O (ainda) primeiro-ministro de Portugal, António Costa, inicia amanhã uma visita a Angola, durante a qual serão assinados mais de uma dezena de acordos de cooperação bilateral, incluindo um novo programa de cooperação estratégica e um reforço da linha de crédito.
Nesta sua segunda visita oficial a Angola – a primeira foi em 2018 -, que terminará na terça-feira, António Costa estará acompanhado pelos ministros das Finanças, Fernando Medina, dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, da Economia, António Costa Silva, da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e pelo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André.
Pouco depois de chegar a Luanda na manhã de segunda-feira, o primeiro-ministro português é recebido pelo Presidente de Angola, general João Lourenço.
Segundo o executivo de Lisboa, após a reunião a sós entre o chefe de Estado angolano e António Costa, está prevista a assinatura “de mais de uma dezena de instrumentos de cooperação bilateral, dos quais se destacam o Programa Estratégico de Cooperação (PEC) 2023-2027, um reforço da linha de crédito Portugal-Angola de 1,5 para dois mil milhões de euros, e o memorando de entendimento entre a administração dos portos de Sines e do Algarve e a Sociedade de Desenvolvimento da Barra do Dande.
Em relação a este memorando, pretende-se criar “um corredor logístico verde e digital entre os portos, fortalecendo as cadeias de abastecimento e de reservas estratégicas, particularmente no sector agrícola e alimentar”.
Entre a dezena de acordos, que serão assinados numa cerimónia presidida por João Lourenço de António Costa, o executivo português salienta que o PEC 2023-27 é o documento que enquadrará toda a cooperação bilateral entre Portugal e Angola para os próximos cinco anos.
“O novo PEC reforçará o envelope financeiro do período anterior” e “deverá continuar a privilegiar áreas como a educação, a saúde, a justiça e a segurança, avançando também com a promoção da cooperação em novas áreas como o turismo, a modernização administrativa, a cooperação com o sector privado, e a qualificação do capital humano”, refere uma nota do Governo português.
Ainda de acordo com a mesma nota, o último PEC 2018-2022, com um envelope financeiro de 535 milhões de euros, teve uma taxa de execução global de 122%.
O Governo português realça ainda a importância de um acordo fechado pelo ministro das Finanças para o reforço da linha de crédito entre os dois países e que foi elogiado pelo Presidente de Angola na recente entrevista que concedeu à Agência Lusa e ao jornal Expresso.
Com o alargamento da linha de crédito para dois mil milhões de euros considera-se pela parte nacional que se trata de um passo crucial no sentido de “dar músculo financeiro às empresas portuguesas, em particular face à concorrência estrangeira”. Os acordos bilaterais vão ainda abranger as áreas da economia, do ensino superior, infra-estruturas, comunicação social e defesa.
Nesta visita, o primeiro-ministro português deverá acentuar o objectivo de contribuir para a diversificação da economia angolana – uma prioridade definida pelas autoridades de Luanda – com aposta em novas áreas como a água e energia, engenharia e construção, agro-indústria, turismo, indústria farmacêutica, educação ou têxtil.
“Estão previstos contactos com representantes de mais de uma centena de empresas portuguesas, provenientes dos sectores das infra-estruturas e construção, da banca, do sector financeiro, do retalho, da energia, do agro-alimentar, da tecnologia e comunicações e dos serviços. Esta visita foi antecedida pela realização de um Fórum Económico Portugal-Angola 2023, no Porto, em 17 de Maio passado”, acrescenta o executivo de Lisboa.
Recorde-se que nesse Fórum o MPLA (que está no Poder há 48 anos) pediu que os portugueses venham para Angola fazer o que outros portugueses fizeram até 1974, altura em que Portugal (como previsto na altura) ofereceu o país ao MPLA, esquecendo – como está no seu ADN – os acordos assinados também com a UNITA e a FNLA.
Portugal apresenta uma balança comercial positiva nas trocas com Angola, com um coeficiente de cobertura de 228% em 2022, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) português, citados pela Agência Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
De acordo com os mesmos dados, as exportações atingiram 1.512 milhões de euros em 2018, 1.238 em 2019, 870 e 951 milhões de euros em 2020 e 2021 — anos de pandemia de Covid-19 -, e 1423 milhões de euros no ano passado.
As importações de Angola variaram entre um máximo de 1.075 milhões de euros em 2019 e os 623 milhões em 2022 – ano em que o coeficiente de cobertura das exportações pelas importações, pela parte portuguesa, foi na ordem dos 228%.
No ano passado, os principais produtos exportados para Angola foram medicamentos (4.07% do total), óleo de soja, vinhos e uvas frescas, instrumentos e aparelhos para medicina, máquinas, materiais para construção, máquinas automáticas para processamento de dados, enchidos e produtos semelhantes, fios e cabos, e centrifugadores.
Em relação a 2021, os maiores crescimentos (acima dos 100%) em termos de sectores exportadores registaram-se ao nível das máquinas e aparelhos, do azeite e dos veículos automóveis para usos especiais (auto-socorros ou camiões-guindastes).
Entre as empresas nacionais maiores exportadoras para o mercado angolano estão a Sovena, a Sicasal, a Mota Engil, a Omatapalo Engenharia e Construção, a Collison (Zona Franca da Madeira), o Onis Group Construção e Engenharia, e a Quinta de Jugais – Comércio de Produtos Alimentares.
Do lado das importações, o lugar cimeiro é o petróleo e minerais betuminosos que atingiu mais de 593 milhões de euros no ano passado, representando 67,42% do total. Depois do petróleo seguem-se na lista das importações os crustáceos, os refrigerados, congelados, as bananas, e o grupo de produtos de granito, basalto, arenito (grés) e outras pedras de cantaria ou de construção.
“As relações estão muito boas, nunca estiveram tão bem quanto agora, precisamos é de aumentar o investimento português em Angola e onde for possível”, afirmou o Presidente angolano.
Segundo o Governo português, as empresas lusas marcam presença em quase todos os sectores da economia em Angola, com destaque para a agricultura, indústria transformadora, tecnologias de informação e telecomunicações, energia, água, saneamento e produtos farmacêuticos. Estima-se que serão mais de 1.250 empresas com capital português, ou capital misto, no mercado angolano.
Angola é a oitava maior economia de África e um dos maiores produtores de petróleo deste continente.
O executivo de Lisboa assinala também que Angola é um dos principais parceiros comerciais de Portugal, designadamente enquanto destino das exportações de bens e serviços, mantendo a nona posição como cliente dos bens portugueses, e a décima quinta enquanto fornecedor.
A REGRA DE OURO É… BAJULAR
Os ideólogos do regime do MPLA e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entender que os dirigentes portugueses estejam (ou digam estar) tão mal informados em relação a Angola.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as nossas autoridades, do MPLA, organização que está no Poder desde a independência.
Alguém ouviu alguma vez António Costa dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém ouviu alguma vez António Costa dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém o ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu alguma vez António Costa dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém o ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu António Costa dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém ouviu alguma vez António Costa dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização do general João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Recorde-se que em Novembro de 2017 o então ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, avisou que enquanto o caso que envolvia a Justiça portuguesa e Manuel Vicente não tivesse o desfecho que João Lourenço queria, Angola “não se moveria nas acções de cooperação com Portugal”.
“Enquanto o caso não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções, que todos precisamos, de colaboração com Portugal”, disse Manuel Augusto, em entrevista à Lusa e à rádio francesa TF1, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana, que decorreu em Abidjan, na Costa do Marfim.
“Este já não é um caso individual de justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra”, vincou o diplomata.
Para o então chefe da diplomacia angolana, as relações entre os dois países “são excelentes”, mas estas estão “ensombradas por um caso específico que releva da actuação da justiça portuguesa”.
Na altura o irritante era Portugal andar a querer mexer em coisas que só diziam respeito a Angola. Se os alegados crimes do Manuel Vicente foram cometidos em Angola, Portugal não tinha nada que se meter no assunto. O irritante existiu enquanto Portugal não entregou o caso a Angola.
“Angola respeita a separação de poderes, mas a única coisa que queremos é que o poder judicial português deve ter em conta os interesses de Portugal e de Angola”, disse o ministro.
“A razão de Estado aplica-se aqui; enquanto o poder judicial português entender que as relações entre dois Estados são menos importantes do que o cumprimento deste processo na direcção em que estão a levar, nós aguardaremos”, alertou.
Questionado sobre se a razão de Estado deve sobrepor-se ao poder judicial, Manuel Augusto disse que “a justiça não se deve pôr nem por cima nem por baixo” e lembrou que existe um acordo judiciário entre os dois países, que permite a transferência de processos em caso de necessidade.
“O que se passa é que houve essa diligência em Portugal e o Ministério Público não é favorável, ou recusa-se a fazer, na argumentação de que não confia na justiça angolana, que terá havido uma amnistia e que o processo podia enquadrar-se nessa amnistia”, lamentou o diplomata.
Só que “aqui já há um juízo de valor sobre a justiça angolana, porque se não confiavam, não deviam ter assinado o acordo judiciário”, argumentou Manuel Augusto.
Lembrando o caso do empresário e antigo presidente do Sporting, Jorge Gonçalves, o ministro disse que “Portugal recorreu a este acordo para pedir a colaboração nesse caso”.
“Ora, na análise temos de concluir que o caso de Manuel Vicente está politizado, porque nem pelo valor material, nem pelas consequências da sua acção justifica todo este estardalhaço”, disse. “Se é um problema político, então vamos tratá-lo politicamente”, concluiu.
E, de facto – não de jure -, as razões de Estado são uma espécie de albergue onde cabe tudo o que interessa a Portugal, nem que isso seja um atropelo às regras de um Estado de Direito. Ou seja, permite que se lavre a sentença antes da averiguação dos factos. Primeiro arquiva-se e depois articula-se juridicamente os argumentos que sustentem esse mesmo arquivamento. Simples.
Num Estado de Direito uma das regras fundamentais é dar à política o que é política e aos tribunais o que é dos tribunais. Em Portugal nada disso é assim. A promiscuidade é tal que, cada vez mais, os tribunais fazem política e a política investiga e dá sentenças. Em Angola a promiscuidade é ela própria membro activo do Poder do MPA…
Folha 8 com Lusa