O líder parlamentar da UNITA (o maior partido oposição que, a muito custo, o MPLA ainda permite em Angola), Liberty Chiyaka, disse hoje que Angola não alcançou os sonhos da independência e não há razões para grandes comemorações, que seriam “um insulto” aos angolanos que passam fome, 20 milhões dos quais são pobres.
Liberty Chiyaka considera que “festejar à grande e à francesa, isso é um insulto à maioria que sofre, não se pode aceitar. Os governantes gostam de grandes almoçaradas e jantares com pompa, mas ao lado as pessoas estão a morrer, não se pode aceitar isso”.
Chyaka respondeu aos jornalistas, numa conferência de imprensa de balanço do segundo ano parlamentar da V legislatura, que terminou em 15 de Agosto, e quando questionado sobre os preparativos das celebrações dos 50 anos de independência, abordados na quarta-feira na reunião do Conselho da República, considerou não existirem razões para os angolanos festejarem os 50 anos de (in)dependência (11 de Novembro de 2025).
O Presidente angolano (não nominalmente eleito), general João Lourenço, disse, na quarta-feira, que “há vários motivos para se comemorar em grande”, os 50 anos de independência do país, depois de várias décadas de guerra, salientando que o país conquistou a paz e está “a construir uma pátria de irmãos reconciliados que souberam perdoar-se mutuamente”.
O programa das comemorações compreende actividades políticas, culturais, religiosas, feiras, exposições e inaugurações de empreendimentos públicos e privados, tendo o chefe de Estado angolano exortado à participação de toda a sociedade civil.
Liberty Chiyaka – que disse que a UNITA não foi convidada a participar no programa comemorativo da independência (o que “de per si” mostra que Angola está longe de ser um Estado de Direito) – afirmou que respeita a opinião do Presidente angolano (igualmente presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas), mas reforçou que não existem razões para comemorar em grande, já que os sonhos que animaram os movimentos de libertação a lutarem pela independência, como a liberdade, dignidade, prosperidade, felicidade e justiça social não foram alcançados. Longe disso. Muito longe.
Lamentou igualmente a intolerância política “que persiste” e perguntou: “O que é que vamos festejar se os objectivos da luta de independência nacional não foram alcançados? Os objectivos até da própria governação do MPLA [partido no poder deste a independência] não foram alcançados (…). É só festejar porque temos uma bandeira e um hino? Isto mesmo é sério?”, questionou, defendendo uma reflexão sobre o estado actual do país.
“Onde falhámos em 1975 para termos feito esta trajectória defeituosa, como combater a pobreza, erradicar a fome e a miséria é que se impõe”, argumentou, exortando o Presidente a mudar o quadro dos festejos da data.
“A melhor forma de comemorarmos 50 anos de independência é erradicar a fome, a pobreza, promover emprego e boa governação. São esses os fundamentos que se impõem, porque Angola falhou”, sublinhou o político.
“Há razões para os angolanos festejarem em grande os 50 anos de independência, quando temos um cortejo de divisões, ódio, mortes?”, questionou, referindo que, em 22 anos de paz, alcançada em 4 de Abril de 2002, aumentaram a pobreza, a fome e o desemprego.
O político da UNITA apontou para a existência de dez milhões de angolanos a passar fome, sete milhões sem emprego e milhares de crianças fora do sistema de ensino para justificar os argumentos.
“Mas, vamos festejar o quê só com este pequeno quadro que apresentei?”, apontou, referindo que, em Luanda, a menos de dois quilómetros do Palácio Presidencial, existem crianças nos contentores de lixo.
Vejamos, entretanto, na íntegra o balanço da UNITA sobre o segundo ano parlamentar da V legislatura:
«Neste balanço, é nosso entendimento que o cidadão quer ter sempre presente três fundamentos constitucionais que constituem parâmetros de avaliação:
O primeiro fundamento é que a Assembleia Nacional é um órgão colegial e pluripartidário, representativo de todos os angolanos, que exprime a vontade soberana do Povo e exerce o Poder Legislativo do Estado. Isto significa que ela deve agir e afirmar-se sempre como um poder soberano, com identidade própria, um poder representativo de todo o Povo, capaz de interpretar e exprimir em cada momento a vontade soberana do Povo, que é dinâmica.
O segundo fundamento é sobre os Deputados: eles são representantes de todo o Povo, e não apenas dos círculos eleitorais, ou das listas partidárias, por que foram eleitos. Isto significa que, apesar de a Assembleia Nacional estar organizada em Grupos Parlamentares, os Deputados do Povo não devem agir como se fossem detentores de poderes próprios para prosseguir interesses próprios ou de apenas uma classe de cidadãos. Devem agir sempre no interesse da unidade nacional, executando as tarefas fundamentais do Estado, para o alcance dos objectivos da República de Angola, estabelecidas pela Constituição.
O terceiro fundamento é o respeito e a defesa da supremacia da Constituição e da legalidade. Tanto os Deputados, como o órgão de soberania que encarnam, devem ter a Constituição como lei suprema, a maior ORDEM SUPERIOR. Nenhuma orientação superior que viole a Constituição deve ser seguida. O Deputado da República de Angola não recebe ordens superiores nem orientações de ninguém. A ordem suprema é a Constituição. O seu chefe supremo permanente é o Povo. O Deputado não apoia violações à Constituição e a Lei, pelo contrário, o Deputado subordina-se à Constituição e actua sempre como fiel intérprete das aspirações e interesses de todo o Povo, garantindo os direitos e liberdades fundamentais, promovendo políticas para a erradicação da pobreza, políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito e aos cuidados primários de saúde gratuitos, como manda a Constituição.
Com base nestes parâmetros, temos de afirmar, em jeito de autocrítica, que o desempenho da Assembleia Nacional durante o Segundo Ano Parlamentar, foi marcadamente negativo.
E porquê?
Porque ainda não foi desta vez, no segundo ano da V Legislatura, que o Parlamento da República de Angola conseguiu afirmar-se, no plano institucional, como poder soberano com identidade própria, separado e independente do poder executivo, capaz de interpretar e afirmar em cada acto legislativo a vontade soberana do Povo.
Estamos todos lembrados do facto que presenciamos a 14 de Outubro de 2023, aquando da realização da Reunião Plenária Extraordinária convocada especialmente para votar a constituição de uma Comissão Eventual sobre o Processo de Acusação e Destituição do Presidente da República, e um grupo de Deputados, perante dezenas de provas documentais de crimes de violação da Constituição que atentam gravemente contra o Estado Democrático de Direito, preferiu violar o juramento que fez, votar contra a soberania do Povo e contra a supremacia da Constituição, só para se subordinar à vontade do Senhor Presidente da República.
Ainda não foi desta vez que, em termos de iniciativa legislativa, a Assembleia Nacional se afirmou como o Poder Legislativo por excelência da República de Angola, pois, a sua produção legislativa por iniciativa própria foi quase nula. Apenas o Grupo Parlamentar da UNITA apresentou e fez aprovar um projecto de lei. Todas as demais iniciativas são do Titular do Poder Executivo.
Durante o ano parlamentar, houve mais diplomacia e marketing político-institucional do que produção legislativa, fiscalização dos actos de governação ou até mesmo atendimento a reclamações e denúncias dos cidadãos. Houve mais preocupação com a aparência do que com a obediência à Constituição, o respeito pelo regime democrático e a fiscalização efectiva dos actos de governação.
As poucas audições parlamentares foram meros exercícios de propaganda Institucional, sem nenhum impacto nas práticas de governação, na qualidade dos serviços públicos e na melhoria das condições de vida das pessoas, dos trabalhadores e das famílias. Também não foi constituída nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar as inúmeras queixas e reclamações dos cidadãos relativas a violações de direitos humanos, abusos de poder e corrupção da parte de titulares de cargos públicos.
Não foi desta vez, no segundo ano da V Legislatura, que os Deputados conseguiram se afirmar como Deputados de todo o Povo para exprimir a vontade soberana do Povo, e não a vontade de um homem. Não é preciso fazer consulta pública para determinar se, para o Povo, o que é prioritário é acabar com a fome ou criar mais províncias, mais municípios e mais comunas, só para aumentar a despesa pública em si mesma já improdutiva e opaca.
Como é que um Governo, que não tem folga orçamental nenhuma, não tem dinheiro para pagar salários e pensões em tempo útil, que não tem expectativas de aumentar a receita e que vive de dívidas para pagar dívidas, vai arranjar mais despesas desnecessárias com salários e regalias para mais 162 administradores municipais e 324 adjuntos, 3 novos governadores provinciais, 6 novos vice-governadores provinciais e acomodar outras centenas de militantes dos CAP´S nas administrações municipais e comunais.
Os angolanos não se devem deixar enganar. Não se trata de procurar maior proximidade dos serviços da Administração Pública para as populações, porque o ente constitucional autónomo que aproxima a Administração Pública aos cidadãos e ajudar a resolver os problemas locais são as Autarquias Locais. Só as Autarquias Locais, enquanto órgãos democráticos, autónomos e descentralizados do Poder Local, podem repartir com o Estado os recursos públicos locais para o benefício das populações. Criar novas províncias e novos municípios, todos eles dependentes de um poder centralizado num só órgão, num só homem, só para inviabilizar o exercício da democracia participativa pelo Povo soberano de Angola, constitui uma ofensa à Constituição, que atenta gravemente contra o Estado Democrático de Direito.
O desempenho negativo da Assembleia Nacional ganhou uma nova dimensão com a aprovação, pelo Grupo Parlamentar do MPLA, da nova divisão politica e administrativa da província de Luanda, um acto que insulta a inteligência dos cidadãos e descaracteriza a capital do País. Ao votar contra a medida, o Grupo Parlamentar da UNITA exprimiu fielmente o sentimento generalizado que captou da maioria qualificada dos munícipes que habitam a província de Luanda, e não só. Para nós não está em causa qualquer mudança eventual da capital do País, se os angolanos e a sua Constituição assim o determinarem. O que nos parece questionável é a utilização de um expediente legislativo para atrasar, impedir ou obstaculizar a institucionalização efectiva das autarquias locais, no momento em que se discutem as propostas para o efeito.
Constatamos que a esmagadora maioria é de opinião que se trata de uma medida desnecessária, inútil e sem qualquer fundamento político, histórico ou de eficiência e eficácia governativa. Esta divisão administrativa não vai melhorar EM NADA a vida das pessoas. Não vai fazer com que as consultas médicas e os medicamentos sejam grátis para quem não tem dinheiro para pagar as clínicas da classe rica. Não vai fazer com que os filhos dos pobres estudem com os mesmos livros e com a mesma qualidade que os filhos dos ricos. Não vai reduzir as desigualdades nem as assimetrias regionais, nem podia, porque estes objectivos não se alcançam com divisões artificiais de espaços territoriais não autónomos.
O Partido-Estado quer que a cidade capital dos angolanos deixe de ser uma cidade e passe a ser uma província. Nós pensamos que é urgente anular e reverter esta medida arbitrária.
Os especialistas, incluindo os constitucionalistas, arquitectos, planificadores urbanos, gestores de cidades e activistas cívicos deverão rejeitar esta decisão que para o povo é antipatriótica. Numa sociedade sem serviços mínimos, onde as pessoas não têm água potável, não têm saneamento básico, os governantes desviam dinheiro e o património público, os juízes são corruptos, o custo de vida é insustentável, o desemprego e a miséria não param de crescer, onde as pessoas estão a morrer de fome e os jovens estão sem futuro, qual é o benefício concreto de haver mais um traçado no mapa que se chame província? Certamente nenhum!
O único propósito deste Mapeamento Politico Eleitoral (MPE) é a vontade partidária de multiplicar fraudulentamente ganhos eleitorais para manter o poder hegemónico do partido-estado e travar a trajectória decrescente e irreversível dos resultados eleitorais do regime.
Com mais uma província no papel, será que as pessoas vão passar a ter mais comida em casa? Não! A qualidade da educação vai melhorar? Não! Os preços da comida e das propinas vão baixar? Não! Os governantes vão deixar de desviar os bens públicos? Certamente que não!
A única certeza é que a despesa pública vai aumentar, a dívida pública vai aumentar, os atrasos salariais vão aumentar, a fome vai aumentar e o sofrimento da maioria do povo vai aumentar.
O âmbito, o conteúdo e a constitucionalidade de algumas normas recentemente aprovadas, relativas aos crimes de vandalismo de bens públicos, também nos parecem dignas de serem revisitadas, pois, nunca devemos perder de vista que o maior perigo à segurança nacional neste momento é a conduta ostensiva daqueles que, sendo titulares de órgãos de soberania da República de Angola, violam sistematicamente a Constituição para usurpar a soberania do Povo e os recursos públicos.
E, quando se mantêm impunes e utilizam a Lei, a força das armas, a força do dinheiro ou a força do medo para legitimar seus actos, seus atentados à Constituição passam a constituir também atentados à segurança nacional. Isto porque, no Estado Democrático de Direito, não se garante a segurança nacional violando a Constituição e os direitos fundamentais. Os órgãos competentes do Estado vão precisar de escrutinar no futuro a Lei ora aprovada, para identificar e expurgar os aparentes vícios de inconstitucionalidades de que enferma.
Quando em 2022, perante a falta de transparência da CNE e a opacidade dos resultados que anunciou, a UNITA decidiu fazer o combate político no seio do Parlamento foi exactamente para permitir que o Povo continuasse a despertar e a crescer politicamente.
Passados apenas dois anos do início de uma Legislatura de cinco anos, está claro que o Partido Estado não tem o apoio do Povo soberano, porque não governa pelo Povo nem para o Povo. O Regime Governa contra o Povo. E quando um grupo de cidadãos exerce o poder do Povo em nome do Povo, mas contra o interesse do Povo, o Povo lhe retira a legitimidade política. Sem legitimidade o regime vai procurar resgatá-la fraudulentamente, todos os dias, por meios ilegítimos, não previstos nem conformes com a Constituição. Assim como acontece na Venezuela.
O Regime esgotou e não tem condições para continuar no poder. A hora é de renovar a esperança e as aspirações de liberdade, justiça e igualdade do Povo soberano de Angola.
A situação económica do País vai continuar a deteriorar-se, porque a inflação está descontrolada, as contas públicas estão descontroladas, a Dívida Pública está descontrolada e a corrupção também está descontrolada.
O momento é de reflexão, concertação e diálogo, para os angolanos concretizarem a alternância que vai trazer a mudança. Uma mudança patriótica, democrática e inclusiva, nos marcos da Constituição e da lei.
O povo que representamos está mais pobre, mais miserável, passa fome, enfrenta penúria, desemprego, morre de fome e sobrevive da indigência, por isso, o Grupo Parlamentar da UNITA não pode estar satisfeito com o desempenho da Assembleia Nacional.
As leis e resoluções aprovadas não tiveram impacto relevante na melhoria da qualidade de vida das pessoas, das famílias, dos trabalhadores e das empresas. Não basta legislar; é necessário que as leis sejam justas e tenham impacto positivo na vida dos cidadãos.
A fiscalização e o controlo exercidos pela Assembleia Nacional deveriam ter contribuído para a boa governação, transparência, responsabilização dos governantes, erradicação da fome e da pobreza e a construção de uma sociedade de justiça social e económica, de dignidade, prosperidade e felicidade das pessoas.
A corrupção aumentou, o favorecimento de empresas do regime aumentou por via da contratação simplificada e ajustes directos, o Estado de Direito retrocedeu, os principais referentes do Estado Democrático, como a liberdade de expressão, o tratamento igual dos partidos políticos, foram violados e desapareceram da prática de governação. Todas as semanas ocorrem denúncias e relatos de execuções sumárias, graves violações dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, o país tem presos políticos por delito de consciência. Aumentou a intolerância política, até os Deputados da Assembleia Nacional não foram poupados; a maioria dos angolanos está desesperado. O Estado está falido e governado por uma Constituição que não é a da República de Angola.
Nesta hora difícil para a grande maioria das famílias angolanas que passa fome e não tem esperança de viver o presente nem o futuro, o Grupo Parlamentar da UNITA, vem reiterar o seu comprometimento de servir as angolanas e os angolanos. O Grupo Parlamentar da UNITA vai continuar a lutar para o fortalecimento e afirmação da Assembleia Nacional, como órgão de soberania com identidade própria, autonomia administrativa e financeira, representativa de todo o Povo, capaz de interpretar e exprimir em cada momento a vontade soberana do Povo, para o alcance dos objectivos da República de Angola, estabelecidos pela Constituição.
Agradecemos aos angolanos pela confiança, o incentivo motivacional, o apoio multiforme, a partilha de críticas e sugestões durante as jornadas de proximidade desenvolvidas nas comunidades. Apesar de inúmeras dificuldades enfrentadas pela Administração Parlamentar e os Gabinetes de Apoio aos Grupos de Deputados residentes, expressamos o nosso reconhecimento pelo empenho e diligências para garantir eficiência e eficácia da Assembleia Nacional. Aos Assessores, Assistentes, Funcionários e Agentes do Grupo Parlamentar da UNITA expressamos o nosso enorme apreço e gratidão. A nossa gratidão aos jornalistas, órgãos de imprensa e plataforma digitais que se dignaram cobrir as actividades do Grupo Parlamentar da UNITA durante o Segundo Ano Parlamentar.
Nós amamos a nossa pátria e juntos vamos lutar para construir m futuro que as pessoas merecem.»