A UNITA, o maior partido da oposição (que o MPLA permite que exista Angola), considera que o combate à corrupção no país visa apenas “salvar” o MPLA (no poder desde 1975) e defenda uma revisão constitucional para uma “verdadeira luta” contra este crime. Tem razão. Aliás, não é conhecido nenhum caso de corrupção fora do MPLA que, assim, se pode vangloriar de ser o partido com mais corruptos por metro quadrado.
A conclusão consta do comunicado final da reunião extraordinária do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA, realizada sob orientação do líder do partido, Isaías Samakuva.
Para a UNITA, a luta contra a corrupção revela-se ineficaz por ser selectiva, incompleta e mal direccionada. Isto é, MPLA dispara para todos os lados, preferencialmente onde esteja um alvo ligado, directa ou indirectamente, a José Eduardo dos Santos. Se levasse a sério essa luta acabaria por atingir um dos vassalos do anterior presidente, de seu nome João Lourenço.
“A corrupção é sistémica, foi institucionalizada para subverter o Estado democrático e tem como único objectivo perpetuar o partido no poder. Por esta razão a verdadeira luta contra a corrupção sistémica não pode ser dirigida apenas contra pessoas nem para satisfação de objectivos políticos pessoais ou de grupo. Ela deve ser dirigida contra o sistema corruptor, montado e dirigido pelo MPLA”, refere o comunicado.
Segundo a UNITA, “Angola precisa muito mais do que o branqueamento do MPLA”. Pois precisa. Mas até lá o regime continuará a vender a imagem de que, mesmo com corruptos em todos os cantos esquinas, sem o MPLA será o dilúvio.
“Angola precisa de combater sem tréguas e de forma decisiva a génese da corrupção que permite que um partido se confunda com o Estado e capture o Estado democrático para se perpetuar no poder”, lê-se no documento. É verdade. Também é verdade que da Oposição se esperaria muito mais do que a simples, embora correcta, retórica que é nobre mas que não ajuda a quebrar este ciclo vicioso que tem mais de 40 anos.
A verdadeira luta contra a corrupção, defende ainda a UNITA, exige que se proceda a uma revisão adequada da Constituição política para se libertar o Estado democrático “das garras do autoritarismo e da subordinação dos órgãos de soberania ao poder oligárquico”.
Pois é. Esse é o diagnóstico. E a terapia qual é? Continuar a caminhar num tapete rolante que anda para trás, querendo dar a ideia de que se está a ganhar terreno quando, de facto, se está no mesmo sítio? Continuar a fingir que se arrota a mandioca quando o cheiro é de lagosta?
“A verdadeira luta contra a corrupção exige que todos os esquemas de financiamento encapotado do MPLA pelo Estado, por via dos desvios ao erário público orquestrado por ministros, deputados, governadores e outros agentes públicos, sejam rigorosamente investigados pela Procuradoria-Geral da República e desmantelados pela Assembleia Nacional e pelos tribunais”, indica o comunicado.
Lindo. Quase poético. Qual PGR? É que só temos uma e é uma sucursal do MPLA. A Assembleia Nacional é dominada pelo MPLA, os tribunais são filiais do MPLA, o Titular do Poder Executivo é Presidente do MPLA, o Presidente da República é Presidente do MPLA…
A UNITA critica que se acuse “apenas um dirigente dos crimes de quadrilha ou de associação criminosa, sem incluir como membro da quadrilha, o associado que estruturou e sustentou a quadrilha e beneficiou do roubo”.
A UNITA continua a ter a força da razão. O problema é que o MPLA tem a razão da força, da qual não abdica. E na crença de que a questão se resolve pela dialéctica, a UNITA esqueceu-se do que Jonas Savimbi dizia aos seus militantes: “Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”.
As prisões “arbitrárias”, que se verificam nos últimos dias nas províncias de Cabinda e da Lunda Norte, mereceram também uma condenação da UNITA, que diz não as entender “numa altura em que se procura, como se diz, corrigir os males do passado”.
“Não se compreende a razão que leva o Governo a continuar a violar direitos constitucionalmente consagrados”, refere a nota, quase parecendo que, tal como o MPLA nos vende a imagem de um novo líder acabado de chegar (João Lourenço II), também Isaías Samakuva II só agora chegou ao país.
As detenções “arbitrárias e abusivas” de líderes religiosos no enclave de Cabinda têm sido denunciadas pela Frente de Libertação do Estado de Cabinda/Forças Armadas de Cabinda (FLEC/FLAC), que exigiu a respectiva libertação “imediata e sem condições” dos mesmos, criticando a “intolerável vaga repressiva” que se regista na região.
Ainda (e sempre) o caso de Cabinda
Recorde-se que, por exemplo, a UNITA defendeu um diálogo aberto e construtivo entre o Governo de Angola e Cabinda, segundo afirmações do seu vice-presidente Raúl Danda, feitas a 10 de Junho de 2016, dia em que participou no funeral do líder cabindense Nzita Tiago, em Paris.
“A UNITA defende permanente e insistentemente a realização de um diálogo construtivo, honesto, aberto transparente entre o Governo de Angola e a sociedade cabindense no sentido de se encontrar uma solução que dignifique as partes e que confira dignidade também a Cabinda”, declarou então Raúl Danda.
“Tenho muita pena que o Presidente Eduardo dos Santos tenha deixado morrer Nzita Tiago, que insistentemente lhe vinha enviando cartas e mandando recados, quer de maneira formal e informal, para que se chegasse a um diálogo para que pudesse levar ao fim o conflito em Cabinda”, referiu na altura Raúl Danda.
Talvez quando Angola for uma democracia e um Estado de Direito se encontra uma solução para Cabinda. Até lá, João Lourenço (tal como antes José Eduardo dos Santos) terá de ser responsabilizado, entre muitas outras coisas, por defender para Cabinda o que o regime de Salazar defendia para Angola. Ou seja, um regime colonialista onde impera a regra (também praticada pelo MPLA) de que até prova em contrário… todos são culpados.
A verdade é que o regime de Angola sonega aos cabindas os seus mais elementares direitos, amordaçando pela força todas as tentativas de colocar a força da razão acima da razão da força. E enquanto assim for, os cabindas têm de fazer suas as palavras do MPLA: a luta continua, a vitória é certa.
Ouvindo a verdade absoluta do regime, fica-se com a impressão que o nacionalismo cabinda, com as suas lídimas aspirações à autodeterminação, surge nos fins dos anos noventa. Essa é a estratégia oficial que, ao subverter a realidade, tenta passar a ideia de que os cabindas são terroristas e subversivos, justificando por isso prisões, raptos e assassinatos.
Importa, por isso, recordar (para além do facto de ninguém ser dono da verdade) que, por exemplo, FLEC/FAC foi fundada em Agosto de 1963, fruto de um longo processo político nos anos quarenta. Testemunhas, ainda vivas, atestam as idas, separadamente, de cabindas e angolanos à ONU.
Termos, como Paz, Reconciliação e Desenvolvimento, parecem ter, quando se fala de Cabinda, uma outra conotação e, simplesmente, esvaziados da força quer humana quer histórica que transportam, em princípio, consigo. A “paz” que o regime impõe em Cabinda é ter as povoações cercadas de militares, é impedir que os cabindas vão livremente às lavras e à caça, é conviverem, sem direito à indignação, com a discriminação e permanentemente sob a mira de uma polícia com carta-branca para tudo, de uma Polícia de Investigação Criminal que primeiro prende e, posteriormente, investiga. Segundo o regime, para Cabinda é, até, impor-lhe um deus, uma igreja e um pastor à força da baioneta.
Reconciliação para os cabindas é, segundo os dois últimos presidentes do MPLA, desaparecer como Povo e ajoelhar-se diante de um poder sempre predisposto a humilhar e a descaracterizá-lo. Desenvolvimento para Cabinda é ter a mão estendida aos dois Congos para o frango, o feijão, o cimento e para a dor de dentes.
Em Cabinda vive-se uma guerra, desmentindo todos os que em Luanda dizem o contrário. Como se isso não bastasse, o regime confunde deliberadamente diálogo com monólogo. Tem sido sempre esta permanente sobranceria do Governo angolano, quando dialoga, monologando com o Povo de Cabinda, ao impor à FLEC as suas soluções unilaterais, amordaçando a Sociedade Civil, ao reduzir o seu espaço e calar a sua voz. Numa palavra; o cabinda não tem direito à cidadania.
As gerações sucedem-se, mas mantém-se indelével o sentimento profundo de um Povo, que uma acção política tendente simplesmente a cercear tudo o que cheira a cabinda: História (datas e momentos marcantes) e Cultura (nomes, língua e espaço vital) não logrou aniquilar. A política da palmatória não desenvolveu, até agora, no cabinda a Síndrome de Estocolmo, pelo contrário, enrijeceu a sua determinação em salvaguardar a sua especificidade.
Nenhuma solução será encontrada para Cabinda se o Governo e o MPLA, porque nem todo o Povo angolano pensa assim, continuarem a sofrer da psicose da ponte sobre-o rio Zaire. Esta unir-se-á com a RDC e não com Cabinda, se o cabinda não for poder em Cabinda.
Folha 8 com Lusa
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