NETO, O MAIOR GENOCIDA DEPOIS DA II GUERRA MUNDIAL

O Maio, 2023, foi-se! As sequelas do seu bem e mal, atravessaram a fronteira de Junho, por isso ainda peregrinamos, singelas pinceladas inseridas numa obra com acertos e desacertos, sobre uma realidade, muita vivida e outras partilhadas de contares e viveres, na primeira pessoa do singular de guerrilheiros, políticos, dirigentes, discriminados e vítimas de um ignóbil genocídio. Não me atenho, exclusivamente, a 27 de Maio de 1977, mas a todos os “Maios”, que o antecederam, principalmente, decurso do consulado de António Agostinho Neto, feito herói, por uns e genocida por milhões.

Por William Tonet

A história do MPLA está prenhe de contornos sinuosos, desde o seu tumultuado nascimento. Sem maternidade, data e progenitores definidos, tudo foi ao acaso, no século XX e, assim continua, até aos dias de hoje (século XXI), 2023.

A galeria de feitos e heróis é tão fértil de mentiras e intrigas que se assiste a condecoração de facínoras e humilhação das vítimas, a quem se acha como bastante o endossamento de 50% de um perdão, onde a verdade histórica é escamoteada.

As páginas de hoje trazem partes importantes de revoltas e sublevações vividas em importantes regiões do MPLA, que foram um apanágio da direcção de Neto. A história parece repetir-se na esquina do vento.

Depois da cisão entre Neto e Viriato da Cruz, seguida da expulsão deste último e de Matias Miguéis em 1963, nos primórdios da década de 1970 o MPLA encontrar-se-á de novo ameaçado, no seu seio, por duas facções dissidentes. A primeira, unicamente política, é a do grupo conhecido pelo nome de “Revolta Activa”, dirigido pelos irmãos Andrade (Mário e Joaquim), adjuvados por Gentil Viana, o Dr. Eduardo Macedo dos Santos e outros jovens quadros do MPLA, entre os quais, Manuel Jorge; a outra é militar, mais conhecida pelo nome de “Revolta de Leste”, dirigida por Daniel Chipenda.

A “Revolta Activa” nasce, segundo testemunhos de membros da organização, como uma manifestação alimentada por uma parte dos militantes do MPLA contra a autoridade do Dr. Agostinho Neto. Composta essencialmente por jovens “intelectuais” do MPLA, ela acusava o presidente de “presidencialismo”, ao mesmo tempo que o acusava de ter um carácter antidemocrático no seio do executivo do movimento. Segundo Joaquim Pinto de Andrade, membro dessa oposição, a crise entre a tendência política que ele representava e o grupo de Neto seria anterior a 1974, mais precisamente vinha dos primórdios dos anos setenta, entre 1970 e 1972.

Na origem, tinha-se manifestado em alguns dos militantes do movimento, entre os quais Gentil Viana, que estava de regresso da China, a vontade de experimentar no seio do MPLA métodos políticos empregues nas assembleias populares chinesas, baseadas sobre a crítica e a autocrítica. Trata-se na realidade de uma iniciativa de um grupo de intelectuais que, alertados pelo estado escabroso de atomização do Movimento tomam a iniciativa de tentar aquilo que ficou designado como Movimento de Reajustamento. Agostinho Neto, na sua qualidade líder do MPLA teria dado o seu acordo desde o princípio, considerando nessa altura esta proposta como democrática, sem imaginar qualquer efeito contrário aos seus interesses. Mas a base do Movimento de Reajustamento de imediato viu nos debates políticos a expressão duma nova forma de democracia e aproveitou o ensejo para formular as suas críticas em relação à direcção. Agostinho Neto não aceitou essas críticas e decidiu pôr um termo a essa experiência democrática, levando o aglomerado de dissidentes a formar o grupo da “Revolta Activa” e a publicar um manifesto assinado por mais de sessenta militantes a denunciar a atitude da direcção do movimento.

Letra morta. E mais uma vez se manifestava a vontade de Agostinho Neto para impor unilateralmente a sua vontade.

DUAS REVOLTAS, A DA “JIBÓIA” E A DE LESTE”

Estava o MPLA a braços com a dissidência dos “jovens intelectuais” da “Revolta Activa”, quando duas insurreições, a da “Jibóia” e a da “Revolta de Leste”, eclodiram de maneira inesperada, como que fossem, segundo os termos de alguns dos seus actores, o corolário do comportamento do Dr. Agostinho Neto à cabeça do MPLA. Os insurgidos acusavam-no de autoritarismo e, sobretudo, de ter torturado e massacrado militantes do movimento oriundos do Sul de Angola, acusados de urdir um atentado contra a sua pessoa. Exigindo doravante o reconhecimento do seu movimento e do seu presidente, antes da formação do governo de transição, os membros da “Revolta de Leste” ameaçavam persistentemente recorrer à violência armada caso as suas reivindicações fossem ignoradas.

O acontecimento que desencadeou uma grande violência a partir de Dezembro de 1969, foi a execução sem julgamento dos camaradas PAGANINI, ROQUETE, JOAQUIM E CARLOS, oriundos do Leste de Angola, numa zona comandada militarmente pelo comandante Toca, natural do Norte de Angola. Essa sanção foi considerada como um acto deliberado, visando a eliminação dos quadros da região Lunda pelos que vinham de fora.

Barreiro Freitas, também conhecido pelo pseudónimo de “Jibóia” e de “Katuwa Mitwé», encabeçou em Dezembro de 1969 um movimento de contestação de guerrilheiros “mbundu” (Sul de Angola), que largou do Leste com a firme intenção de chegar a Lusaka, mas acabou finalmente por parar na fronteira por causa de divergências que se declararam no seu seio. O líder foi demitido das suas funções de director adjunto do Centro de Instrução Revolucionário (CIR) e passou a ser simples militante. A revolta do “Jibóia” era pacífica, ao contrário da que se desenvolvia na outra revolta, a de Leste.

De facto, no momento da ira da “Jibóia”, o seu chefe, Daniel Chipenda, mandatado pela direcção do movimento para servir de mediador nas discussões com os contestatários, depois de ter tomado conhecimento das suas reivindicações, acabou por as adoptar e as expor no decorrer dos debates organizados pelo «Movimento de Reajustamento». Não obtendo qualquer apoio durante esses debates, Chipenda refugiou-se na Zâmbia, pretextando problemas de saúde. Foi na sequência, longínqua, de toda esta confusão, que se realizou o Congresso de Lusaka.

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