Sodiam(antes) divorcia-se

A empresa pública angolana Sodiam, responsável pela comercialização dos diamantes do país, anunciou hoje a saída da sociedade que controla a holding do grupo ‘De Grisogono’, a joalharia de luxo suíça detida por Isabel dos Santos e pelo marido.

A informação foi transmitida em comunicado, pelo Conselho de Administração da Sodiam, que desde 6 de Novembro é liderado por Eugénio Bravo da Rosa, nomeado pelo novo Presidente angolano, João Lourenço, que exonerou a anterior presidente, Beatriz Jacinto de Sousa, nomeada este ano por José Eduardo dos Santos, ex-chefe de Estado.

A Sodiam, empresa pública (EP), “comunica que por razões de interesse público e de legalidade” o seu Conselho de Administração “adoptou hoje”, em reunião extraordinária, “um conjunto de deliberações tendo em vista a sua saída da sociedade de direito maltês Victoria Holding Limited”. Por via desta, a Sodiam refere que detém, de forma indirecta “uma participação societária minoritária na sociedade holding do grupo joalheiro ‘De Grisogono'”.

“A participação da Sodiam EP na Victoria Holding Limited, e indirectamente no grupo ‘De Grisogono’, gerou, desde a sua constituição, em 2011, exclusivamente custos para a Sodiam, em virtude quer dos financiamentos bancários que contraiu, quer dos resultados negativos que têm sido sistematicamente apresentados pelo grupo, decorrentes de um modelo de gestão adoptado a que a Sodiam EP é e sempre foi alheia”, refere o comunicado.

A joalharia ‘De Grisogono’ é liderada pelo casal Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, tendo comprado em 2016 o maior diamante encontrado em Angola, que foi transformado numa jóia rara de 163,41 quilates leiloado a 14 de Novembro pela Christie’s, tendo rendido 33,7 milhões de dólares (28,3 milhões de euros).

O diamante, o 27º maior em todo o mundo, tinha originalmente 404,2 quilates e sete centímetros de comprimento, quando foi encontrado, em Fevereiro de 2016, por uma empresa mineira australiana no campo do Lulo, na Lunda Norte, no leste de Angola.

Isabel dos Santos, filha do ex-chefe de Estado e líder do MPLA, partido no poder há 42 anos, José Eduardo dos Santos, foi exonerada do cargo de Presidente do Conselho de Administração da petrolífera estatal Sonangol, por decisão do novo Presidente da República, João Lourenço.

No comunicado de hoje, a administração da empresa que comercializa os diamantes angolanos, liderada por Eugénio Bravo da Rosa acrescenta que, enquanto entidade pública e “em obediência e estrito cumprimento da legislação em vigor e da sua perspectiva de negócio futuro”, a Sodiam EP “reafirma o seu compromisso de trabalhar na busca do aumento e da melhor rentabilidade da actividade de comercialização de lapidação dos diamantes” produzidos em Angola.

Desde que foi empossado no cargo, a 26 de Setembro, e entre outros sectores, João Lourenço mexeu por completo nas administrações das empresas diamantíferas públicas.

Além da Sodiam, exonerou Carlos Sumbula de Presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Diamantes (Endiama), concessionária estatal do sector, cargo que ocupava desde 2009, tendo nomeado para o seu lugar o economista José Manuel Ganga Júnior, que até 2015 foi director-geral da Sociedade Mineira de Catoca, responsável por 75% da produção diamantífera anual angolana.

“Acreditamos que os empossados são pessoas à altura para organizar a comercialização dos nossos diamantes, no sentido de melhor servir a nossa economia”, exortou João Lourenço, a 3 de Novembro, quando deu posse à nova administração da Sodiam.

… E por falar na De Grisogono, Isabel e Sindika

Para quem não sabe (isto é como quem diz!), Isabel dos Santos é filha do Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos), do ex-Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) e do ex-Presidente da República (José Eduardo dos Santos) que, aliás, foi quem a nomeou para Presidente do Conselho de Administração da Sonangol.

Fundada em 1993 e com clientes como Sharon Stone ou Kim Kardashian, a compra da joalharia De Grisogono foi feita em 2012 através da empresa “Victoria Holding Limited”, uma parceria entre a empresa do regime angolano Sodiam (Sociedade de Comercialização de Diamantes de Angola) e uma empresa privada, “Melbourne Investments”, que tem o marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, como o único proprietário.

Segundo a revista Forbes, “não é claro que Dokolo tenha feito algum investimento financeiro na Melbourne Investments ou se a Melbourne contribuiu com dinheiro para a compra”.

“A Sodiam, enquanto empresa estatal (a sua equipa de gestão, o presidente e director-executivo foram todos – até à chegada de João Lourenço à Presidência de Angola – nomeados por José Eduardo dos Santos), é obrigada a declarar publicamente todos os seus negócios no país e no estrangeiro, mas até agora a parceria com Dokolo era um segredo”, escreveu a revista em 2014, dois anos depois da compra.

No ano passado, a De Grisogono comprou o diamante bruto mais caro do mundo, o Constellation, de 813 quilates, por 63.1 milhões de dólares (cerca de 60 milhões de euros). Também em 2016, comprou um diamante de 404 quilates e sete centímetros de comprimento, o maior alguma vez encontrado em Angola, por uma quantia não divulgada. No mês em que foi encontrada esta pedra, outros sete diamantes de grandes dimensões foram descobertos numa mina na província da Lunda Norte, uma zona muito pobre onde não existe electricidade ou ligações telefónicas em grande parte do território.

Na campanha presidencial de 2012, no entanto, segundo o que foi divulgados publicamente, também pelo Folha 8, o presidente José Eduardo dos Santos queixou-se de que as receitas da extracção de diamantes na região não chegavam “sequer para pagar as estradas”.

A De Grisogono até há bem pouco tempo era uma pequena empresa onde trabalhavam 150 pessoas, em Plan-les-Ouates, perto de Genebra, na Suíça.

Com boutique na Madison Avenue, em Nova Iorque, mas PME de importância mediana no ramo da joalharia e relógios de luxo, de repente, eis que ficamos a saber que essa “cambuta” ambiciona ser líder mundial desse sector.

A razão foi (é) uma pedra, grande, um diamante que aterrou na sua mesa como que caída do céu ou por encanto, dando origem a uma mega festança que reuniu 700 VIP’s, modelos de “passerelle” e actrizes, organizada em Maio de 2016 por ocasião do Festival de Cinema de Cannes no Eden Roc e com ampla mediatização na imprensa internacional.

O fundador, PCA e director artístico da De Grisogono, Fawaz Gruosi, a partir daí começou a ver o futuro da sua empresa em tons de azul e ouro, com notas verdes pelo meio, depois de ter comprado a referida pedra, excepcional, um diamante angolano de 404 quilates, então recentemente encontrado na mina de Lucapa, província da Lunda-Norte.

“Estou muito nervoso, este diamante tira-me o sono, é a primeira vez que me preocupo por não ser capaz de fazer o que tenho que fazer. A minha responsabilidade é enorme”, disse Fawaz Gruosi, solicitado a comentar, na sua boutique de Nova Iorque, a descoberta do pedregulho. Responsabilidade tão grande que Gruosi não se aventurou a lapidar o mambo sozinho e recorreu aos serviços do prestigioso lapidário nova-iorquino Ben Green.

Compreensível, pois a verdade é que, com o “404”, a sua empresa e ele próprio mudavam de estatuto, como alegou um especialista do ramo diamantífero em Genebra. “Em geral, este tipo de aquisição é reservado às maiores empresas, como a Graff ou a Winston”, disse ele.

Trata-se, de facto, de um golpe de mestre. O “404” era o maior diamante jamais descoberto em Angola e nunca a marca De Grisogono tinha obtido uma pedra deste calibre.

Mas vamos com calma… por essa altura, o que de maior reboliço e irritação grassava na área diamantífera entre os concorrentes da De Grisonogo, era o ciúme, a sua meteórica ascensão e a exageradamente dispendiosa maneira de divulgar a existência desse diamante na supra-citada gala VIP no Eden Roc.

Por outro lado, sejamos francos, a De Grisogono podia dar-se ao luxo de ser generosa. Porque a sua marca, contas bem feitas, tem (tinha) aliados que lhe permitem desempenhar um papel de liderança.

Recapitulemos. Em 2012, a empresa foi adquirida – por meio de uma montagem ad hoc, offshore – pelo empresário Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos.

Monsieur Dokolo avançou com 100 milhões de francos suíços destinados a transformar a De Grisogono num cliente privilegiado de diamantes angolanos destinados à joalharia. Vai de si que, com a compra do “404”, esta visão estratégica se concretizou na prática de maneira deveras espectacular.

Por outro lado, Sindika Dokolo também está por trás da Nemesis, uma empresa de diamantes em Dubai, nada de um parente 18 meses antes. De acordo com o seu director, Nicky Polak, foi ela, a Nemesis, que comprou o “404” à empresa estatal angolana, Sodiam, antes de vender os seus direitos à De Grisogono (que não pagou nem um Luei, só pagaria no final da lapidação e receberá lucros que se contam em milhões de dólares).

Portanto, não é preciso ser perito em economia para ver neste lance que o diamante passou de uma empresa do Estado, controlada pela filha do então presidente da República, Sodiam, para as empresas privadas, Nemesis e De Grisogono, que são propriedade de Sindika Dokolo, marido da dita filha do dito ex-presidente.

Entretanto, perguntas ficam no ar: quantos milhões de dólares do Estado foram vazados para bolsos privados neste lance? Quantos biliões de dólares, em nome da lei instaurada por este regime, em nome dos usos, dos costumes e das velhas técnicas arcaicas de enriquecimento, têm sido, ao longo de décadas, ou melhor, ao longo de séculos, desviados em detrimento do verdadeiro dono do nosso país, o povo de Angola? Ela, a lei, existe, isto não é roubo, é simplesmente um histórico desfalque institucionalizado.

Folha 8 com Lusa

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