Orgia do gozo

O Governo de Angola afirmou hoje ter disponibilizado, nos últimos 10 meses, cerca de 6.000 milhões de kwanzas (16,4 milhões de euros) aos 164 municípios angolanos no quadro do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (PIDLCP). Ah! ah! ah! Mesmo com a barriga vazia o Povo não perde o humor. Ainda bem para o MPLA. Quando deixar de rir vai ser uma chatice. Uma grande chatice.

O ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social angolano, Manuel Nunes Júnior, que falava, em Luanda, num encontro com administradores de todos os municípios de Angola para avaliar o nível de implementação do programa, apelou para a “utilização efectiva dos recursos” e para o “reforço dos mecanismos de acompanhamento e fiscalização”.

Segundo Manuel Nunes Júnior, em mais uma descoberta de outro (já são tantos!) Ovo de Colombo, o uso racional dos recursos permitirá uma “melhor percepção” sobre o impacto do PIDLCP junto das comunidades, tendo em conta que o montante começou a ser disponibilizado em Junho de 2018 e cuja verba foi contabilizada até Abril deste ano.

E por falar em “uso racional”, também não seria despiciendo que os ministros e o seu chefe fizessem melhor uso daquilo que é basilar em qualquer profissão, em qualquer cargo, competência. É exigir muito? É, com certeza. De facto não se pode exigir o que não existe. E quando (como se viu com a nomeação, exoneração e nomeação do Conselho de Administração da Sonangol em que o Presidente apenas trocou seis por meia dúzia) quem nos governa entende que ser corredor de fundo e estar no fundo do corredor é a mesma coisa, o melhor mesmo em encerrar o pais por… falência.

“É importante que asseguremos que os recursos estão a ser usados em prol do PIDLCP para que, no fim, possamos medir quer o impacto quer as metas quantitativas a que nos propusemos atingir” disse o ministro, eventualmente temendo que um dia destes o ponham também na lista dos marimbondos.

Na intervenção, Manuel Nunes Júnior exortou os presentes a promoverem, com base na lei, a abertura imediata de concursos públicos para a construção de escolas e de outras infra-estruturas previstas no Programa de Investimento Público (PIP), para que seja possível inaugurar muitas delas dentro de seis meses.

Angola vai realizar as primeiras eleições autárquicas em 2020, estando actualmente em curso no Parlamento do MPLA a análise de um pacote legislativo nesse sentido, em que em causa está sobretudo se a votação vai decorrer em todos os municípios, como defende a oposição, ou apenas em alguns, ainda por conhecer, como propõe o Governo até que tenha a certeza que vencerá em todos eles.

O Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza, aprovado em Junho de 2018, é um dos 83 programas plasmados no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) de Angola 2018-2022.

Segundo Manuel Nunes Júnior, o PIDLCP “é, sem dúvida, um dos mais importantes”, tendo em conta, realçou, a “incidência na vida de uma parte muito significativa das populações”. Parte essa que, reconheça-se, é cada vez menos expressiva pois esses programas só se aplicam a quem (ainda) estiver vivo.

O programa, observou o ministro, tem como o objectivo a “implementação de acções destinadas aos grupos em situação de extrema pobreza e a promoção do desenvolvimento local”. Extrema pobreza? Onde?

“Com esta iniciativa, o nosso Executivo pretende criar condições para que tenhamos uma sociedade mais justa, em que a promoção da inclusão social e da igualdade de oportunidades funcionem em pleno”, adiantou o ministro que, mais uma vez etal como o seu chefe, muito gosta de gozar com a chipala dos matumbos.

A redução dos níveis de pobreza extrema, a nível rural e urbano, a elevação do padrão de vida dos cidadãos em situação de pobreza extrema, através de transferências sociais, são alguns dos objectivos específicos prometidos (apenas isso) no PIDLCP.

De acordo o ministro de Estado, o Governo pretende igualmente assegurar, até 2022, o “cadastro gradual dos beneficiários da acção social na base de dados da vulnerabilidade”.

“Queremos também promover o desenvolvimento local no que diz respeito ao processo de desconcentração, descentralização e municipalização e contribuir para a reintegração efectiva dos ex-militares”, explicou, estendendo assim um prato de farelo aos que não só têm saudades das AK47 como estão a explicar aos filhos que elas servem para conquistar aquilo que, afinal, ainda não foi conquistado: a verdadeira independência.

Neste último domínio, Manuel Nunes Júnior referiu que o enquadramento prioritário dos desmobilizados de guerra nas actividades produtivas, “como força activa impulsionadora da economia nos municípios”, deverá passar a ser uma “referência obrigatória dos relatórios à apresentar pelos municípios”.

“Perante este quadro, será importante reforçar os mecanismos de acompanhamento e fiscalização do programa, para permitir que se faça uma prestação de contas sistemática, através de relatórios de progresso, permitindo que se faça uma avaliação do desenvolvimento de modo objectivo e rigoroso”, concluiu.

Por seu lado, a ministra da Acção Social, Família de Promoção da Mulher, Faustina Inglês de Almeida, considerou o encontro como “uma grande oportunidade” para a troca de impressões para a “mitigação dos constrangimentos maiores” na implementação do PIDCLP.

A também coordenadora a Unidade de Acompanhamento e Supervisão do PIDLCP apontou ainda a necessidade da “conclusão urgente”, para o ano económico de 2019, da carteira de projectos a nível de cada município para permitir que as acções de acompanhamento e supervisão tenham um “carácter de apoio técnico e metodológico”.

Ponham cobro à orgia do gozo

O director em Angola do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostrou-se no dia 22 de Janeiro preocupado com aquilo que classificou de “muito elevada” taxa de pobreza no país, 52 por cento. Antes de avançar com esta preocupação, o PNUD deveria – de acordo com as “ordens superiores” do MPLA – dizer que, embora tenham saído do país há 43 anos, a culpa continua a ser dos portugueses.

Presente na apresentação do “Estudo Global da Pobreza Multidimensional em Angola 2018”, Henrick Larsson defendeu um “trabalho conjunto” do governo e da sociedade civil para enfrentar os desafios apresentados pelos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

“A taxa [de pobreza] aqui em Angola é 52% e é muito elevada, um em cada dois angolanos vive em pobreza multidimensional, por isso estamos juntos hoje para marcar a Semana Social 2019, com um tema relevante para todos nós: o Desenvolvimento Sustentável”, disse.

Discursando, em Luanda, na abertura da 6ª Semana Social angolana, organizada pela organização não-governamental Mosaiko – Instituto para Cidadania, em parceria com a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), o responsável apontou caminhos para um “desenvolvimento sólido”.

O desenvolvimento sustentável “só pode ser construído com empreendimentos que, além do crescimento económico, priorizem a redução da pobreza e da fome, conservação do meio ambiente, as boas práticas sociais e a valorização do capital humano”.

Neste sentido, acrescentou, o PNUD trabalha em parceria com o Governo angolano e com a sociedade civil angolana, no seu todo, para, conjuntamente, identificar “soluções locais para enfrentar os desafios que o desenvolvimento sustentável se propõe”.

As gordas contas dos pançudos

O Governo indicou no dia 17 de Outubro de 2018 que pretende “acabar com a pobreza extrema de – nas suas contas – três milhões de angolanos” até 2022, no quadro do Plano de Monitorização de Combate à Pobreza.

Como agora diz o PNUD, os 20 milhões de pobres podem esperar sentados… até caírem para o lado.

Finalmente o Governo do MPLA, que “só” está no poder desde 1975, consegue assumir que há angolanos (mesmo que sejam de segunda) pobres, reconhecendo que três milhões (são muitos mais, mas já é alguma coisa) sobrevivem em “pobreza extrema”.

Segundo o secretário de Estado da Acção Social, Lúcio do Amaral, no âmbito do plano, estão já a ser disponibilizados em todos os municípios de Angola “valores para fazer face aos programas municipais”, que não avançou quais são ou serão.

O plano está, por sua vez, integrado no Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (PIDLCP) aprovado por um decreto presidencial a 6 de Junho de 2018, alinhado com o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 2018/2022.

“O plano visa aferir o grau de execução dos recursos disponibilizados e dos projectos, tendo em conta os indicadores de impacto e resultados. Para o efeito, foram criadas equipas integradas constituídas por todos os ministérios”, observou.

As primeiras equipas de monitorização vão avaliar indicadores nos domínios da “inclusão produtiva, construção e reabilitação de infra-estruturas, água, energia, saneamento” adiantou.

O Governo actual já tinha dito – em Junho do ano passado – que iria reduzir o índice de pobreza extrema no país de 36,6% da população para 25%, equivalente a cerca de três milhões de pessoas, até 2022, investindo anualmente mais de 160 milhões de euros.

A informação consta do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza, aprovado naquele mês por decreto assinado pelo Presidente João Lourenço, e que, entre outros objectivos específicos, prevê reduzir os níveis de pobreza extrema a nível rural e urbano, “elevando o padrão de vida dos cidadãos em situação de pobreza extrema através de transferências sociais”, que poderão ser “em dinheiro ou espécie”.

Por pobreza extrema, na definição internacional, entende-se a pessoa que vive com menos de um dólar por dia.

O Governo estipula igualmente o objectivo de, até 2022, assegurar o aumento do rendimento médio mensal por pessoa e de fazer o registo gradual dos beneficiários da acção social na base de dados da vulnerabilidade. Entre outras medidas, conta-se ainda a promoção do acesso dos cidadãos, “particularmente os mais vulneráveis”, à propriedade e aos factores de produção, como terras, capital, equipamentos e conhecimentos.

“O executivo define como prioridade para o quinquénio 2018-2022 baixar o impacto da pobreza extrema de 36,6% para 25%, correspondendo a cerca de três milhões de cidadãos nessa condição”, lê-se no documento.

Em concreto, o programa do Governo prevê (promete) planos de intervenção municipal, a vários níveis, que vão custar, por cada um dos 164 municípios, cerca de 300 milhões de kwanzas (1 milhão de euros) anuais.

A descentralização da governação “requer a dotação dos fundos necessários à execução das acções delineadas e de suporte à sua operação local. Caberá às autoridades municipais a gestão dos recursos (físicos, financeiros e humanos) e a sua alocação às acções de desenvolvimento local e combate à pobreza”, aponta o documento.

O primeiro eixo do programa consiste na Ampliação e Promoção dos Serviços Básicos, através de programas como Merenda Escolar, Cuidados Primários de Saúde, Água para Todos, de habitação e infra-estruturas sociais ou de gestão e manutenção das infra-estruturas e vias de comunicação.

O segundo eixo, relativo à Agricultura Familiar e Empreendedorismo, prevê (promete) o fomento da produção agro-pecuária, de Equipamentos para Fomento de Micro Empreendimentos e da Operacionalização das Acções de Micro Fomento, enquanto o terceiro eixo é da Comunicação Social, Mobilização e Concertação Social, e o quarto eixo relativo a Serviços e Geração de Trabalho e Renda.

O quinto eixo é relativo à Consolidação do Processo de Reintegração dos ex-Militares e o sexto e último eixo de intervenção prende-se com o Reforço da Desconcentração e Descentralização Administrativa.

Diga de sua justiça, Presidente João Lourenço

No dia 25 de Março de 2017, João Lourenço lamentou a existência de “pobreza extrema” no país, que relacionou com o conflito armado terminado em 2002, prometendo combater essa realidade. Dois anos depois destas declarações conclui-se que, como está no ADN do MPLA, tal como o seu anterior patrono e patrão, também ele gosta de gozar com a nossa chipala.

João Lourenço fez esta afirmação em Viana, arredores de Luanda, perante, segundo a organização, 200.000 apoiantes mobilizados pelo MPLA em toda a província, tendo assumido a “prioridade do combate à pobreza”.

Tratando-se de falar do que não conhece, a pobreza, sendo que Angola tem 20 milhões de pobres, provavelmente a organização enganou-se na soma dos militantes presentes. Na verdade terão sido, no mínimo, 2 milhões. Compreende-se o lapso porque a rapaziada do MPLA encarregada de calcular o número de apoiantes tem de se descalçar quando a soma passa os dez…

“Temos a tarefa de tirar o maior número possível de cidadãos da pobreza”, apontou o general, então ministro da Defesa e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, apelando ao envolvimento também das instituições privadas, além das organizações não-governamentais e das igrejas.

João Lourenço, como é hábito no MPLA, também descobriu a pólvora ao dizer que “todos os países têm ricos e pobres” e que “Angola não é uma excepção”.

É uma excepção, Presidente. Angola é uma excepção de peso. Em 28 milhões de habitantes ter 20 milhões a viver na pobreza é algo que, para além de reflectir o que é e sempre foi o MPLA, deveria envergonhar João Lourenço. Mas não envergonha. E não envergonha porque ele não sabe o que isso é.

“O ideal nessa divisão da sociedade é haver equilíbrio, e quando me refiro a equilíbrio quero dizer alargar substancialmente o número de cidadãos que saem das condições de extrema pobreza, que saem da condição de pobres, e que passam a integrar uma classe média”, defendeu João Lourenço.

Quem diria, não é senhor Presidente João Lourenço? Como a culpa nunca é do MPLA, que tal citar agora o seu ex-patrono e patrão, José Eduardo dos Santos, e voltar a dizer que, afinal, a culpa foi, é e será sempre dos portugueses?

João Lourenço admitiu o objectivo de elevar a classe média a representar 60% da população angolana, embora sem adiantar propostas concretas nesta intervenção. Continua sem as adiantar.

Ou seja, João Lourenço não se compromete com medidas e com datas. Como qualquer excelso marionetista que puxa os cordelinhos para movimentar os escravos, João Lourenço também adora passar-nos atestados de matumbez. Bem poderia dizer que o MPLA precisa de estar no poder mais cinquenta e tal anos para que 60% dos angolanos possam, no final desse tempo, aspirar a pertencer à classe média.

“Uma das nossas preocupações será precisamente, não digo criar, mas procurar ampliar ao máximo essa classe média angolana, à custa da redução dos pobres (…) Fazer com que a classe média seja superior à soma dos pobres e dos ricos”, acrescentou.

João Lourenço pode continuar (e tem-no feito) a dizer todas estas barbaridades aos escravos do MPLA que são, voluntariamente, obrigados a estar calados e a só pensar com a cabeça do chefe. Eles aplaudem sempre. Se lhes chamar escravos, burros ou camelos eles aplaudem na mesma. Não pode, contudo, é julgar que todos estamos formatados para pensarmos como ele pensa.

Se para esses acólitos o período de guerra civil (apesar de ter terminado em 2002) justifica tudo, para nós não. Dá jeito ao MPLA estar sempre a falar disso, ir ressuscitando Jonas Savimbi, e misturando tudo dizer que ou o MPLA é dono incontestável de Angola ou o fim do mundo chega no dia seguinte. Mas não é assim. Os escravos arregimentados pelo regime pensam com a cabeça que têm mais ao pé, mas há cada vez mais angolanos que – desobedecendo às “ordens superiores” – pensam com a sua própria cabeça. E esses estão fartos.

E esses sabem que Angola é e será um dos países mais corruptos do mundo porque o uso de placebos, embora vendidos em embalagens de antibióticos, não curam. Sabem que é um dos países com piores práticas políticas e de direitos humanos. Sabem que é um país com enormes assimetrias sociais. Sabem que é um país com um elevadíssimo índice de mortalidade infantil do mundo. Mas também sabem que Angola não é um país eternamente condenado a isso.

João Lourenço também sabe, mas não diz, é que se a corrupção acabar… também o MPLA acaba.

Folha 8 com Lusa

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