Falcatruas todos os dias: a teia de Eduardo dos Santos

O modo como o presidente tem saqueado o país em benefício da sua família leva a questionar, sobretudo, o sentido de responsabilidade política, moral, social e patriótica dos milhões de militantes do partido no poder, o MPLA, e que o defendem em detrimento da pátria.

Por Rafael Marques de Morais (*)

O mesmo se pode dizer para os efectivos das Forças Armadas Angolanas e da Polícia Nacional. O que é Angola para o MPLA e os seus militantes? Defender Angola, a lei e a ordem é defender quem saqueia o país?

Há um edifício em construção, na Rua Major Kanhangulo, em Luanda, que simboliza o desvario de José Eduardo dos Santos na gestão dos fundos públicos, agindo como se o tesouro nacional fosse seu, apenas propriedade sua e dos seus filhos.

A 12 de Setembro de 2014, o presidente José Eduardo dos Santos ordenou ao Ministério das Finanças (MINFIN) que procedesse à aquisição do edifício, na fase inicial de construção, por US $115.4 milhões de dólares. Fê-lo através do despacho presidencial n.º 182/14, que autorizava a celebração do contrato de compra e venda entre a empresa privada Imob Angola – Empreendimentos Imobiliários Lda. e o seu governo.

A construção do edifício ficou a cargo da empresa portuguesa Mota-Engil e teve início um ano antes do despacho presidencial, em Setembro de 2013. A conclusão está prevista para 2017. O prédio deverá ter 35 andares, e será o mais alto e esguio em Angola. Neste momento, está já concluído o 25.º andar. O custo total da obra foi avaliado em cerca de US $40 milhões, segundo dados públicos da gestão da Mota-Engil.

À data do despacho presidencial, eram sócios da Imob Angola: Mayra Isungi Campos Costa dos Santos, mulher de Filomeno José dos Santos “Zenú”, com 45 por cento do capital; o empresário brasileiro Valdomiro Minoro Dondo, com igual quota; e Óscar Tito Cardoso Fernandes, com os restantes 10 por cento. Este último é amigo de Zenú e do ministro das Finanças, Armando Manuel, e os três estão ligados por interesses económicos que já são objecto de investigação do Maka Angola. Foi Zenú quem indicou Armando Manuel para o cargo que actualmente ocupa, conforme revelação antecipada neste portal em 2013.

Mayra dos Santos é apenas uma representante do marido, José Filomeno dos Santos, que por sua vez é filho de José Eduardo dos Santos e presidente do Fundo Soberano de Angola.

No mesmo dia em que o presidente assinou o despacho, a 12 de Setembro de 2014, a Imob Angola e as empresas que viriam a ser as suas novas proprietárias realizaram cada uma, por sua conta, as suas assembleias-gerais.

A seguir, dez dias após o despacho presidencial, a 22 de Setembro de 2014, os sócios da Imob Angola cederam a totalidade das suas quotas a duas empresas fantasma: a Incasa – Empreendimentos e Participações Lda. e a Bertoli – Investimentos e Participações, cujas sócias eram duas desconhecidas, Maria Isabel José e Domingas Zanda Muenho.

Conforme revelam documentos na posse de Maka Angola, à data do negócio Maria Isabel José vivia no Bairro Sambizanga, numa rua sem nome e numa casa sem número. Por sua vez, Domingas Zanda Muenho vivia no Bairro Prenda, também numa rua sem nome e numa casa sem número. Esses dados chamaram logo a atenção, porque quem tem capital para tamanho negócio certamente poderia viver em melhores condições. Regra geral, as ruas das áreas urbanas e semiurbanas têm nomes ou são numeradas, ao passo que os musseques não.

De acordo com documentos consultados por Maka Angola, a 25 de Setembro de 2014 Minoru Dondo vendeu o terreno onde está a ser edificada a torre, por US $6.8 milhões, à Incasa Empreendimentos e Participações Lda. O valor incluiu também a sua saída integral da Imob Angola, não tendo, por isso, participado no negócio com o MINFIN. O Estado reconheceu a saída de Minoru no negócio três dias após o decreto presidencial de compra da Imob Tower.

A Incasa é uma empresa detida formalmente pelo mesmo Óscar Tito Cardoso Fernandes e pelo brasileiro António Carlos Perruci Loureiro Alves; os dois são proprietários de quotas iguais.

O brasileiro, que trabalhou primeiro para a Macon, até 2010, tornou-se numa eminência parda quando se aliou ao trio José Filomeno dos Santos “Zenú”, Armando Manuel e Óscar Tito Fernandes Cardoso. Passou a ser também um testa-de-ferro de Zenú. É nessa qualidade que entra como sócio no negócio da Imob Business Tower, segundo fontes contactadas por Maka Angola.

A influência do brasileiro estende-se ao controlo da base de dados da Autoridade Tributária Geral, afecta ao MINFIN, por via do software que fornece a essa entidade.

O contrato

Entretanto, através do despacho 1610/14, de 28 de Novembro de 2014, o ministro das Finanças, Armando Manuel, subdelegou poderes ao secretário de Estado para o Património, Franco Burity da Silva, para a assinatura do contrato-promessa de compra e venda do imóvel à Imob Angola. Mas, por altura da assinatura do contrato, a Imob Angola já tinha outro figurino, com a Incasa e a Bertoli como únicas sócias.

Duas semanas depois, a 15 de Dezembro de 2014, Mayra, esposa de Zenú e nora de José Eduardo dos Santos, compareceu no Cartório Notarial da Loja dos Registos do Kilamba, como representante de Maria Isabel José e de Domingas Zanda Muenho.

Mayra procedeu à transferência para o seu próprio nome de 70 por cento da quota da Bertoli – Investimentos e Participações, que assim ficam na posse de Mayra Isungi Campos Costa dos Santos, esposa de Zenú e nora de José Eduardo dos Santos. Os restantes 30 por cento passam para o nome das três filhas do casal Zenú e Mayra: Dahlia (10 anos), Amarilis (7 anos) e Anise (3 anos). E assim as netas do presidente, contrariamente à tia Isabel dos Santos, que começou a vender ovos aos seis anos, iniciam-se na vida dos negócios como empresárias de sucesso no mercado imobiliário, através dos esquemas de corrupção do avô.

O Ministério das Finanças recusou-se a responder às questões que lhe foram remetidas, a 13 de Maio, para que esclarecesse a sua participação no negócio, apesar de inicialmente ter solicitado o envio das perguntas por e-mail. Das quatro questões enviadas, partilham-se duas.

Que justificação há para o Ministério das Finanças e a CVM [Comissão de Valores Mobiliários] ocuparem um edifício de 35 andares, quando está em construção um novo edifício para o MINFIN?

Por que motivo não se seguiu o preceituado no artigo 28.º 1, b da Lei 3/10 [Lei da Probidade Pública] de 29 de Março? Era do conhecimento do ministro Armando Manuel que a Imob pertencia à nora do presidente, Mayra Isungi Campos Costa dos Santos, que é mulher do presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, e agora às suas netas também?

De acordo com o artigo acima mencionado, “o agente público [no caso, o chefe do Executivo, José Eduardo dos Santos] está impedido de intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos nos seguintes casos”: “(b) quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente de linha recta [nora, filho e netos] ou até segundo grau da linha colateral, bem como quem viva em comunhão de mesa e habitação”.

Outros sócios foram igualmente contactados para fornecerem a sua versão dos factos, mas sempre sem sucesso.

De vendedores a fiscalizadores

O negócio não ficaria completo sem mais uma machadada na lei. Vendido o edifício ao Ministério das Finanças, a fiscalização das obras passou a ser da inteira responsabilidade da empresa BDM – Engenharia e Tecnologia Limitada, que também é a projectista.

Quem são os donos da BDM? O brasileiro António Carlos Perruci Loureiro Alves (67.5%), um deputado do MPLA, general Armando da Cruz Neto (20%) e Óscar Tito Cardoso Fernandes (12.5%), conforme registo notarial lavrado a 10 de Abril de 2014.

“O vendedor da obra não deve ser o fiscalizador da mesma. Isso é uma promiscuidade total, porque protege o seu interesse privado e não o do Estado. Tecnicamente não fiscaliza nada”, argumenta um engenheiro de construção civil, especialista em obras públicas, que prefere o anonimato.

Para este mesmo especialista, “no momento em que o Estado assina o contrato, a construção do edifício passa a ser uma obra pública sujeita às leis da Probidade Pública e da Contratação Pública”.

O especialista cita a Lei da Contratação Pública, para demonstrar a clareza da lei: “o fiscal nomeado para a obra não pode, em circunstância alguma, ser o projectista da obra [Art. 265º, nº 5].”

O procurador papagaio

A recente declaração do procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, sobre o seu combate à corrupção não passa de mais um acto de cinismo e hipocrisia. A legislação angolana confere ao presidente da República o papel de responsável último do Ministério Público, corpo de advogados do Estado encarregados de garantir a legalidade e de perseguir penalmente os criminosos. O procurador-geral da República é o chefe dos advogados do Estado, e está directamente dependente do presidente da República.

Por conseguinte, o general João Maria de Sousa não é mais do que um papagaio ao serviço da família Dos Santos, roubando o Estado e o povo angolano em plena luz do dia. É o procurador que manda prender os críticos, como os 17 activistas, para proteger o principal violador da constituição e da legislação em vigor: José Eduardo dos Santos.

Conclusão: um presidente que viola todos os dias as leis e a Constituição não merece qualquer respeito por parte dos cidadãos que representa e não tem qualquer legitimidade para manter o cargo, excepto o poder da força e da corrupção. Dos Santos é ladrão e o lugar dos ladrões é na cadeia, e não na presidência da República.

(*) Maka Angola

Legenda: Mayra Isungi dos Santos (esq.) e o marido José Filomeno dos Santos (dir.).

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