Advogados de Carlos São Vicente falam de “assalto de Estado”

No passado dia 4 de Abril de 2021, as autoridades angolanas, sem qualquer base legal, apropriaram-se dos edifícios da empresa AAA Activos, propriedade de Carlos São Vicente em Luanda. Os seus advogados acusam agora o Estado angolano de abusos processuais e espoliação.

“O que estamos a testemunhar nada tem a ver com o Estado de direito e apresenta uma imagem terrível de Angola no estrangeiro. Não só Carlos São Vicente é vítima de prisão arbitrária mas também, através de um grande espectáculo, o Estado está a organizar a espoliação dos seus bens sem qualquer base legal. Protestamos veementemente contra esta operação política. A Justiça não é um assalto”, denunciam os advogados François Zimeray e Jessica Finelle: “A pretexto de boas intenções, o regime angolano viola de forma chocante todos os direitos fundamentais do nosso cliente, nomeadamente a presunção de inocência, o respeito pelos procedimentos criminais e o direito a um processo justo. O Estado angolano acredita que pode dispor de homens e bens sem limites. Prendem as pessoas arbitrariamente e aproveitam para ocupar e confiscar os prédios, sem terem para tal direitos”.

Os factos: a 4 de Abril de 2021, a pretexto da necessidade de manutenção dos edifícios pertencentes à AAA Activos, empresa de Carlos São Vicente, o governo angolano encenou a sua ocupação pela administração pública.

Recorde-se que o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária recebeu uma queixa pela detenção arbitrária do empresário Carlos São Vicente, detido em Luanda desde 22 de Setembro de 2020. No documento enviado, os advogados François Zimeray e Jessica Finelle denunciam múltiplas violações das regras para um julgamento justo e das condições de detenção, “contrárias a todas as noções de justiça e dignidade”.

Em particular, é apontado o seguinte:

– Uma detenção, nem necessária nem razoável, ordenada e prolongada por uma procuradoria angolana todo-poderosa, sem o controlo de um juiz.

– A ameaça a um prisioneiro que sofre de patologias (principalmente diabetes e hipertensão) que o tornam particularmente vulnerável à Covid-19. A saúde de Carlos São Vicente piorou significativamente devido à falta de acompanhamento médico adequado. Encontra-se detido em condições particularmente difíceis: a prisão de Viana, em Luanda, está sobrelotada e os reclusos coabitam com prisioneiros condenados. Ele não tem acesso a água corrente ou água potável.

Os advogados denunciam “uma chantagem e processo judicial obviamente motivados por motivos políticos” iniciada sob forte pressão social à qual o governo angolano cedeu, enfraquecido por suspeitas de corrupção, embora o Ministério Público angolano tivesse garantido às autoridades suíças, apenas um mês antes. não ter encontrado evidências que suportem a acusação a Carlos São Vicente, após a condução de investigações.

As denúncias sublinham a violação da presunção de inocência, sendo Carlos São Vicente alvo de perseguições políticas e mediáticas, tornando o empresário um bode expiatório ideal para as dificuldades de um país assolado pela corrupção.

Em duas ocasiões, em 2008 e 2019, as Nações Unidas já haviam apontado as falhas do sistema judiciário angolano. As ONGs internacionais de direitos humanos também denunciaram repetidamente a falta de independência da justiça angolana e as condições desumanas e degradantes das suas prisões.

De acordo com François Zimeray: “As autoridades judiciárias angolanas acreditam que podem valer-se ao responderem que Carlos São Vicente será tratado ‘como todos os outros’. É isto um argumento? Para além do seu próprio destino, ele pretende denunciar as condições de todos os reclusos em Angola, especialmente aqueles que não têm recursos para alimentar-se e defender-se”.

Pelas razões apresentadas, ao Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária é solicitado que seja enviado um apelo urgente a Angola para que proceda à libertação imediata do empresário Carlos São Vicente.

Criado em 1991 por iniciativa do francês Louis Joinet, fundador da Magistrates ‘Union, o Grupo de Trabalho da ONU dedicado à Detenção Arbitrária é um órgão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos tem sede em Genebra. Reúne especialistas independentes e reconhecidos, encarregados de investigar casos de detenção arbitrária que violam as normas internacionais.

Guardião das “Regras de Mandela” (regras universais para o tratamento de detidos), este órgão é hoje reconhecido como uma autoridade indiscutível na avaliação da natureza arbitrária de uma detenção. Como apontou em 2016 o ex-Alto Comissário para os Direitos Humanos, Zeid al Hussein, o grupo de trabalho “adoptou decisões históricas, que levaram em várias ocasiões à libertação de detidos”. As suas opiniões, emitidas após investigações imparciais e independentes, também serviram para alertar sobre as condições de detenção em vários países, como o Irão, o Butão, o Catar, a Arábia Saudita e a China.

O Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária é considerado por muitos observadores como “a mais importante conquista dos direitos humanos na História recente” (New York Times, 11 de Março de 1991).

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