o que é, da facto e de jure, Cabinda. Para quase todos, a história de Portugal só começou a ser escrita em Abril de 1974, ou até mais tarde.

Optimista quanto ao futuro, sobretudo por saber que o seu povo nunca será derrotado porque nunca deixará de lutar, o padre Congo disse ainda ter esperança de que no futuro haja “governos portugueses com mais calma para ver este problema”, porque acredita “que há partidos que começam a levantar a cabeça” e surgirão figuras que fiquem “acima de quaisquer negociatas, de petróleo, ou de mão-de-obra que tem de ir para Angola”.

É claro que não houve nenhuma reacção oficial de Portugal às acusações do padre Congo. Uns porque entendem (e talvez bem) que quem manda em Portugal é o MPLA e se este virar a rota e passar a investir noutro lado o dinheiro roubado ao Povo lá vão ao charco alguns grandes negócios; outros ainda porque se estão nas tintas para a honorabilidade de um Estado de Direito. Estado de Direito que Angola não é e que Portugal é cada vez menos.

No dia 22 de Outubro de 2008, foi apresentado o livro “O problema de Cabinda exposto e assumido à luz da verdade e da justiça”, de Francisco Luemba, e que teve lugar na Fnac do Norte-Shoping, Matosinhos (Porto) com a presença de Stefan Barros.

Eis o conteúdo da minha intervenção: «Para além da honra de falar sobre o livro de Francisco Luemba, sou também o autor do prefácio, a parte mais fraca desta importante obra sobre Cabinda. Isso significa, desde logo, que sou consciente e assumidamente conivente com o que nele é dito.

Ainda não há muito tempo, na sua qualidade de advogado e professor universitário, Francisco Luemba disse ao Jornal PÚBLICO que “a grande maioria dos cabindas quer a independência, apenas aceitando a autonomia como uma solução transitória, uma etapa”.

Dir-me-ão alguns que isso é uma utopia. Exactamente como há 35 anos diriam alguns a propósito da independência de Angola, como há poucos meses diriam alguns a propósito do Kosovo, como agora dirão também quanto ao País Basco.

Mas, tal como se disse em relação a Angola e ao Kosovo, um dia destes estará por aqui alguém a falar da efectiva independência de Cabinda.

Francisco Luemba recordou nas declarações ao PÚBLICO que, quando em Julho o então ministro angolano das Obras Públicas, Higino Carneiro, esteve em Cabinda num comício do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ouviu dos jovens gritos de “Independência!”.

Nesse mesmo trabalho do jornalista Jorge Heitor, é dito que já em 2001 o então bispo de Cabinda, D. Paulino Fernandes Madeca, dissera ao PÚBLICO que a maioria dos cidadãos residentes era a favor da independência. “Na cidade menos, mas no interior é mais radical o desejo independentista”, afirmou o bispo.

Creio que só por manifesta falta de seriedade intelectual, típica dos governos portugueses, é que se pode dizer que Cabinda é parte integrante de Angola.

Cabinda só passou a ser supostamente parte de Angola quando, em 1975, os sipaios portugueses ao serviço do comunismo e os três movimentos ditos de libertação resolveram nos Acordos do Alvor integrar Cabinda em Angola.

Cabinda, com uma superfície de cerca de 10.000 quilómetros quadrados e uma população estimada em 300.000 habitantes, é palco de uma luta armada independentista liderada pela FLEC desde 1975, na exacta altura em que, sem ser ouvida ou achada, foi comprada pelo MPLA nos saldos lançados pelos então donos do poder em Portugal, de que são exemplos, entre outros, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Costa Gomes, Mário Soares, Almeida Santos.

Até à vitória final, continuará a indiferença (comprada com o petróleo de Cabinda), seja de Portugal ou da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

E é pena, sobretudo quanto a Portugal, que à luz do direito internacional ainda é a potência administrante de Cabinda. Lisboa terá um dia (quando deixar de ter na Sonangol, MPLA, clã Eduardo dos Santos um faustoso investidor) de perceber que Cabinda não é, nunca foi, nunca será uma província de Angola.

Por manifesta ignorância histórica e política, bem como por subordinação aos interesses económicos de Angola, os governantes portugueses fingem, ao contrário do que dizem pensar do Kosovo, que Cabinda sempre foi parte integrante de Angola. Mas se estudarem alguma coisa sobre o assunto, verão que nunca foi assim, mau grado o branqueamento dado à situação pelos subscritores portugueses dos Acordos do Alvor.

Os cabindas continuam a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola.

Este livro de Francisco Luemba é uma completa enciclopédia sobre este território que tarda em ser país. Do ponto de vista histórico, documental e científico é a melhor obra que até hoje li sobre Cabinda. Espero, por isso, que tanto os ilustres cérebros que vagueiam nos areópagos da política internacional como os que se passeiam nos da política angolana, o leiam com a atenção de quem – no mínimo – sabe que os cabindas merecem respeito.

Francisco Luemba mostra, com a precisão de um Mestre, exactamente isso, mau grado a manifesta incapacidade de entendimento dos que, um pouco por todo o lado, se julgam donos da verdade.

Relembre-se aos que não sabem e aos que sabem mas não querem saber, que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, sociais, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.

Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.

Deixem-me, por fim, dizer-vos que só é derrotado quem deixa de lutar. Por isso, Cabinda acabará por ser independente. É que os Cabindas nunca deixarão de lutar. E ainda bem que assim é, digo eu.»

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