Quando se fala de corrupção em Angola, fala-se do MPLA. E não há vários MPLA. Há só um. O de Agostinho Neto, o de José Eduardo dos Santos, o de João Lourenço. E os jacarés, sejam do Kwanza, do Queve, do Cunene ou do Cuando são todos, mesmo todos, carnívoros.
Por Norberto Hossi
Em 2011, o Ministério Público português estava a investigar uma alegada burla gigantesca ao Estado angolano, supostamente cometida por empresários portugueses com ligações a elementos angolanos do Banco Nacional de Angola. Em causa estavam mais de 300 milhões de euros em pagamentos do BNA para produtos que nunca chegaram a Angola, alguns completamente fictícios, como limpa-neves.
A maioria dos pagamentos saiu de uma conta do Estado angolano no Banco Espírito Santo de Londres. O alarme soou quando o banco comunicou que a conta estava quase a zero.
Dizer que o regime angolano, liderado, recorde-se, por um partido que está no poder há 45 anos sem que nunca nenhum dos presidentes da República tenha sido nominalmente eleito, é contra todas as formas de luta que ponham em causa a sua cleptocracia, é chover no molhado. Ninguém se preocupa com isso.
Afirmar que os níveis de corrupção existentes em Angola superam tudo, conforme relatórios de organizações internacionais e nacionais credíveis, é uma verdade que a comunidade internacional reconhece mas sem a qual não sabe viver.
Aliás, basta ver como as grandes empresas, portuguesas e muitas outras, bem como os principais partidos lusos, investem forte no MPLA independentemente de quem esteja no seu comando como forma de fazerem chorudos negócios… até com limpa-neves.
Com este cenário, alguém se atreverá a dizer ao dono do poder angolano que é preciso acabar com a corrupção e não só dizer que quer acabar com ela? Não basta trocar seis por meia dúzia. Alguns atrevem-se. São os que se candidatam a entrar na cadeia alimentar dos jacarés, apesar de João Lourenço “garantir” que com ele os jacarés passariam a ser vegetarianos.
Aliás, como demonstraram os empresários portugueses e angolanos, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos de países ricos do que com regimes democráticos e sérios. Por alguma razão, presume-se, Portugal terá oferecido em 1975 Angola ao MPLA, mau grado haver mais dois interessados: FNLA e UNITA.
Continuando Angola a ser um monstruoso alfobre de corrupção, alguém estará a imaginar Donald Trump (ou, se preferirem, Marcelo Rebelo de Sousa) a olhar para os caixotes do lixo de Luanda dos quais se alimentam muitos e muitos angolanos? Não. Se nem João Lourenço olha…
Sendo que o caminho certo se define não em função da corrupção e da violação dos direitos humanos mas, é claro, dos interesses económicos, Donald Trump está muito mais preocupado com os seus negócios, negociatas e similares do que com os angolanos.
E isso é crime? Não. Não é. Aliás, se até o próprio presidente João Lourenço está mais preocupado com o seu caviar do que com a fuba e o peixe (podre) de que se alimentam milhões de angolanos…
Com ou sem limpa-neves, Angola e a sua opaca estratégia de roubar aos pobres para dar aos ricos tem como único resultado real para a maioria da população a pobreza.
Pela voz do então ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, o Executivo angolano agradeceu o apoio institucional que Portugal tem prestado a Angola no combate à corrupção. Exemplo emblemático desse apoio foi o caso de Manuel Vicente e, sobretudo, de Isabel dos Santos. E assim continuará desde que ninguém se meta com os discípulos de João Lourenço.
Acabar com a corrupção Angola seria como acabar com as vogais na língua portuguesa. Daí, presume-se, a forma como alguns dirigentes assassinam a língua oficial do país. Essa peregrina ideia de querer pôr os corruptos a lutar contra a corrupção é digna dos bons alunos do regime angolano que, aliás, aprenderam com os exímios professores portugueses.
Em Portugal o combate à corrupção apresenta “resultados mais baixos do que seria de esperar para um país desenvolvido”. Essa de chamar desenvolvido ao reino esclavagista em que os senhores feudais foram e são do PSD e/ou do PS, com algumas incursões do CDS, tem piada, tal como tem falar-se (nada mais do que isso) de corrupção.
Apesar dos “esforços”, traduzidos na produção de legislação, muitas das novas leis “estão viciadas à nascença, com graves defeitos de concepção e formatação”, o que as torna “ineficazes”, dizia há alguns anos um documento produzido pelos Sistema Nacional de Integridade (SNI) de Portugal, constituído por entidades públicas e privadas e elementos da sociedade empenhadas no combate à corrupção.
Dizia o SNI que o combate à corrupção “está enfraquecido por uma série de deficiências” resultantes da “falta de uma estratégia nacional de combate a esta criminalidade complexa”.
Boa! São de facto deficiências estratégicas que permitem e que estimulam a que, à boa maneira mafiosa, a corrupção medre e domine em qualquer reino esclavagista, chame-se ele Portugal ou Angola.
“Nenhum Governo até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos e de intenções simbólicas”, acrescentava o documento do SNI.
Mas do que é que estavam à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é uma das suas mais importantes mais-valias? E mesmo que anunciassem medidas, nunca seriam para cumprir. Por alguma coisa Portugal tem tido os primeiros-ministros que mais mentem e Angola tem um general que é, ao mesmo tempo, Presidente do partido no Poder desde 1975, o MPLA, Presidente da República (não nominalmente eleito) e Titular do Poder Executivo.
Em 2015, um relatório português que se inseria numa iniciativa da organização Transparency International, que se desenvolveu noutros 24 países europeus e que em Portugal foi realizado pela associação Transparência e Integridade, centro INTELI – Inteligência e Inovação e Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa era esclarecedor.
Reflectia o tratamento dado a cerca de quatro dezenas de entrevistas a personalidades de diferentes sectores de actividades, que vão desde o Provedor de Justiça, a magistrados, juízes, dirigentes de organismos estatais, professores universitários e jornalistas, entre outros.
As iniciativas legislativas tomadas “não têm travado a corrupção, nem têm diminuído o destaque desde fenómeno na comunicação social, nem têm alterado a percepção sobre a incidência e extensão da corrupção na sociedade portuguesa”, acrescentava o texto.
Este resultado surgiu pela “fraca capacidade”, tanto da comunicação social como da sociedade civil, para acompanhar os processos de produção de legislação e “denunciar a má qualidade dos diplomas”, acabando por permitir a produção de diplomas “inócuos”.
Além de encontrar “falhas graves”, a avaliação do SNI concluiu que essas lacunas “põem em causa a legitimidade e o desempenho global das instituições”.
Na política existe “uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores” e as promessas de combate à corrupção “são abaladas” por leis que permitem o branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos e de interesses que “não correspondem à realidade”.
Somados, estes factores resultam na “falta de honestidade para com os cidadãos e pela falta de sancionamento” das irregularidades praticadas pelos políticos.
Para acabar com esta realidade, o SNI defendia uma maior fiscalização da parte do Parlamento (também ele alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados e membros do Governo e o alargamento do regime de incompatibilidades aos membros que integram os gabinetes governamentais.
De vez em quando os portugueses, seja por via directa ou não, resolvem falar de corrupção. Quase sempre, neste como em outros assuntos, apenas mudam as moscas… O mesmo se passa, há muito, em Angola.
Os portugueses são, na generalidade e em teoria, contra a corrupção, mas no dia-a-dia “acabam por pactuar” com “cunhas” e situações de conflito de interesses. Continuamos sem saber como é que se pode ser contra algo que, em sentido lato, já é uma “instituição” secular. É secular em Portugal e deixou uma vasta e eficiente sementeira em Angola.
E os políticos portugueses ainda têm a lata de criticar a corrupção em Angola, quase esquecendo que os poderosos donos de Angola aprenderem (e até já são melhores) com os mestres portugueses…
O antigo candidato presidencial Paulo de Morais acusa Marcelo Rebelo de Sousa, de ser o “principal cúmplice” com o fenómeno da corrupção no país, porque “pecou pela inacção” durante o mandato.
“Marcelo Rebelo de Sousa tem sido o principal cúmplice do crescimento desta corrupção, porque nada fez, e competia-lhe, enquanto Presidente da República, exigir uma estratégia global de combate à corrupção, que nunca existiu”, disse Paulo de Morais à margem da apresentação do seu livro “O Pequeno Livro Negro da Corrupção”, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
O economista e antigo candidato às eleições presidenciais, em 2016, advogou que o actual chefe de Estado “pecou pela inacção” em matéria de combate à corrupção e porque “desculpabiliza tudo”. “Desculpabiliza o Governo, desculpabiliza os incêndios, desculpabiliza Tancos, acaba por anestesiar a opinião pública. Obviamente que uma opinião pública anestesiada não tem capacidade de intervenção cívica e de combate a fenómenos como a corrupção”, prosseguiu, sublinhando que, “em matéria de corrupção, quem não a combate acaba por ser cúmplice”.
Durante a apresentação da obra “O Pequeno Livro Negro da Corrupção”, Paulo de Morais disse que o livro “pretende ser uma amostra do que é a corrupção”, para que “fique um registo, para conhecimento presente e memória futura de quem são os casos, quais são os responsáveis, quais são todos aqueles que fazem com que Portugal, podendo ser país rico, tenha neste momento mais dois milhões de pobres”.
“Para que no presente se perceba quem nos trouxe até aqui e para que no futuro não se atribuam nomes de alamedas, avenidas e rotundas a muitos destes vigaristas que aqui estão presentes [no livro]”, acrescentou
A obra foi apresentada pela antiga procuradora-geral da República Joana Marques Vidal, que considerou que este “não pretende ser um livro científico, no sentido de aprofundar o tema da corrupção” em Portugal, mas “um registo” que “permita avançar”. Joana Marques Vidal lamentou a “tolerância que existe” em relação “aos fenómenos corruptivos”.
“Até há pouco tempo, quem não soubesse fugir aos impostos era um parvalhão”, ironizou a antiga Procuradora-geral da República, explicando que o país tem “um problema cultural” em matéria de corrupção, com “raízes profundas”.
Convenhamos, contudo, que a corrupção pode ser uma boa saída para a crise angolana. Isto porque, como demonstraram os empresários/generais e afins angolanos, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que com regimes democráticos e sérios.
Sendo que o caminho certo se define não em função da luta contra a corrupção mas, é claro, dos interesses económicos pessoais, de clã, de seita, Angola só tem que continuar a estratégica luta encetada há décadas.
Nota: No seu livro “O Pequeno Livro Negro da Corrupção”, Paulo de Morais cita o nosso director adjunto, Orlando Castro, escrevendo tratar-se de “denunciante dos mecanismos de corrupção em Angola, nos sucessivos governos de José Eduardo dos Santos e João Lourenço”.