África é sinónimo de devedor

O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) estimou hoje que o rácio da dívida face ao Produto Interno Bruto das nações africanas vai atingir os 75% este ano, argumentando que o financiamento deve ser direccionado para os projectos mais produtivos.

“Uma das principais recomendações para a sustentabilidade da dívida é o fortalecimento da ligação entre o financiamento da dívida e o crescimento dos lucros, principalmente através da garantia de que a dívida é usada para financiar os projectos mais produtivos, aqueles que geram retorno suficiente para pagar a dívida no futuro”, argumenta o banco no relatório

De acordo com o relatório ‘Perspectivas Económicas para África 2021’, que tem como tema ‘Da resolução da dívida ao crescimento: o caminho de África’, a pandemia de Covid-19 “causou uma forte subida das necessidades de financiamento em África, que precisaram de mais 154 mil milhões de dólares no ano passado para responder à crise, o que fez com que o rácio da dívida sobre o PIB, que tinha estabilizado nos 60% entre 2017 e 2019, deverá aumentar 10 a 15 pontos percentuais em 2021”.

As preocupações sobre a dívida, que trespassa todo o relatório hoje divulgado em Abidjan, centram-se também “na mudança, dos credores tradicionais multilaterais e bilaterais do Clube de Paris, para os credores comerciais e privados”, que resulta em “vulnerabilidades significativas, como o risco de dívida problemática, erosão das margens de segurança e descida dos ratings”.

O BAD disse hoje que estima um crescimento de 3,2% para este ano no continente, depois da recessão de 2,1% do ano passado devido à pandemia de Covid-19.

O continente “deve recuperar da sua pior recessão económica em meio século devido à pandemia, crescendo 3,4% em 2021, que se segue a uma contracção de 2,1% no ano passado”, lê-se no relatório.

O documento salienta que, apesar do impacto económico ser diferenciado em função das regiões, “a recuperação antevista é genérica”.

A DSSI (Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida) foi lançada pelo G20 em Abril do ano passado que garantia uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais, com um prazo inicial até Dezembro de 2020, que foi depois prolongado até Junho deste ano, com possibilidade de nova extensão por seis meses.

Esta iniciativa apenas sugeria aos países que procurassem um alívio da dívida junto do sector privado, ao passo que o Enquadramento Comum, aprovado pelo G20 em Novembro, defende que é forçoso que os credores privados sejam abordados, ainda que não diga explicitamente o que acontece caso não haja acordo entre o devedor e o credor.

O pedido de adesão a este Enquadramento por parte da Etiópia, no final de Janeiro, agitou os investidores, que encararam o país como o primeiro de vários países na África subsaariana a pedirem alívio da dívida.

A proposta apresentada pelo G20 e Clube de Paris em Novembro é a segunda fase da DSSI, e que foi bastante criticada por não obrigar os privados a participarem do esforço, já que abriria caminho a que os países endividados não pagassem aos credores oficiais e bilaterais (países e instituições multilaterais financeiras) e continuassem a servir a dívida privada.

Este Enquadramento pretende trazer todos os agentes da dívida para o terreno, incluindo os bancos privados e públicos da China, que se tornaram os maiores credores dos governos dos países em desenvolvimento, nomeadamente os africanos.

Em Janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) piorou a previsão de crescimento para Angola, antecipando uma recuperação de 0,4%, e agravou a dívida pública para 134,2% no ano passado e para 119,9% este ano.

“A dívida pública deverá aumentar de 107% do PIB em 2019 para 134% em 2020; as projecções para 2020 reflectem principalmente a depreciação da taxa de câmbio e a queda dos preços do petróleo no seguimento do choque desencadeado pela pandemia de Covid-19”, escreveram os colaboradores do FMI no relatório que detalha a análise à quarta revisão do programa de ajustamento financeiro.

De acordo com o documento, divulgado em Washington, “a dívida pública deverá cair este ano para 120% do PIB, reflectindo o início da recuperação do crescimento e uma visão orçamental restritiva”, o que compara com os 107,5% previstos em Setembro.

O rácio da dívida pública face ao PIB “deverá continuar elevado durante o horizonte das projecções e vai demorar ligeiramente mais tempo do que o projectado anteriormente a convergir para a âncora de médio prazo” de 60%, que agora deverá ser alcançado apenas em 2028.

Ainda assim, insiste o FMI, a dívida pública “continua sustentável, ainda que sujeita a riscos muito elevados”.

Esta degradação das previsões surgiu acompanhada de uma forte redução da previsão de crescimento da economia angolana, que apesar de dever sair da recessão este ano, crescerá apenas 0,4%, o que compara com os 3,2% previstos em Setembro, na terceira revisão do programa de ajustamento económico.

“A recuperação sustentada do crescimento, alicerçada em reformas estruturais que desbloqueiam os principais entraves ao crescimento em Angola, como o fortalecimento do clima empresarial e a governação, vão complementar a consolidação orçamental que está no nosso cenário base e reduzir a dívida substancialmente em 2025”, acrescentam os peritos do FMI.

Ao longo do texto, o FMI deixa vários elogios ao cumprimento do programa e ao empenho das autoridades em seguir o ‘guião’ de políticas económicas e de reformas estruturais, mas alerta que os riscos são elevados devido à forte dependência não só do sector petrolífero, mas também dos choques externos.

“Apesar de estar a melhorar, a perspectiva de evolução económica continua altamente desafiante, devido à lenta e incerta recuperação dos choques relacionados com a covid-19”, dizem, argumentando que “sendo uma economia altamente dependente do petróleo, sofreu de fraquezas nesse sector, como a queda da produção e uma recuperação apenas parcial dos preços internacionais recentemente”.

Estes choques “levaram a um quinto ano seguido de recessão e dificuldades”, marcadas pela subida do rácio da dívida face ao PIB para “níveis muito elevados”, motivados pela depreciação recente da taxa de câmbio.

“Ainda assim, o forte desempenho orçamental e a gestão activa da dívida estão a preparar o terreno para uma recuperação económica gradual e uma redução das vulnerabilidades relacionadas com a dívida”, afirmam os técnicos que reuniram virtualmente com as autoridades angolanas no princípio de Dezembro.

O desempenho do programa, dizem, “tem sido adequado desde a terceira revisão, todas as indicativas até Setembro foram cumpridas, com excepção de duas, os activos do banco central sobre o Governo central, e o volume de dívida pública”.

Angola falhou algumas das metas e dos indicadores acordados, nomeadamente no que diz respeito ao sector financeiro e à prestação do banco central, mas apresentou argumentos considerados válidos pela equipa técnica do FMI.

Sobre os riscos de execução do programa que termina no final do ano, o Fundo considera que há “riscos significativos”, principalmente no que diz respeito ao nível de dívida pública, preços do petróleo e ao frágil ambiente económico.

No entanto, afirmam que “para lidar com estes riscos, as autoridades mantiveram o programa nos eixos, nomeadamente apresentando um Orçamento para 2021 prudente, implementando uma estratégia eficaz de gestão da dívida, permitindo que a taxa de câmbio se ajustasse aos choques, perseguindo uma política monetária sã e continuando os progressos em reformas estruturas importantes”.

Angola está sob assistência técnica e financeira do FMI desde o final de 2018, e vai receber 4,5 mil milhões de dólares até final do ano para lidar com as dificuldades e relançar a economia, para além de aconselhamento técnico na definição das políticas económicas.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment