Absolvido assassino de Ganga

O Tribunal Provincial de Luanda absolveu hoje o militar da Unidade da Guarda Presidencial que em Novembro de 2013 matou a tiro Manuel Hilberto Ganga, militante da CASA-CE.

A o saber da notícia registaram-se protestos no exterior do Tribunal, que levaram à intervenção da polícia.

O militar, com patente de soldado, estava acusado pelo Ministério Público de um crime de homicídio voluntário simples, punível com até 20 anos de prisão, por ter disparado dois tiros na direcção de Manuel Hilberto Ganga, dirigente da organização juvenil da coligação eleitoral Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE).

Note-se o preciosismo da investigação: tiros na direcção de… O azar foi do jovem que, certamente, se colocou na direcção dos tiros. Nada mal.

O jovem, então com 32 anos, foi surpreendido na madrugada de 23 de Novembro de 2013 a cometer o crime de lesa-regime ao violar o perímetro de segurança da Presidência da República, na versão da polícia angolana, quando colocava cartazes, juntamente com outros sete elementos da CASA-CE, de contestação ao regime angolano e que o tribunal considerou hoje como “ofensivos à pessoa” do Presidente, José Eduardo dos Santos.

Na altura o regime ainda não tinha descoberto a tese de rebelião e golpe de Estado. De qualquer modo, violar o perímetro de segurança qualquer cidadão está sujeito a ficar na direcção dos tiros.

Na leitura do acórdão, o Tribunal considerou que o soldado, de 30 anos, agiu em cumprimento do seu serviço, tendo em conta a violação do perímetro de segurança do Palácio Presidencial e que a vítima, depois de interceptada pela Unidade da Guarda Presidencial, encetou a fuga, quando foi atingido por um dos disparos, cuja autoria foi assumida pelo militar.

Pouco depois de conhecida a decisão de absolvição, lida pelo juiz da causa perante uma sala lotada, começaram os protestos no exterior do Tribunal, com gritos ingénuos de a “Polícia é do povo, não é do MPLA”, antecedendo uma carga policial sobre algumas dezenas de jovens que se apresentavam no local como militantes da CASA-CE.

Manuel Hilberto de Carvalho, “Ganga”, angolano, jovem militante e dirigente da CASA-CE, foi assassinado. Quem disparou foi um elemento da Guarda Presidencial. No dia 12 de Dezembro de 2013 foi apresentada a respectiva queixa na DNIAP e na PGR.

Justiça? Não. Afinal o culpado de facto foi o candeeiro que encandeou o autor dos tiros, originando assim que o tiro para o ar acertasse em cheio na vítima.

Nesse fatídico dia, “Ganga” (um angolano de alma e coração) colava cartazes anti-Governo no âmbito de uma manifestação contra a repressão e em repúdio pelas violações sistemáticas dos direitos humanos por parte do regime. Foi um crime de lesa-majestade punível, como se verificou, com a pena de morte imediata e com um julgamento que absolve todos quantos são afectos ao regime. Tudo a bem da casta superior que dirige o nosso (mais deles do que nosso, é por enquanto certo) país.

Julgando-se iguais aos restantes angolanos, os jovens que colavam cartazes foram diplomaticamente abordados pelos serviçais da Guarda Presidencial que se apresentaram armados até aos dentes e os convidaram a subir, com a sua ajuda – como é óbvio, para as viaturas de serviço. As testemunhas deste civilizado acto de cidadania e de respeito integral pelos direitos humanos dizem que os guardas proferiram “palavras agressivas e ameaças de morte”. Nada de mais errado. Eles limitaram-se a um cordial “sejam bem-vindos a bordo das nossas viaturas”.

A marcha, quase com características nupciais, não foi bem interpretada pelo “Ganga” que, desconfiado com tanta cordialidade que quase roçava uma declaração de amor, não compreendeu que a chegada ao perímetro do Palácio Presidencial visava uma recepção democrática por parte do Presidente. Vai daí, “Ganga” tentou fugir. Chateados, os homens do Presidente dispararam para o ar mas as balas, teimosas, acabaram por o assassinar.

Tanto quanto se crê, a culpa é apenas das balas que desobedeceram e em vez de irem para o ar foram direitinhas ao corpo do “Ganga”.

“Ganga” foi fisicamente assassinado. No entanto, os seus carrascos (os que dispararam e os que os autorizam a disparar) não conseguiram matar a sua alma e o seu espírito de resistência. Ele é, aliás, o “patrono da juventude patriótica de Angola”.

Para o regime o importante é matar os opositores. O resto é tudo uma questão de formalidades. Se for preciso arranjar bodes expiatórios, eles serão fabricados e punidos. E é por isso que o jornalista Ricardo de Melo foi morto, tal como Nfulumpinga Landu Victor, líder do PDP-ANA.

A Guarda do Presidente é que matou, obviamente são os guardas do Presidente da República que podem matar. Mas é o Presidente que dá ordens. Ou não?

Na altura, segundo o porta-voz do Comando Geral da Polícia Nacional do MPLA (que alguns de nós teimam, ingenuamente, em dizer que é de Angola), Aristófanes dos Santos, o grupo, do qual “Ganga” fazia parte “foi detido quando procedia à afixação indevida de cartazes de propaganda subversiva de carácter ofensivo e injurioso ao Estado e aos seus dirigentes, tendo os mesmos sido prontamente neutralizados por uma patrulha da Guarnição do Palácio Presidencial, resultando na sua detenção”.

Simples. Se alguém, que não seja do regime, foge é porque está comprometido com um golpe de Estado e, por isso, é abatido. Se não foge, é preso, torturado e encaminhado para a cadeia de segurança mais do que máxima, ou seja para a cadeia alimentar dos jacarés.

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