Amigos, amigos… democracia à parte

O Presidente da República de Angola elogiou a superação de barreiras e limitações naturais de Cabo Verde, considerando a nação, que celebrou o seu dia nacional na segunda-feira, “bem-sucedida”. Será que João Lourenço sabe que, em Cabo Verde, o seu homólogo é nominalmente eleito, por exemplo? O Produto Interno Bruto de Angola é substancialmente superior ao de Cabo Verde, mas este país está 42 posições acima de Angola. Coisas…

Na mensagem de João Lourenço ao seu homólogo Jorge Carlos Fonseca, hoje divulgada, o chefe de Estado angolano (igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo) destacou o facto de, em 46 anos de independência, Cabo Verde se ter imposto no continente africano como uma nação bem-sucedida na concretização dos seus objectivos de desenvolvimento. Nós acrescentamos equidade social, liberdade, democracia, saúde, ensino etc. etc..

Em Cabo Verde há eleições…

Setembro de 2016. Às sétimas eleições autárquicas concorreram seis partidos políticos e cinco grupos de cidadãos independentes, totalizando 57 candidatos à presidência das câmaras.

Os candidatos colaram cartazes, distribuíram beijos, abraços, sorrisos, desceram e subiram vales, ribeira e cutelos, fizerem contactos porta a porta, organizaram comícios, entre muitas outras acções de campanha.

Para estas eleições, que foram também para as assembleias municipais, apenas o partido no poder, Movimento para a Democracia (MPD, que detinha 14 das 22 câmaras), concorreu em todos os 22 municípios cabo-verdianos.

O Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, maior da oposição e com 8 câmaras) concorreu em 21 municípios e apoia um candidato independente na ilha do Maio.

A União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID, terceiro no país e com três assentos no parlamento), concorreu na Praia, Maio, Ribeira Grande e Paul (Santo Antão), Sal e São Vicente, onde o líder do partido, António Monteiro, foi candidato pela quarta vez seguida.

Nos partidos sem assento parlamentar, apenas o Partido Popular (PP) concorreu em dois municípios (Praia e Calheta de São Miguel), enquanto o Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) concorre na Praia e o Partido Social Democrata (PSD) entra na corrida no Sal.

Existiram ainda outras candidaturas independentes que saíram do seio dos dois maiores partidos, como foi o caso de Luís Pires, em São Filipe (Fogo), que avançou porque o PAICV, que o apoiara quatro anos antes, decidiu voltar a depositar a confiança em Eugénio Veiga, que tinha sido preterido em 2012.

Tudo isto significa duas coisas. Por um lado que no país, ao contrário de Angola, há eleições autárquicas. Por outro que, ao contrário de Angola, Jorge Carlos Fonseca teve de suspender o mandato de Presidente (nominalmente eleito) assim que anunciou a recandidatura ao cargo, nas eleições de 2 de Outubro de 2016.

Jorge Santos, na altura Presidente da República interino, que aquelas eram as sétimas eleições municipais em Cabo Verde, desde a instalação do regime democrático em 1991 e que desde então os cabo-verdianos têm participado de forma activa nas eleições dos representantes locais, propostos pelos partidos políticos ou grupos de cidadãos.

“As eleições têm sido marcadas por um elevado civismo, tolerância e participação das populações”, avaliou, considerando que, 25 anos após as primeiras eleições autárquicas democráticas, o poder local constitui um dos pilares fundamentais da afirmação e consolidação do Estado de Direito Democrático e da “Boa Governança” em Cabo Verde.

Seis por meia dúzia… a pedido

O empresário e filantropo Mo Ibrahim afirmou em 2019 estar “muito surpreendido” com as mudanças políticas em Angola implementadas (consta) por João Lourenço. Bastou ao jacaré dizer que é vegetariano e ele (como muitos outros) acreditou. Ninguém cuida em verificar se, no remanso do seu esconderijo, ele não continua a ser carnívoro. É assim que se “elegem” os ditadores.

Vejamos o Índice Ibrahim de Boa Governação Africana 2018. A governação global dos países africanos continuava, em geral, numa numa trajectória ascendente, mas o progresso estava a ser impulsionado por um grupo de 15 entre 54 países, indicava o referido relatório em que Angola estava em 45º lugar, dando sinais preocupantes.

O documento mostrava que o índice alcançou a pontuação mais alta dos últimos dez anos, somando 49,9 numa escala de 100, mais um ponto em relação aos 48,8 pontos de 2008.

Esta melhoria na governação ao longo da década foi verificada em 34 países representativos de 71,6% da população africana, mas não foi acompanhada por 18 países que pioraram a pontuação registada há 10 anos.

Os autores do estudo concluíram que o progresso tem sido irregular e que, após um período de estagnação entre 2010 e 2014, a pontuação média só voltou a subir graças ao desempenho de 15 países, que disparou nos últimos cinco anos.

Quénia, que subiu de 19.º lugar para 11.º na tabela de 54 países, Marrocos (25.º para 15.º) e Costa do Marfim (41.º para 22.º) foram os registaram uma maior promoção, beneficiando quase metade da população do continente.

Entre os países lusófonos, Cabo Verde continuava a ser aquele com melhor classificação, tendo subido novamente ao terceiro lugar, sendo apenas superado pelas Ilhas Maurícias (79,5 pontos) e Seicheles (73,2 pontos).

Porém, a tendência dos últimos dez anos passou a ser negativa e o relatório vinca que a avaliação do país tem registado uma deterioração acelerada nos últimos cinco anos.

O segundo país lusófono mais bem classificado é São Tomé e Príncipe, em 12.º lugar, reflectindo um progresso ligeiro, seguindo por Moçambique, que, apesar do 25.º lugar, é considerado também estar em deterioração acelerada.

Em 42.º lugar, a Guiné-Bissau mostra uma melhoria significativa, mas Angola, em 45.º, dava (continua a dar) sinais preocupantes, e a Guiné Equatorial, no 48.º, mostra que a tendência negativa desde 2008 se acentuou nos últimos anos.

O relatório concluía que os principais factores da governação pública são um equilíbrio entre as dimensões de governação e um “foco mais forte na responsabilidade, nos direitos dos cidadãos e no bem-estar social”.

Outra dedução feita é que a dimensão da economia não determina a governação, pois o Produto Interno Bruto (PIB) de Angola é substancialmente superior ao de Cabo Verde, mas este país está 42 posições acima do parceiro na CPLP.

“Os factores mais associados a pontuações elevadas de governação são centrados no cidadão, evolvendo direitos sólidos de propriedade, direitos e liberdades civis, um governo responsável e um serviço público eficiente, além de políticas voltadas para redes de segurança social e meio ambiente”, referem os autores.

Relatório do Índice Ibrahim

Eis, na íntegra e para que o Departamento de Informação e Propaganda do MPLA, a ERCA do MPLA, a PGR do MPLA, o Governo do MPLA, não venham falar de “notícias falsas”, o relatório do Índice Ibrahim de Boa Governação Africana 2018:

«O Índice Ibrahim de Governação Africana (IIAG) de 2018, publicado hoje pela Fundação Mo Ibrahim, realça que o progresso da governação pública está a perder terreno em relação às necessidades e expectativas de uma população em crescimento, composta sobretudo por jovens.

Em média, ao longo da última década, a Governação Global manteve uma trajectória ascendente moderada, com três em cada quatro cidadãos africanos (71,6%) a viverem num país em que a governação melhorou.

Os governos africanos não conseguiram converter o crescimento económico em melhorias no Desenvolvimento Económico Sustentável para os seus cidadãos

Desde 2008, a classificação média africana em termos de Desenvolvimento Económico Sustentável aumentou 0,1 pontos, o equivalente a apenas 0,2%, apesar de um aumento continental do PIB de quase 40% durante o mesmo período. Não se têm praticamente registado progressos na criação de Desenvolvimento Económico Sustentável, o que significa que esta se mantém como a categoria com pior desempenho e progresso mais lento do Índice. Analisando a medida em que os governos possibilitam aos seus cidadãos a prossecução de objectivos económicos e prosperidade nos mesmos, a tendência de quase estagnação do Desenvolvimento Económico Sustentável traça um contraste preocupante com o crescimento demográfico e as expectativas dos jovens. A população africana aumentou 26% nos últimos 10 anos e 60% dos 1,25 mil milhões de habitantes do continente têm agora menos de 25 anos.

Os países africanos apresentam divergências de desempenho crescentes em termos de Governação Global. O progresso continental é impulsionado sobretudo por 15 países que conseguiram acelerar o seu ritmo de evolução nos últimos cinco anos. O progresso é mais notável na Costa do Marfim, em Marrocos e no Quénia. Esta divergência também se reflecte nas variações de resultado do Desenvolvimento Económico Sustentável. Embora 27 países de África tenham demonstrado alguma melhoria, em 25 países, que representam 43,2% dos cidadãos africanos, o desempenho em termos de Desenvolvimento Económico Sustentável piorou nos últimos 10 anos.

Não existe uma forte correspondência entre a dimensão da economia de um país e o seu desempenho em termos de Desenvolvimento Económico Sustentável. Em 2017, quatro dos 10 países com o PIB mais elevado do continente continuam a classificar-se abaixo da média africana em termos de Desenvolvimento Económico Sustentável e permanecem na metade inferior das tabelas, nomeadamente a Argélia, Angola, a Nigéria e o Sudão. Ao mesmo tempo, duas das mais pequenas economias do continente, Seicheles e Cabo Verde, alcançam as 5.ª e 6.ª posições mais elevadas na prestação de Desenvolvimento Económico Sustentável aos seus cidadãos.

A trajectória da classificação africana média em termos de Ambiente Comercial merece atenção especial. Com uma deterioração de quase -5,0 pontos nos últimos dez anos, esta é uma tendência preocupante tendo em conta que, para os próximos dez anos, se prevê um crescimento de quase mais 30% no número de africanos em idade activa (15-64 anos).

Tal crescimento aumentará a procura de emprego num contexto em que o progresso médio do Desenvolvimento Económico Sustentável é quase inexistente. Estes números demográficos criam um contraste ainda mais acentuado com a queda de -3,1 pontos na Satisfação com a Criação de Emprego desde 2008.

Além disso, o indicador que mede a Promoção da Integração Socioeconómica dos Jovens regista um declínio continental médio de -2,3 pontos na última década.

Há motivos adicionais para preocupação com a Educação. Embora o Desenvolvimento Humano seja uma das maiores histórias de sucesso do IIAG 2018, fruto das melhorias na Saúde, a estagnação do progresso na Educação a que se assistiu no Índice do ano passado converteu-se agora em declínio.

Para 27 países, as pontuações em termos de Educação registaram deterioração nos últimos cinco anos, o que significa que, para mais de metade (52,8%) da população jovem africana, os resultados em educação estão a piorar. Esse declínio é motivado por uma queda nos indicadores que avaliam a medida em que a Educação atende às necessidades da economia, a qualidade da educação e as expectativas dos cidadãos quanto ao ensino.

A Participação e Direitos Humanos tem progredido em média. Quase quatro em cada cinco cidadãos africanos (79,6%) vivem em países que progrediram nesta dimensão ao longo da última década. Porém, as eleições executivas “livres e justas” nem sempre se traduzem num ambiente participativo melhor. É alarmante que o espaço político e cívico dos cidadãos africanos esteja a diminuir, com tendências de agravamento nos indicadores que medem a Participação da Sociedade Civil, os Direitos e Liberdades Civis, a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Associação e Reunião.

Embora a Segurança Pessoal e a Segurança Nacional continuem a apresentar um declínio médio ao longo da última década, o Estado de Direito e a Transparência e Responsabilização começaram a registar um progresso positivo. O Estado de Direito é a subcategoria do IIAG que regista a maior melhoria ao longo dos últimos cinco anos. O desempenho africano médio em termos de Transparência e Responsabilização também evoluiu, embora seja necessário fazer mais, já que continua a ser a subcategoria com pior desempenho do Índice.

O IIAG realça que os direitos e o bem-estar dos cidadãos são essenciais para o progresso da governação pública. As pontuações de Governação Global estão fortemente correlacionadas com as medidas centradas nos cidadãos, incluindo os direitos de propriedade, os direitos e liberdades civis, a responsabilização na governação e as políticas de bem-estar social.

Os resultados do IIAG confirmam ainda que o Estado de Direito e a Transparência e Responsabilização são pilares fulcrais da boa governação. Essas duas subcategorias apresentam as relações mais fortes com as pontuações de Governação Global em África, sendo o desempenho forte nestas áreas a componente mais comum nos países com bom desempenho. A Transparência e Responsabilização está também fortemente relacionada com a categoria Desenvolvimento Económico Sustentável e a subcategoria Ambiente Comercial, o que indica que as melhorias nestas áreas ajudarão ao progresso e ao desenvolvimento de oportunidades económicas em África.

Mo Ibrahim, Presidente da Fundação Mo Ibrahim, afirmou:

“Saudamos o progresso na Governação Global, mas a oportunidade perdida da última década é profundamente preocupante. África tem um enorme desafio por diante. A sua grande e jovem força de trabalho potencial pode transformar o continente para melhor, mas esta oportunidade está prestes a ser desperdiçada. Os dados são evidentes: os cidadãos jovens de África precisam de esperança, perspectivas e oportunidades. Os seus dirigentes têm de acelerar a criação de emprego para sustentar o progresso e impedir a deterioração. O momento de agir é agora.”»

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