A tese de João Lourenço passou agora a ser de “o Governo precisa de mais tempo”. Os 44 anos que o MPLA leva de governo não chegaram. O Presidente acredita, diz, que o tempo será uma solução para os problemas. Tem razão, desde logo porque para ser um problema (enorme) para a solução basta ele próprio e o seu partido.
Por Orlando Castro
Assim, vai ensaiando todo uma irracional enciclopédia de soluções, qual delas a mais irracional. Vejamos um exemplo. Tal como aqui se escreveu no dia 3 de Novembro de 2018, uma dessas inovações com pés de barro foi a “Operação Resgate”, uma estratégia que se assemelha a uma espécie de purga, de limpeza e extinção de angolanos pobres, de algo que, aos mais velhos, recorda um tenebroso dia de 1977. Mais exactamente o dia 27 de Maio…
A “Operação Resgate”, paradigmático ex-líbris que legenda a designação de “regime autoritário e cleptocrático”, foi concebida como uma espécie de “lei marcial” para pôr o país em “estado de sítio”, doa a quem doer. Palavra do Presidente da República. Alvos? Sobretudo os angolanos e angolanas pobres que, julgando terem direito a viver, tudo fazem para de forma honesta arranjar alguma coisa para dar de comer aos filhos.
O Governo, mais este do que os anteriores – muito mais este -, entende que se esses angolanos não conseguem viver sem comer, então não servem para viver. Como líder de uma casta que se assume como superior, João Lourenço entende que é mais fácil acabar com os pobres do que acabar com a pobreza. Vai daí, põe novamente a sua enormíssima razão da força nas ruas para, sem apelo nem agravo, mandar a força a razão para uma qualquer vala comum.
Mais uma vez assiste-se à reedição do que o poeta António Jacinto escreveu sobre os piores tempos do colonialismo. Ou seja, os angolanos, sobretudo mulheres e homens pobres e desempregados, são ser varridos da sociedade e em paga recebem – na melhor das hipóteses – “desdém, fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilarem”.
Desta vez, contudo, a ditadura populista e demagógica de João Lourenço teve, tem, de enfrentar a oposição pacífica de todos quantos, apesar de terem alguma coisa na barriga, não esquecem os seus irmãos que, por manifesta e criminosa incapacidade e incompetência do Governo do MPLA (há 44 anos no Poder), são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
A consultora Fitch Solutions , por exemplo, alertou para a possibilidade de tensões entre os angolanos. Isso, tanto quanto parece, não preocupa João Lourenço. O Povo vai sair à rua? Tem de sair à rua. Poderemos morrer de barriga vazia, mas morremos a lutar. Mas, mesmo morrendo, não seremos derrotados porque só é derrotado quem deixa de lutar. E haverá sempre vivos dispostos a lutar. Lutar de forma pacífica… se isso for possível.
Os ortodoxos seguidores de João Lourenço (que ontem, tal como o próprio JLo, eram incondicionais seguidores de José Eduardo dos Santos e amanha serão – incluindo JLo – seguidores de qualquer outro ditador) não conseguem deixar a todos nós angolanos algo mais do que a pura expressão da sua genética cobardia que, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões.
É uma vergonha, Presidente João Lourenço. O “resgate” da Nação não se pode fazer à custa da vida e da dignidade dos angolanos, sejam eles membros do Governo ou zungueiras. Somos todos angolanos. Ou não? Sabemos que, também para si, há angolanos de primeira e de segunda (talvez até de terceira). Mas daí a querer resgatar qualquer coisa, por mais nobre o relevante que ela seja, à custa da vida (e dos bens) dos mais indefesos é um crime contra a humanidade.
Mais uma vez (e já começam a ser muitas), a esperança que João Lourenço nos mostrou esfuma-se na troca de carrascos e na demonstração de que um néscio do MPLA é um génio. A clientela tem de ser alojada e os “cristãos-novos” juram fidelidade ao novo líder da Igreja Universal do Reino de JLo. Este, com a maestria de quem domina a arte de bem comandar rebanhos de carneiros, vai tornando o país no seu reino.
Talvez esses génios, os de ontem e os de hoje, os de hoje que eram os de ontem, quase todos paridos nas latrinas da mesquinhez e da cobardia, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanidade. Para João Lourenço (a “Operação Resgate” é a cereja no topo do bolo) Angola é o (seu) MPLA e o (seu) MPLA é Angola. É por isso que alimenta o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecendo que – mesmo sendo Presidente – a sua liberdade termina onde começa a dos outros, mesmo que sejam zungueiras. Embora com muita batota foi “eleito” no pressuposto de que ser Presidente significa servir e não servir-se.
A situação no nosso país volta a ultrapassar os limites, em nada preocupando os que, estando no poder há 44 anos, nada fazem para acabar com a morte viva de um povo que morre mesmo antes de nascer. João Lourenço sorri. Os seus lacaios também.
E morre todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morre enquanto João Lourenço e o respectivo séquito de bajuladores cantam e riem, brincam às exonerações e às nomeações e nadam, em Cuba, com golfinhos. E morre enquanto outros, nos areópagos do poder em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, cerca de 20 milhões, mal sabem o que é comer.
É que, saiba disso Presidente João Lourenço, queira ou não, como na guerra, o Poder é uma ilusão quando o povo morre à fome. E o nosso Povo morre de barriga vazia. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, ninguém sairá vencedor. Todos perdem. Todos perdemos.
Fazemos um esforço (cada vez mais penoso) para acreditar que João Lourenço tem, de vez em quando, consciência de que a sua “democracia” ditatorial não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução. O afã exacerbado, quase patológico e necessariamente canibalesco, de permitir esta (e outras já embrionárias) operação de limpeza é um grave indício daquilo que, de facto, nos querem fazer.
Cremos que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os angolanos, irmãos com muito sangue derramado, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros.
Se nos entendemos para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não será difícil entender que a força da razão pode e deve substituir a razão da força. José Eduardo dos Santos não o entendeu durante 38 anos. João Lourenço disse que entendeu mas, até agora, só conseguiu substituir as raposas de Eduardo dos Santos que estavam a tomar conta do galinheiro por outras… raposas (algumas – incluindo ele próprio – repescadas da anterior equipa presidencial).
Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamente pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.
Mais do que julgar e incriminar importa, nesta altura, parar. Parar definitivamente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliadoras, ganhar tempo e continuar o processo de esclavagismo, ganhar tempo para formar novos milionários, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para continuar a enganar o Povo.
Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunidades, a justiça, a liberdade e o Estado de Direito cheguem antes de alguém resolver puxar o gatilho. Esperamos que disso se convença João Lourenço, um angolano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
Ou será que se orgulha?