Angola figura entre os nove países do mundo que apresentam um alto risco de fome e discriminação por parte das instituições (marginalização de certos grupos sociais) em contexto de instabilidade causada pelo clima, revela um estudo da publicação académica Foreign Affairs, hoje divulgado. É preciso ter pouca sorte.
O estudo da revista científica norte-americana, que avaliou as crises humanitárias e outros factores de ameaça provocados em consequência das mudanças climáticas, revela que Angola, conjuntamente com República Democrática do Congo, Uganda, Sudão do Sul e Sudão, países africanos, e Iémen, Paquistão, Birmânia (Myanmar) e Afeganistão, tem uma proporção particularmente grande de meios de subsistência ligada à agricultura.
A análise da revista, que avalia factores de risco provocados por alterações climáticas que levam à violência, à crise alimentar e à deslocação em larga escala de pessoas, concluiu que “os choques climáticos, como as secas ou as inundações, tendem a perturbar a agricultura” e provocam consequências nos países que dependem da agricultura no nível alto, que podem traduzir-se “em reduções generalizadas do rendimento e em elevados níveis de insegurança alimentar”.
A Organização Internacional do Trabalho considera o nível alto de dependência agrícola “se pelo menos 40% de sua população trabalha na agricultura”.
Outro critério no nível alto (vermelho) do estudo da Foreign Affairs é a discriminação por parte das instituições, significando que estes países marginalizam certos grupos sociais, o que “aumenta o risco de instabilidade e emergências humanitárias ao tornar os Governos menos receptivos a segmentos de sua população”.
“Por exemplo, no caso de uma escassez de alimentos, grupos marginalizados nesses países são menos propensos do que outros a receber ajuda do Governo, aumentando a probabilidade de uma crise humanitária e criando queixas contra o Estado”, refere o estudo, que assinalou também o factor de exclusão de certas pessoas do poder, também em questões étnicas.
O terceiro factor de risco elevado que pode “combinar com choques climáticos para produzir crises” refere-se a uma história recente de conflitos.
“O conflito recente é, provavelmente, o melhor indicador de que um país terá mais conflitos no futuro, uma vez que esses países provavelmente ainda terão líderes e grupos que possam aceder a armas e mobilizar pessoas para lutar. Usámos o Programa de Dados de Conflito de Uppsala para identificar os mais de 40 países que registaram conflitos (definidos como um conflito do qual o Estado era parte) nos cinco anos anteriores a 2018”, sublinhou o estudo.
Num nível imediatamente abaixo (amarelo), Moçambique tem factores de risco de recente conflito e de dependência na agricultura, integrando um grupo de 11 países, nove africanos, com idênticas ameaças: Mauritânia, Níger, Chade, camarões, República Centro Africana, Burundi, Etiópia, Somália, Índia e Bangladesh.
Editado pelo Conselho de Relações Externas, um grupo privado fundado em Nova Iorque, em 1921, o estudo debruçou-se sobre o factor de risco severo de falta de água, com Angola e Moçambique no grupo de seis países, todos de África, sem ameaça neste critério.
Chade, República Democrática do Congo, Etiópia, Mali, República Centro Africana, Níger, Sudão, Camarões e Mali apresentam risco severo de falta de água num prazo de 10 a 30 anos.
Fome em Angola? Impossível
Falar hoje de fome em Angola é propagar uma mentira para a qual apenas contribuiu o anterior rei-marimbondo mas que, como garante João Lourenço, já “faz parte da história”. Vejamos. O ministro da Agricultura e Florestas de Angola, Marcos Alexandre Nhunga, disse no dia 12 de Setembro de 2018 que o país tem alguma “população considerável que não passa fome como tal”, mas que “se encontra numa situação difícil”.
Sendo Marcos Alexandre Nhunga ministro de João Lourenço, tem com certeza toda a razão. Mesmo assim… “Não passa fome como tal”? Ou passa fome ou não passa, dizemos nós. Essa coisa de “fome como tal” não existe. Queria o ministro dizer que passa fome às segundas, quartas e sextas e come qualquer coisa às terças, quintas e sábados? E que “como tal” aos domingos faz jejum?
Marcos Nhunga falava aos jornalistas depois de questionado, na altura, pela agência Lusa sobre o relatório de segurança alimentar e nutrição elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o qual indica que, em Angola, 23,9% da população passa fome. Passa forme. Não “fome como tal”.
“É uma realidade, mas não temos essa realidade. A FAO divulga os seus dados e não queremos fazer comentários. Mas a FAO, quando divulga, tem dados com base num levantamento a nível mundial”, afirmou o governante. E o que é que um levantamento a nível mundial afecta, “como tal”, os dados relativos a cada país?
No relatório de 2018, a FAO refere que cerca de 821 milhões de pessoas no mundo passam fome, o que se traduz num aumento quando comparado com os dados de há dez anos.
Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
Marcos Nhunga sustentou que a constatação é diferente da que pode parecer… “como tal”.
“[Angola] ainda tem alguma população considerável, que não digo que passem fome como tal, mas que está numa situação difícil. Exactamente por isso é que o governo quer melhorar e está a fazer intervenções no meio rural no quadro da actividade produtiva, para que possa resolver os problemas ligados à fome e à pobreza”, disse o ministro.
As importações angolanas de alimentos ascenderam em 2017 ao equivalente a mais de 7,5 milhões de euros por dia, pressionando as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) do país.
De acordo com dados tornados públicos pelo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), só no primeiro trimestre de 2018, o país já necessitou de importar 560 milhões de dólares (480 milhões de euros) em alimentos.
“Apesar de representar uma queda de 30% comparativamente ao mesmo período de 2017, se guiados pela procura, que se mantém alta, no final do presente ano poderemos não estar muito longe dos cerca de 3,3 mil milhões de dólares [2.800 milhões de euros] de importação de alimentos verificada em 2017”, alertou José de Lima Massano.
“A consciencialização das nossas limitações deve ser geral para que, em conjunto, as possamos superar. Temos ainda uma procura por divisas elevada para cobertura de importação de bens que o país tem condições de produzir”, alertou o governador.
José de Lima Massano acrescentou que a procura mensal de divisas para matéria-prima para o sector não petrolífero está ainda acima de 300 milhões de dólares (255 milhões de euros), mas que essa procura “poderia ser atendida com produção interna, particularmente no sector das bebidas”.
“Devemos olhar para as divisas como um dos instrumentos para fomentar o bem-estar colectivo e não como um fim em sim mesmo. E é também com esse sentido que se procura um formato equilibrado e eficiente de acesso ao mercado cambial”, enfatizou o governador do BNA.
Reservas alimentares para alguns
O Governo angolano prometeu investir 24.000 milhões de kwanzas (87,6 milhões de euros) na Reserva Estratégica Alimentar do Estado, aprovada em Maio pelo Conselho de Ministros para garantir o abastecimento de alguns alimentos essenciais durante determinados períodos.
De acordo com informação governamental, a concretização desta reserva está prevista para finais deste ano e deverá ser constituída fundamentalmente por produtos nacionais, incluindo 20.000 toneladas de arroz, 10.000 toneladas de farinha de milho, 21.000 toneladas de farinha de trigo e 15.000 toneladas de feijão.
“Em situações de crise, calamidade ou situação de falta de produtos da cesta básica, o Estado deve intervir no mercado para manter o equilíbrio de preços e assegurar a segurança alimentar”, explicou o ministro do Comércio, Jofre Van-Dúnem Júnior, no final da quarta sessão ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, orientada em Luanda pelo Presidente da República, João Lourenço.
Há pouco mais de um ano foi noticiado que o Governo pretendia lançar até final de Junho de 2017 a Reserva Estratégica Alimentar do Estado, com o objectivo de ter abastecimento de alguns alimentos “durante um período mínimo” e garantir a segurança alimentar.
A informação constava de um despacho conjunto dos ministérios da Economia, Finanças, Agricultura e Comércio, criando um grupo técnico intersectorial encarregue de preparar, em termos técnicos e jurídicos, a formalização da Reserva Estratégica Alimentar do Estado.
Esta reserva, referia o documento, permitiria ainda “estabelecer uma relação entre o consumo e as necessidades alimentares, produção interna, as importações e exportações de alimentos”, mas também adoptar “políticas públicas tendentes à normalização do mercado e regulação dos preços dos produtos básicos para alimentação das populações”.
Farinha de trigo e de milho, arroz, feijão, açúcar ou sal são alguns dos produtos que integram a cesta básica angolana.
A informação tinha sido igualmente confirmada em Janeiro de 2017 pelo então presidente do Conselho de Administração do Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA), empresa pública criada em 2002 e que teria a função de gestor desta reserva do Estado, além de manutenção da estabilidade dos preços do mercado e de importação.
“Fisicamente a reserva já existe, mas não na quantidade desejável”, explicou na altura Jofre Van-Dúnem Júnior, então presidente do EAA e desde Setembro de 2017 ministro do Comércio.
A proposta prevê uma Reserva Estratégica Alimentar com uma componente física de armazenamento, em pontos estratégicos do país e com capacidade para cobrir entre “três a seis meses” das necessidades de consumo.
Uma segunda componente será financeira, devendo garantir o mesmo período de três a seis meses das necessidades de consumo de produtos da cesta básica e que, segundo Jofre Van-Dúnem Júnior, consiste numa carta de crédito devidamente aprovada, que só careça de ser accionada “se as condições necessárias se verificarem”, garantindo de imediato a importação.
“Até porque pode ser necessário accionar essa reserva em caso de calamidade. Seria necessário accionar uma reserva financeira”, sublinhou o responsável.
Além disso, a componente física desta futura reserva “não deve estar concentrada num único operador”, cabendo à EAA a função de gestão, obedecendo à necessidade de “rotação mínima” dos produtos perecíveis.
Tudo isto parece, ou é mesmo, uma anedota de muito mau gosto, típica de um regime feudal, mas é uma realidade protagonizada primeiro pela equipa de sua majestade o rei-marimbondo, José Eduardo dos Santos, e agora pelo seu sucessor João Lourenço.
A propaganda sobre esta reserva alimentar consta de um despacho conjunto dos ministérios da Economia, Finanças, Agricultura e Comércio, de Abril de2017, criando um grupo (mais um) técnico intersectorial encarregue de preparar, em termos técnicos e jurídicos, a formalização da Reserva Estratégica Alimentar do Estado.
Esta reserva, lê-se no documento, permitirá ainda “estabelecer uma relação entre o consumo e as necessidades alimentares, produção interna, as importações e exportações de alimentos”, mas também adoptar “políticas públicas tendentes à normalização do mercado e regulação dos preços dos produtos básicos para alimentação das populações”.
Louvável a filantrópica preocupação do regime (onde pontuava João Lourenço como ministro da Defesa e vice-presidente do MPLA) com a alimentação das populações. Para melhor eficácia na sua decisão, o grupo técnico intersectorial deverá esmiuçar todos os pormenores desta estratégica decisão depois de algumas faustosas refeições. Sim, que essa velha máxima de peixe podre e fuba podres (panos ruins e 50 angolares), bem como porrada para quem refilar, só é válida para os escravos do reino.
Portanto, ao que tudo indica, haverá alguma fartura propagandística, perdão, alimentar, sobretudo ao nível da farinha de trigo e de milho, arroz, feijão, açúcar ou sal.
Para os donos do regime, a cesta básica é composta – compreensivelmente – por outros alimentos: coisas do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005.
Enquanto isso somam-se os casos de mortes por fome, um pouco por todo o país, mas sobretudo na Angola profunda.
Mas seria isso possível? Os relatórios que dizem estas barbaridades devem ter sido elaborados por alguém da oposição, por algum grupo que quer levar a efeito um golpe de Estado, por alguma seita que atenta contra a segurança do país. Só pode. Morrer de fome em Angola? Não pode ser…
Sem prévia autorização do regime (o que constitui gravosa matéria de facto indiciadora de desrespeito pelas instituições) o Índice Global da Fome, elaborado pelo Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI), diz que Angola está na lista dos 50 países com as taxas mais alarmantes de fome.
Contrariando todos os dados em poder do Governo de João Lourenço, que desmentem totalmente os divulgados pelo IFPRI, o relatório garante que Angola é o País Africano de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) onde a população mais sofre por causa da fome.
Até aqui nada de novo, ou não fosse conhecido que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, é um dos países com piores práticas democráticas, é um país com enormes assimetrias sociais e é igualmente o país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.
No caso de Angola, segundo as previsões dos mais eloquentes e assertivos peritos do regime, para que a fome seja completamente erradicada do país eram necessárias duas coisas. A primeira afastar radicalmente do poder o clã Eduardo dos Santos que tão mal educou o seu menino-prodígio, João Lourenço, a ponto de este cuspir no prato onde comeu. A segunda, fazer com que o MPLA junte aos 43 anos que já leva de poder aí mais uns 57 anos.
Folha 8 com Lusa